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quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Meg, o tempo não espera por ninguém...


(continuação)

...a meio caminho de casa, Meg despediu-se daquele  sol de fim de tarde e resolvera seguir outra direcção, rumou ao Norte, sem dizer nada a ninguém...

O vento frio permanecia a seu lado e começava a gretar-lhe os lábios. Meteu as mãos nos bolsos, das calças de ganga justas e procurou desesperada, o bálsamo que a podia aliviar e, que, sempre andava por ali. Gostava de fazer companhia ao telemóvel, ao isqueiro e aos cigarros, ainda por fumar. Procurou num e noutro bolso das calças e nada. Estava perto de dizer, um ou vários palavrões, quando começou a procurar  rapidamente nos bolsos do blusão. Impacientava-se naquela busca. Havia naquela procura uma intenção apenas, protegê-los o quanto antes, para evitar aquele ardor quente e seco, acompanhado de dor que conhecia de uma ou outra vez. Esboçou um sorriso leve  ao encontrá-lo, finalmente, dentro de um maço de cigarros vazio, que havia ficado esquecido para retardar a sua ida para o lixo, depois de dissecado ou despojado dos adornos. A película cor de prata para o lixo orgânico e o cartão para o papelão.

Aliviada, voltou a guardar o bálsamo à toa e de forma mecânica, num qualquer bolso colado a si.

Os seus pés, que tinham concordado com o destino a tomar desde o início,  caminhavam agora sozinhos sem qualquer indicação mental. O seu corpo ia atrás. Seguia agarrado e arrastado pelos próprios pés, sem questionar ou contestar a direcção tomada. Neste momento, eram a parte mais determinada de todo o seu corpo, bastava portanto, deixar que conduzissem o resto do seu esqueleto, uma vez que a cabeça, depois de aliviados os lábios, voltara atrás no tempo uns minutos, para questionar de novo os últimos acontecimentos.

Meg, fervilhava a relembrar cada palavra proferida pelas personagens que integraram aquele amargo momento. Relembrava, sequencialmente, pergunta/ resposta, pergunta de novo/ sem resposta, a mesma pergunta/outra resposta.  Lembrava os momentos em que inspiraram e respiraram, os sentimentos, as sensações que teve ao longo e no final da conversa, as expectativas que tinha antes de ligar, o sorriso  que se foi desvanecendo... A revolta que sentiu por alimentar o insólito que não teve capacidade para contrariar e lhe dar um outro rumo. A culpa que levou consigo e, que, a acompanhou nos minutos seguintes, até arrumar aquele pedaço de algodão amargo numa mala pequenina, dentro de outra mala um pouco maior, e, de outra mala um pouco maior ainda, à semelhança das matrioskas russas que assentes em móveis de outros tempos, relembravam um momento da história que ficou para trás e que hoje, foram atiradas e esquecidas para dentro de uma arca de recordações, que alguém vai lembrar um dia mais tarde, num sótão qualquer. Alguém, a quem aquele momento não diga nada, o que é razoável, porque não o vivenciou, logo não o sentiu com a intensidade dos intervenientes.

Pretendia sobretudo e apenas, recuperar  a tranquilidade e restabelecer a harmonia dentro de si e isso só seria possível obtendo a certeza, de que aquele pedaço de algodão amargo, não tivesse nunca mais a oportunidade, durante a sua existência de se vir a transformar numa enorme bola de neve. E, com o tempo e a serenidade que a caracterizava, voltou.

Quanto a ele, e ao eventual estado em que se encontrava antes do telefonema, que nunca identificou e nunca entendeu,  e ao estado em que ficou depois da conversa,  sentiu que de outra forma, de um outro jeito, também ele ficara magoado, mais magoado ainda, do que antes de ligar para ela sem sucesso. Sabia também, no entanto, que ele tinha uma forma diferente, um outro jeito de arrumar as coisas dentro ou fora de si, uma concepção diferente de arrumação. Raciocinava, tipificava, seleccionava e reciclava ao seu jeito, ao seu modo, como cada um de nós. Cada um de nós arruma as suas coisas à sua maneira.

