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domingo, 31 de outubro de 2010

Meteorologia de uma frente...



(Esta é uma história de frente a frentes...)

Frentes frias, frentes quentes,

que disputam o ar
que dominam, ou se deixam dominar


Na dianteira,
uma massa de ar quente em movimento,
Frente quente
frente ardente
frente urgente


sobre a cauda,
um ar frio, relativamente denso, imenso
que se deixa dominar pelo ar quente, mente
De onde nasce uma larga faixa de nuvens
Sem penugens

Antes, cirrus, cirrostratus, altoestratus,
...chuva fraca, persistente
estratus, nimboestratus
...Frente quente


Nevoeiro esparso
Frente quente

que se desloca lentamente
e se deixa agarrar pelo ar frio
ser sombrio
ser de aço

Frente fria
Frente oclusa
sem magia
obtusa

sem movimento,
por momento

Frente estacionária,
embrionária

Frente quente
transparente,
zona de transição
sem senão,

onde uma massa de ar quente e húmido
substitui uma massa de ar frio
sem prurido
sem pio

Precipitação,
sim e não

ar quente menos denso,
penso

transformado em massa sobe inteiro,
como guerreiro

por cima da massa de ar frio,
vigio

Precipitação
sim ou não

Passou.

Cumulus de bom tempo,
contratempo

Eleva-se a temperatura
antes da sua chegada,
velada

Cirrus
Cirrocomullus
Cumulonimbus
TROVOADA

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Bird Girl...Quetzal


 
É com vontade que GRRRIIITTOOOO,
que decido,
que quero voar

Tornar-me dona de mim por inteiro
sem amarras,
que me fixem,
que, de invisíveis me amarram,
me estancam e me despedaçam aos bocados...


Estou de saída de um mar denso, frio
calado, ...parado, sempre no mesmo sítio,
...não se move...não tem correntes...
nem frias nem quentes

que cristalizado, me afogou de todos os lados,
sem remorsos nem culpa...

Saio pelo meu pé,
viva,
deste Mar, em que mergulhei quando criança sonhadora
e onde permaneci sem respirar

De pulmões cheios de água
sem réstia de ar
Saio,
roxa,
estonteada, cambaleante...


Foi debaixo de água,
no silêncio
que me cresceram as asas,
sem que ninguém percebesse, que elas só servem para voar

...achavam, que enquanto molhadas, de molhadas não passavam...

Surpreendi-os...

Um dia os raios de Sol atravessaram o mar
e elas secaram,
ganharam vida e esplendor

Eram grandes, brancas,
e leves...

Emergi na direcção do Céu
num esvoaçar sóbrio e sereno,
planei...

Planando, dei a volta ao mundo,
adquiri uma outra perspectiva,
vendo tudo de cima

as coisas deixaram de ter a dimensão que lhes dava,
tudo era muito mais pequeno...

...grandes,  grandes, eram apenas, o céu e a terra
esses sim,
a perder de vista...

Good bye..... Bird Girl, Quetzal...


*Quetzal, ave trepadora da América Central, que morre quando privada de liberdade.

domingo, 17 de outubro de 2010



(depois, de terminar de ler "Livro", do José Luís Peixoto)

Do lado de lá, a casa estava vazia... Ao longe, apenas se ouvia um rádio velho a tocar uma música nova e vozes que mal se ouvem, mal se interpretam porque sumidas se esgueiram por caminhos de multidão sem rumo, vindas da televisão acesa para ninguém ver ....e, já noite, acabou deitado,... depois de cumprir um ritual com insistência...Em vez de serenar através das palavras que lia e do amor transmitido por elas, rompia numa raiva cega, desmedida, desencorajada apenas pelo sono e pelo cansaço de mais um dia...

...Ilídio, pai do Livro...a poucas folhas do fim, deixava para trás Adelaide...

Livro,  educado pela mãe de Lenine, recordava com dor a ausência de um Ilídio, pai, apaixonado e nunca presente, que por partidas do destino e do que ficou por dizer, e que foi tanto, nunca soubera senão com os olhos expressar o quanto a amava e o quanto queria partilhar com aquela mulher,...tudo...

