Sofia adorava sentir-se abraçada pelas palavras...
Gostava delas, proferidas, lidas, escritas de todas as formas e feitios, temperadas ou sem qualquer tempero, …sussurradas, ...balbuciadas, grandes, pequenas, fáceis ou complexas, tímidas, extrovertidas, doces, agri-doces, amargas, picantes, azedas e chocantes... nuas, camufladas... no lugar errado ou no momento certo…desde que fossem palavras, proferidas, ditas ou escritas e que significassem alguma coisa...que existissem. Só assim, se sentia acompanhada e nunca só... no vazio.
Senão… bastava-lhe que fossem palavras apenas, desordenadas, soltas, fora do lugar e Sofia entretinha-se a dar-lhes sentidos (uma vez que, já tinham nascido com significados), juntando-as carinhosamente, mesmo que fosse para falar de afectos do avesso… mas sempre com o propósito de traduzir o que sentia no momento…
Aprendeu com a idade que: “As palavras são como bolhas de sabão, frágeis e inconsistentes e que desaparecem quando em contacto prolongado com o ar”…ou, será antes, a nossa memória que não tem capacidade para guardar todas elas, principalmente e apenas aquelas que nos sabem bem ouvir...Não será necessário dar exemplos, afinal cada um de nós tem as suas preferências…até nas palavras!
Quando começou a soletrar, mesmo mal, ainda, uma ou outra, percebeu rapidamente que algumas correspondiam a acções e que através delas se satisfaziam desejos… só muito mais tarde, compreendeu o poder que estas tinham (pouco antes de se dissiparem em contacto com o ar)…serviam para muitas coisas, até para subverter conceitos (infelizmente) …
… cresceu, sempre procurando aprender cada vez mais e mais palavras, sem nunca se sentir satisfeita…
Muitos diálogos, textos e escritos depois... sentiu-se capaz de expressar, com as palavras quase exactas (sem excessos,… mas às vezes ainda com defeitos) o que pretendo dizer ao mundo, à vida e ás pessoas por quem e onde passei e que me tocaram. Ás vezes sentia-se dotada.
Pegou em todas elas e resolveu dizer a toda a gente o que sentia, o que achava, o que queria, o que não queria, o que desejava fazer, o que não deixava que lhe fizessem, do que mais gostava, do que não queria saber, …. e disse tanto, tanto, tanto, que quase esgotou o seu vocabulário…mas disse tudo e continua a dizer…
Descobriu ainda com o passar dos anos, que as definições e as dimensões, que cada um de nós tem da mesma palavra, são diferentes e por consequência obtemos respostas diferentes ás mesmas perguntas ou simples observações… e que até a entoação que utilizamos, pode e influencia a resposta…tudo isto, apesar do código linguístico ser “o mesmo”. Na verdade, muitas vezes, continuamos sem nos entender…falo, de palavras ditas.
As palavras escritas, são diferentes… não se dissipam… mas não têm som ???, a não ser de quem as lê. Sofia gosta delas de igual modo, porque lhe criam imagens, ilustram e alimentam os seus e os nossos sonhos, os nossos devaneios, as nossas loucuras, as nossas diferentes vidas…
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Esta, será definitivamente, a minha maior herança e o meu rasto... Mesmo que não tenha dito, escrito ou lido nada…
Na vida… nada amo tanto, quanto as palavras… Sem elas tenho consciência que a comunicação seria ainda mais difícil… mas com elas, também tenho consciência de que não é nada fácil.
...mas ainda, não descobri outra forma tão expressiva e eloquente de me comunicar com os outros…
Para completar este código, quando falamos, usamos os olhos, a boca, o sorriso ou a ausência dele, as expressões faciais múltiplas, as mãos, a expressão corporal,… que, de forma sábia nos traem ou completam as palavras que proferimos.
Apesar de tudo, sinto-me muitas vezes ainda à procura da palavra certa para encadear uma conversa … sem equívocos …
…sem este código, seria impraticável qualquer intercâmbio entre moi, les uns, et les autres.