Retomada a ordem das coisas quando o tempo quisesse, Meg seguia o seu novo caminho, sem hesitar. Seguia rumo ao Norte, até onde os seus pés a levassem ou até aguentar. 

Nos primeiros quilómetros que percorreu, durante esta minha longa explanação sobre o seu passado recente, posso dizer-vos, que a avistei sempre, apesar do meu discurso mais ou menos empolgado ou emocionado num ou noutro momento, nunca a perdi de vista. Foi recortando a costa tendo o mar por companhia...
De cima,  no miradouro, alcançou que a praia estava nua. O mar tinha levado muita da areia que deixou por  lá no último Verão, e viam-se-lhe os ossos acentuados. Todas as rochas que a constituíam eram visíveis. Desceu.

As anfitriãs eram as gaivotas,  adultas, que davam as boas vindas a quem por ali se aventurasse. Ao fundo das escadas da Praia do M., eram as fragas que se estendiam no caminho. O mar chão, balouçava baixinho, para cá e para lá enquanto  ela ia fazendo comparações entre aquele lugar onde tinha estado deitada apanhar sol  em dias de calor,  confortada pela areia, e o monte de geios que aquele mesmo lugar apresentava agora, hoje,  em plena maré frívola. Percorreu a praia cimentando todas as analogias que a sua memória conquistava recordar, das reminiscências que lhe restavam da última estação.

As gaivotas quedavam-se  e encontravam -se com os maçaricos do mar, que debicavam ouriços arrastados à força e deixados à vista pela inexistência da água; viam-se lapas pequenas, agarradas às rochas como crianças  em idade muito tenra, que temem os estranhos e nos virão a cara, rejeitando a medo, o desconhecido – Aliás, o que continuamos  a fazer mesmo depois de adultos, com uma dificuldade acrescida,  a de não termos a quem nos agarrar, o que torna tudo mais difícil -, momentos que nos postam à prova e que nos conferem, igualmente duas opções: ou o encaramos e o vencemos, tornando-nos mais fortes; ou, o medo toma conta de nós para o resto da vida, de quem seremos eternamente reféns.

Perdida em todas estas meditações que lhe  furtavam a raciocínios infindáveis, seguia o seu  velejo praia adentro. Adormecera, nessa noite, por ali, num banco de areia. Na madrugada seguinte, o Sol, que já ia alto e aquecia-lhe agora o corpo, sublimando a temperatura de tal forma, que a aliciava ao ponto de tirar o blusão roxo de penas. Colocou-o à cinta, onde similarmente gostava de estar.

Chegou  ao final daquela praia e só tinha uma desembocada, alar-se, como tantas outras vezes e encontrar de novo  a civilização. Era obrigada abandonar o mar, sozinho, por instantes. Foi o que fez, sem ânimo. Os ritmos seguintes seriam feitos ao som dos automóveis que transcorriam.

Poucos minutos e metros depois, feliz por ir ao seu encontro de novo, entrou no caminho de terra e pó amarelo que a levava à praia seguinte. Deixava para trás momentos de deleite, singulares, que lhe ofertavam a tranquilidade bastante e o prazer costumeiro da proximidade com a natureza.

Chegou à praia seguinte, praia E. A vista era sumptuosa, como, por tantas vezes havia atestado. Parou agraciar, olhava para um e outro lado e só via mar à sua frente. Um mar calmo, doce, absolutamente sedutor.  A cor e o cheiro que tinha, subjugava qualquer outro desejo  ou sentido que pudesse imaginar.

Desceu as escadas de madeira. Já ali tinha estado outras vezes, mas nunca porfiava para além daqueles degraus de madeira.

Hoje, era o dia em que granjeava uma contiguidade maior e a maré rasa franqueava a aventura. Sempre que tinha ensaiado descer a esta praia, coincidia com marés cheias e rebeldes,  com deferência, que se sabiam fazer respeitar. Por isso, nunca tinha conseguido ver para  a sua direita, o que existia para além de um cachopo impune e muito rocado.

Havia roupas espalhadas nas rochas, certamente de surfistas aventureiros, o que, com muito esforço alcançou burilar ao longe. De tão longe, eram tão exíguos.

Escaleou por cima de rochas a cuidado e rumou de novo a Norte. O livro, de quem já se tinha esquecido, mas que tinha resolvido levar hoje a passear, resolveu fazer-se notar e atirar-se para o chão.
- Bolas. Disse e, pensou.
Felizmente, que não resolveu mergulhar em águas fundas; pobres letras e palavras de Gonçalo se tivessem apresentado outras vontades, morreriam afogadas numa praia quase virgem que só é possível romper quando as águas nos permitem. Não queria o destino que aquela história ou histórias que transportava consigo, que todos aqueles personagens inventados pelo escritor, mergulhassem para além-mundo  dos livros, sem que ela o pudesse ler.

Recuperou-o, por entre o musgo verde-escuro que cobria de forma rala aquele rochedo  ainda jovem, carregado de covinhas de encantar,  cheias de água salgada onde existia vida noutras formas. Tinha a certeza.

Prosseguiu na mesma direcção, determinada, depois de ter derrotado e dobrado o rochedo maior atrás de si. Olhou em frente. E, viu uma praia pequenina de areia dourada, que não tinha qualquer pegada humana.

Estarreceu, enternecida...Era a primeira vez, que via  de tão perto aquela praia ...

Pieou a areia e cuidou, que esta teria sido a mesma sensação que teve, o primeiro astronauta quando pisou o solo lunar. Agigantou nos pensamentos, ela sabe, mas não se  importa com isso,... desfrutava integralmente do som do mar que tinha de volta aos seus ouvidos, da visão de uma praia completamente deserta, que era naquele momento só sua.

Que vontades esquivas, tomam conta de nós, de vez em quando. A sua alma estava feliz, era o que importava. Atravessou-a, ainda mais para Norte. Olhava para trás e via ao longe uns pontinhos pretos, que os seus olhos não conseguiam identificar com precisão, o que deviam ser os dois surfistas conquistando ondas dóceis.

Imaginou que pudesse estar na direcção do Velho Forte, porque não conseguia fitar nada senão uma encosta muito alta com ar de Adamastor, como se fosse um gigante que estava ali para não deixar passar o mar.  Dobrou aquela proeminência costeira e encontrou outra praia, mais pequenina ainda, com ar envergonhado, igualmente, de acesso difícil.

Não lhe conhecia o nome, mas era uma praia guardada pelo Velho Forte, que antes da existência deste, não era guardada por ninguém. Este, seria o seu velho e único amigo, que jazia em ruínas a seu lado, para, o que desse e viesse. Estava decidido a tomar conta dela até ao seu fim. Talvez, fossem avô e neta, não cheguei a perguntar a Meg, imaginei apenas.

Por momentos pensei descer e alcançar a praia RD, mas as forças, o cansaço e a sensação de que aquela costa era interminável retiravam-lhe a vontade de continuar. 

A determinada altura, voltou para trás, subindo e descendo pequenos rochedos,  até se abalroar de novo, na praia de areia dourada. Não havia pássaros por aqui, nem gaivotas, nem maçaricos. O Sol estava demasiado quente para Dezembro e obrigava-na a fazer uma pausa para descansar.  Bebera as ultimas gotas de água que restavam no fundo da garrafa que levara consigo. A paisagem e o silêncio eram ópio. Pousou os pertence que tinha em cima do casaco roxo e despiu-se…O mar de um lado, a terra do outro…repousou, e  flutuou...

…voltou à reminiscência quando já se encontrava sentada num banco de pedra, à sombra, longe daquela praia de sonho. Descalçou-se, e foi quando entrou em Jerusalém com a devida atenção e respeito. À sua frente tinha agora uma louca, Mylia, que estava doente, um médico chamado Theodor e Hannah, uma jovem prostituta, que a aguardavam carentes de atenção e cansados. Dedicou-lhes uma hora do seu tempo e retomou o caminho...

Atropelavam-se as imagens, as palavras, as frases, os momentos, os pormenores...



terça-feira, 16 de agosto de 2011

Meg, o tempo não espera por ninguém...(Capítulo Miguel=Liguem)




(amiga, este é para ti, ... sabes porquê; :-))  acrescentei alguma ficção aqui, de pormenores que desconhecia, mas creio que o essencial está...)

 A última vez que Meg ouviu a voz dele, havia muito tempo...

...mas, ela ainda se lembra... daquele último telefonema, quando a intensidade ainda pairava no ar...

Ele tinha ligado para ela duas ou três vezes antes, mas Meg, havia resolvido repousar naquela tarde e sonhar apenas com o que poderia estar para acontecer, com o que lhe reservava o futuro...
 O telemóvel... tinha-o colocado no silêncio, não suspeitando que pudesse haver qualquer razão urgente, para falar com ela. Tinham trocado graças, e conversas sérias durante praticamente toda a manhã, por isso nada o fazia prever. Meg, desconhecia completamente a vida daquele homem. Não podia sequer imaginar, o que se passava com ele, ou o que sentia naquele dia em particular. Parecera-lhe bem, de manhã. Era um dia soalheiro de Inverno.

Quando acordou e viu as várias chamadas perdidas no telemóvel. Saltou da cama, num repente. Vestiu-se à pressa e saiu. Havia já mandado uma mensagem de resposta a dizer:
 - Já te ligo.
Desceu a rua. Confusa, baralhada,  preocupada e com um ténue sentimento de culpa que não sabia perceber qual a origem. Aventurou-se o mais rápido que pode rua abaixo, procurando o lugar mais sossegado ao cimo daquela terra, onde pudesse ouvi-lo e fazer-se ouvir com a tranquilidade necessária e por tempo indeterminado. A passos largos, culpabilizava-se por não ter ouvido o sonido do telemóvel quando ele tinha ligado a primeira vez,  a segunda, e a terceira vez, ao mesmo tempo que desejava ouvir do outro lado, quando ligasse de volta, o que inúmeras vezes desejou ouvir. Qualquer coisa, que a fizesse acreditar que o que havia acontecido pouco tempo antes, de forma efémera, pretendia alguma consistência num novo plano.

Ofegante, escolheu o lugar. Sentou-se no chão, encostada a uma parede resguardada, onde apenas o sol sabia o seu paradeiro, respirou fundo várias vezes até restabelecer a respiração e, pronta a pedir desculpa, por não ter estado disponível no momento em que ele havia ligado para ela, cheia de vontade de ouvir a sua voz, teclou o número.

- Alô?!!!!!!Repetiu o seu nome, soletrando cada vogal e consoante, como gosta de fazer...
- Ligas-te-me?!!!!! Vi três chamadas tuas no meu telemóvel...desculpa, estava a dormir a sesta e tinha-o colocado no silêncio...passa-se alguma coisa?

Do outro lado, alguém, sem a deixar acabar, respondia em tom irónico...- Euuuuuuu? Nãoooo, não te liguei vez nenhuma....!!!!

Meg, ficara inicialmente confusa com a resposta. Julgou que brincava. Insistiu no entanto na mesma pergunta, mantendo um leve sorriso nos lábios visto por ninguém, nem por ele. Ouvia a sua voz finalmente, de novo, estava cheia de saudades e estava feliz.  Não havia muito o hábito, entre os dois, de falarem ao telefone. Do outro lado, insistiam na mesma resposta, sem acrescentar nada mais.
 - Eu?!!!! Não. 
 Respondia ele, agora, de forma peremptória. Fazia-se silêncio. Enquanto isso, Meg, desmoronava aos poucos a cada palavra vinda do lado de lá.  Pareciam-lhe carregadas de abandono, de tristeza, de responsabilização, de despeito, de raiva, de solidão, de ironia e desilusão à mistura. Ele, estava claramente, desiludido e magoado com ela. Era notório.

Culpava-se e entristecia.  Estava desfeita por ter deixado passar o momento, aquele momento, o momento certo, em que sentiu que deveria ter estado presente e não esteve.  A sua consciência maltratava-a ao mesmo tempo que tentava ouvir o discurso difuso. Em simultâneo tentava concentrar-se, para não perder nenhuma palavra, nenhum bocejo, nenhuma respiração vinda do outro lado da linha e pensava de que modo poderia reverter a situação. Mas, era já tarde. 

Resumia agora, tudo no desejo profundo, de dar uma nova ordem às coisas, àquele momento insólito, uma nova ordem às palavras proferidas por um e por outro, uma nova ordem aos sentimentos que atropelavam os dois,  uma nova ordem, que levasse aquela conversa para  um lugar onde a harmonia tomasse conta de um e de outro, deitando palavras fora, horas a fio, para no fim desligarem e deixa-los com uma sensação boa. Tinha uma vontade enorme que o tempo parasse ali, naquele instante, que fosse dotada de capacidades sobre-humanas ou, que, por artes mágicas fosse parar à sua frente, olhos nos olhos, dar-lhe um beijo para o sossegar, abraça-lo, perceber o que se passava, porque razão lhe ligara.

Questionado de novo por ela, com o carinho possível entre os dois, pela diminuta intimidade, acabou a ouvi-lo dizer,  que: - Não lhe queria nada, que já nem sequer recordava porque razão lhe tinha ligado.

O tom de voz,  tinha perdido metade de tudo o que tinha no início para dar  lugar a pura desilusão, ao mesmo tempo,  que lhe dizia também sem o dizer: Não posso contar contigo, não estás presente quando preciso de ti....e, dizia mais, não te conheço de sítio nenhum, brincas comigo e com o que sinto, que pena, começava a confiar em ti... E, voltou a dar mesma resposta, várias vezes. 

Meg, profundamente triste, ouvia isto tudo  e desiludida, mais consigo que com ele, não aguentou aquele diálogo que prontamente, caminhava para um monólogo e atalhou a conversa de forma a não sofrer mais. Interrompeu o seu discurso curto e repetitivo para lhe dizer:
 - Ok  ----- ,  não te recordas!!! Era perceptível a tristeza nas suas palavras, que ele não conseguia ouvir.
- Então, se entretanto te recordares, liga-me ok,  -------?!!!Sentia-se vencida. Entendia aquela batalha como, completamente perdida, e não se perdoava o facto de não ter tido a inteligência emocional suficiente, para alterar o rumo daquela história que nem tinha começado.

Levantou-se cerca de meia hora depois, quando racionalizou tudo e tentou arrumar aquele momento no sítio que lhe pareceu mais adequado, para que não doesse tanto, como faz habitualmente. Aquele chão onde antes se sentara sem notar que era de pedra, notava-o agora, frio. O frio vinha de dentro dela e espalhava-se. O sol desaparecia também e levava-a de volta a casa...

Hoje, continua a perguntar a si própria, o que seria que lhe queria dizer, aquele homem, naquele instante...que não voltou a ligar para ela, nem ela ligou de novo...


terça-feira, 9 de agosto de 2011

O livro dos dias...


 A praia estava deserta, sarapintada apenas por almas vivas aqui e ali...apontamentos de gente...

Olhava em redor e satisfeita pelo silêncio, recordei-te ao fundo, no meio das fragas, onde havias estado outras vezes, noutros tempos, em que o amor te alcançava e te fazia percorrer quilómetros. Naquele tempo, eras um aventureiro errante à procura de companhia. Olhava na direcção do teu lugar e desejava que estivesses por lá, ao sol e ao vento, de corpo salpicado pela maresia, ouvindo o som do vaivém das ondas, que ora te queriam e iam na tua direcção, ora fugiam de ti e se afastavam, a "medo".

Foi assim, que me senti, por fim, quando as primeiras chuvas desapareceram para dar lugar ao Sol incerto deste Verão envergonhado.

O vento acariciava o meu cabelo, ao mesmo tempo que me soprava baixinho, tranquilizando a última dúvida que restava a teu respeito. - Deixa-o ir, deixa-o ir... E, sem justificar, não argumentava nem fundamentava a decisão que me anunciava...concordava apenas, comigo.

Foi o que fiz, deixei...No entanto, continuo a ver-te ao longe,... muito longe, sem qualquer esperança ou desejo de voltar atrás no tempo. Lembro, entristecida, as vezes que vagueaste ao largo de mim...mas, desta vez, não te vou deixar voltar, apesar das pedras e da areia daquela praia esperarem por ti...ainda, hoje.

Vejo, que a maré sempre que enche te procura, naquelas pedras, que a cada noite mudam de sítio. Eu, não.

Joana, adormecia uma vez mais, com o seu livro predilecto nas mãos, não sem antes de fechar os olhos... 

Olhou em volta, tal como a personagem principal da história que acabava de ler, também ela estava na praia, quase deserta, numa outra praia onde reinava o silêncio...mas, em tudo encontrava semelhanças, na descrição do lugar, nos sentimentos, nas conversas regulares que tinha com o vento, na trocas de ideias com as ondas e com as marés...adorava permanecer assim, inerte, tranquila, sossegada, a sentir o calor do Sol aquecer-lhe a alma, que a cada vez notava mais fria...e, a conversar com a natureza...

...por, tudo em geral e nada em particular...


 Por que razão muitos de nós procuram incessantemente o que não precisam, compram o que não querem sem que lhes faça falta, gritam com os mais fracos, têm um semblante pesado, riem e de imediato choram, vivem angustiados e ansiosos?...Porque não identificam com clareza o que lhes faz falta, em vez de nos enganarmos todos os dias?!!!...não entendem, sabem apenas que permanecem descontentes... Há sempre alguma insatisfação lá dentro...e, voltam a procurar, por aqui, por ali, por todos os cantos de si, por todos os cantos dos outros...permanecendo, insatisfeitos. Alguns destes, têm tudo! Quero dizer, têm tudo o que os outros lhe cobiçam, o que faz com que acreditem que encontraram o que procuravam realmente...

Enganados, um dia acordam e verificam que não. Afinal não era aquilo o que procuravam. Outros, só percebem que apesar do esforço e da determinação objectiva que os faz alcançar a cada esforço mais e mais, continuam na esperança de vir a encontrar o que lhes faltava. 

Há ainda, quem desde sempre teve muito, daí que, nem sabe bem o que procura ou se procura alguma coisa de facto. E, aqueles que nunca tiveram nada?!Será que são dotados da mesma capacidade absurda de insatisfação permanente? Talvez sim e talvez não. Talvez sim, porque nada têm, ou talvez não porque o seu tempo, a sua vida, é preenchida exclusivamente adquirir, sem ter tempo para pensar. São muito mais as conquistas que este Homem terá que fazer, do que aquele que nasceu com tudo o que queria...no entanto, também este insatisfeito...

Todos os dias assisto a desabafos, uns mais sentidos que outros, mas todos acabam por ser, queixumes e mágoas de vidas que se vivem por metade, porque lhes falta sempre qualquer coisa...Ou será, esta a condição humana que esta vida nos reserva?

Se assim é....onde reside então o dia D, o equilíbrio fundamental à existência humana sem muletas barbíturicas, sem  paroxetina,  fluoxetina ou sertralina... Qual é a formúla química para homens e mulheres, crianças e animais viverem em harmonia e com amor, de forma serena? ... Onde seja possível desfrutar a vida  e transformá-la apenas num orgasmo permanente..., bom...

...Já não falo para ninguém. Falo para mim, só para mim... Há muito que me deixei de retóricas para os outros...tenho apenas para mim, as minhas convicções a respeito e a propósito...

A solução está no amor, no afecto.
E, nas suas diferentes formas... de se espandir, de se espalhar...

O Homem nasce e cresce  no seio da família ou num núcleo qualquer idêntico... Assim, a dimensão que a sua família lhe Der,  será o seu  ponto de partida...onde, cada um tem o seu, com uma dimensão distinta...Receber, quase todos sabemos fazê-lo, mas, é em dar, que reside a verdadeira dificuldade...Penso: Se não sabemos dar e, como resultado... damos pouco, são poucos os que o recebem...e a insatisfação sobrevive por entre nós, enquanto tiver de que se alimentar.

Somos nós que alimentamos este monstro que cresce a cada dia, ao nosso lado...enquanto 12 milhões de pessoas morrem, literalmente, de fome...e, nós, morremos empanturrados de tudo, menos do que nos faz verdadeiramente falta...


terça-feira, 2 de agosto de 2011

Escombros e gritos a várias vozes...


- NÃO ACEITO A CONDIÇÃO QUE ME IMPÕEM! Gritava aquela mulher baixinho em sofrimento, para dentro dela. - NÃO QUERO. MEREÇO MUITO MAIS E MUITO MELHOR, QUE O QUE ME OFERECEM AGORA! TENHO A CERTEZA!...Voltava a gritar em desespero...E, eu!!!!!!?
- Eu ouvia os seus gritos de sofrimento e de agonia e sofria solidária...sem quase nada poder fazer.

A sua voz dizia outras coisas, quando falava...e, eu ouvia...
Resignada com a decisão tomada por outros, por pessoas que amava e de quem se sentia "escrava" com "prazer" e  por "prazer", condição herdada por gerações no feminino, a que se habituou como profissão,  não queria fazer sofrer ninguém, preocupar ninguém, alterar as rotinas de ninguém e tentava de forma ordeira como toda a vida fez, compreender, convencer-se de que aquilo era o melhor para si e sobretudo o melhor para eles, uma vez que a decisão tinha sido aquela.

Acreditava que... - Jamais aqueles que amo e amei de forma incondicional, por quem sofri, padeci, me humilhei e passei fome... serão capazes de não zelar pelo melhor para mim, agora, que me faltam tão poucos anos para me ir embora e deixar em paz o mundo dos vivos...Apesar de tudo isto, concebia  ainda, mais um sacrifício na vida pelos que ama, fazê-los felizes pela decisão que haviam tomado...absurdamente, e, contra minha vontade...

...mesmo  no fim da vida, ...fazia-o por eles...

- Não lhe restavam forças para contrariar, retorquir ou até se impor...
Como eu a compreendia...Sentira isso com a minha mãe, quando passei a ser mãe dela... e ela deixou... tranquila. 

Não há uma determinada  idade na vida para que isto aconteça. O fenómeno acontece por necessidade dos pais, são eles que o definem e nós os filhos apenas o sentimos,... que dali em diante, passamos a ser pais deles. Acontece a todos nós, os mais novos..., que apesar de já não sermos muito novos pois os mais novos são os nossos filhos, a quem apelidamos de netos... velhos ainda não somos,...E, os mais velhos sentem que foram ultrapassados pela rapidez do mundo à sua volta, enquanto tratavam de nós. Um dia saem a porta, e verificam que tudo mudou, tão de repente, sem que lhes fosse dado tempo para o acompanhar.  

É nesse dia, que os pais se sentem filhos de novo e os filhos se sentem, então, pais realmente...mesmo, depois de terem  filhos.

Acordo e adormeço a ouvi-la... a ouvir o seu choro envergonhado de criança sozinha, que se sente abandonada, à noite, no quarto da Sãozinha que vive ali vai para dezassete anos. A Sãozinha já não sente, ou sente pouco...dezassete anos depois...

- A comida é muito boa, diz para si mesma baixinho...- Elas são carinhosas comigo, diz para si mesma baixinho...- Isto é muito limpinho, diz para si mesma baixinho...e, tenta esboçar um sorriso para si, baixinho para não acordar a Sãozinha...E, diz o mesmo a quem a vai visitar...

- ESTOU INDIGNADA, digo eu agora....quase a rebentar.!..Respiro fundo, reformulando os meus pensamentos e os meus sentimentos a propósito...- ADMIRO ESTA MULHER e GRITOOOOOOOOOOOOOOO.
- Estou-me nas tintas para a Sãozinha...
- Que me oiça, que acorde com os meus gritos de raiva e de insatisfação,....... não me RESIGNO com a nova condição que lhe atribuem.....

Fumo...e assisto à chegada por todas as portas que circundam aquela sala grande,  feia, com um pé direito alto e contígua a outra, onde arrumados em fila em sofás e em cadeiras, se encontravam depositados corpos, alguns estragados pela vida e pelo tempo, de cabeças vazias ou meias vazias pelo torpor de vidas tristes e já sem vida...à chegada para uma das refeições. Alguns roçam de muito perto a loucura, não sei se a trouxeram de fora se a adquiriram aqui, mas não faço perguntas...Não quero ouvir as respostas...Sentam-nos, quase encastrados, colocam-lhes os babete - avental para não sujar a roupa de 2ªfeira...porque, à noite vão para festa e têm que ir bonitos e apresentáveis...ou, porque só têm aquela muda!!!...ou, porque sim e pronto.

...e, enquanto a oiço, porque ainda não a liberei para jantar....olho em volta..., a cena é de um horror cinematográfico, muito próxima de alguns filmes que vi...não há empregados na sala, apenas hóspedes, ninguém tem um ar são e alegre, ....é o nosso destino... dirão os que ainda conseguem proferir palavras...resignados com a vida.

Vidas no feminino e no masculino que já não significam nada....!!!!!, nem para eles nem para ninguém...O silêncio e o meu momento de absurda contemplação é interrompido por uma mulher numa cadeira de rodas que não pára de dizer....Aiiii, Jesussss que me estou a sentir mal, sentada em frente a outra muito mais nova, que olha para ela de frente, mas não a está a ver, porque não  quer ver nada. Curiosamente, tinha-a visto antes na sala contígua da televisão, igualmente feia, a dar um beijo nos lábios a um senhor de mais idade... o que me chamou atenção, ao ponto de me questionar, será este um namoro arranjado aqui?....será, que aqui, ainda há amor em qualquer lado?...onde se manifesta?...


....Via, olhares perdidos por todos os lados, desinteressados de tudo, cabeças desmoronadas em cima de corpos desmoronados ou inertes... Alguém esboçou um sorriso, chamou-me atenção...Era um homem lúcido, um hóspede, alguém ainda agarrado à verdadeira vida que não queria largar,... que loucura seria a dele para ser ali hospedado? ..foi o único que vi a ler naquele final de tarde, os outros ou dormiam ou dormitavam entregues às poltronas ao som de uma televisão que debitava informação em nada importante para aquela gente. Haviam perdido a vida ainda vivos, que lhes interessava as notícias?... Um passeava para trás e para à frente, arrumava cadeiras no lugar certo, punha mesas direitas, de bengala numa mão e arrastando o corpo, aquele peso, que se lhe dessem a escolher o deixaria para trás...toda a tarde vagueou por entre os vivos, mortos, quase mortos diria.  Reparo numa mulher, que não tinha visto até então, devia ter estado toda a tarde a arranjar-se, desceu para o jantar, chegava como se tivesse sido convidada para ir ao restaurante...cabelo apanhado num carrapito tradicional, vestia de forma clássica, camisa beje devidamente abotoada e saia preta comprida, meia de vidro e sapato a condizer. Tinha um ar distinto, aneís nos dedos, vinha de mala na mão. Fiquei espantada. Não proferiu uma palavra. Chegou, sentou-se em frente de outra mulher com quem ia partilhar aquela refeição, ninguém cumprimentou ninguém. Pousou a mala com cuidado, com extremo cuidado, enrolou a pega da mala e abordou o assento da cadeira de forma elegante.

Havia em todos aqueles gestos, deliberados ou encomendados pelas mãos de alguém... uma estranha forma de estar...de sentir...e, de viver o fim da vida...

Começavam a distribuir inofensivos copinhos de plástico pelas mesas, com bolinhas coloridas lá dentro que pareciam divertidos e felizes por irem ser engolidos por bocas santas, que se não o fossem acabariam por ficar passado pouco tempo após a sua ingestão.

Os hóspedes não ficaram nem felizes nem descontentes por vê-los, nem por saber que iam alimentar os paladares de boas recordações, ...como antigamente, noutros tempos, quando viviam nas suas próprias casas em que faziam a comida com gosto e mesmo antes de comer as papilas gostativas davam pulos de contentamento... quando os sentidos ainda estavam vivos dentro deles...não respondiam aos apelos mais instintivos....reinava por ali a apatia..., a indiferença...a vontade nenhuma de agradecer à Vida um dia terem vivido...

...felizmente, ela já quase não vê...
INFELIZMENTE, EU VEJO...TUDO...E, NÃO QUERO...POR ISSO, GRITO DE RAIVA E DE DOR e falo por mim e por eles...