"Essa, foi a primeira vez que os vi juntos. Nessa manhã, a minha mãe tinha quase setenta anos."...a história tinha tido início quando a mãe de Ilídio lhe colocara um livro nas mãos e o deixava à deriva, sentado no cruzeiro à espera da Vida. Cresceu sozinho no silêncio e acarinhado ao longe, à distância. 

Adelaide acompanhou o destino, relatado pelo Livro, escritor, pág. 234....gosto...de...ti. Pág.235, ...não..me...conhece...

A duas páginas do fim, batem à porta do quarto a cada batida no teclado..."É a minha mãe. O Ilídio está ao seu lado. Estão calados a olhar para mim. Não sei ao que vêem......Eu sou um menino sem voz, podem fazer de mim o que quiserem...: - Já sabes o que tenho para te dizer. A minha mãe agarra a mão de Ilídio com toda a força, passa os dedos por dentro dos dele. As suas mãos formam um polvo receoso....Adelaide abraça o filho e Ilídio dá-lhe um aperto de mão ", a distância mantida entre pai e filho deixa-o descontraído.... se de outra forma fosse, não saberia como comportar-se apesar da idade....há coisas que só de pequenino se aprendem, se treinam, para podermos em mais velhos usufruir dessa aprendizagem.

Cosme, permanecia atento, queria guardar nas memórias o relato de tudo, queria testemunhar a  reacção de Ilídio. Livro continuava a escrever...


Obrigado Luís, ...agradeço-te por me teres trazido até à última página e por seguir contigo até à última palavra...


segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Estranhos hábitos...


Atendi como é habitual, dizendo: 
- Estou, estouuuu.....Alôooo...

...do outro lado o silêncio era absoluto, ninguém respondia., e eu continuava,... alôoooo, ssiiimmmm...
espaçados, ouviam-se sons estranhos de uma orelha a roçar o auscultador, seguido do som de um carro que passava, testemunhando o alguém do outro lado da linha, que não se queria identificar...segundos depois, desligavamos...
...umas vezes eu, outras vezes a pessoa do outro lado.
No início, 5 a 6 vezes por dia, 2 a 3 vezes de cada vez...


de tal forma que lhe decorei os horários...ficava à espera, olhando incessantemente para o telemóvel...esperançosa. 
A sequência acontecia  compassada no dia,... 8.20/30h da manhã tocava a primeira vez, depois por volta do 12.40h, 14.30h, às vezes 16.00h, às 19.00h e por fim às 22.40/50h....muito raramente por volta da meia-noite. 

Os horários, desvendavam algumas das rotinas de quem não se queria anunciar...
Acordava cedo e pretendia acordar-me também. De seguida trabalhava o resto da manhã sem tempo para estranhos hábitos...Chegada a hora do almoço, lembrava-me que eram horas de almoçar....
De tarde, eu imaginava que deveria ter horários menos rígidos ou menos disciplinados, se bem, que foram vários os dias em que ligava apenas às 14.30h para dar início ao período da tarde e depois apenas por volta das 18.30h....constatava...Outras vezes, recebia uma chamada por volta das 16.10h  e  voltava a tocar apenas no dia seguinte.
Deixei de atender durante uns tempos.
Este era o ritual que o meu telemóvel tinha de há três semanas para cá. Atendi pontualmente...Na verdade, não tinha o hábito de atender chamadas anónimas, mas alguma coisa me dizia que estas, devia atender,!!!!!....era, como se tivesse deixado, que os sentidos conduzissem a minha vida ou a  minha existência....e deixei mesmo!!!!!...

No início julguei ser alguém que me conhecesse e que me queria falar...Mas, na verdade, quando atendia....verificava, que afinal não tinha coragem ou, não sabia o que dizer...Depois, achei que era alguém que queria apenas ouvir a minha voz, mas não queria ser ouvida....apesar de não fazer sentido, porque a minha voz não tem um timbre especialmente bonito... 
E o que haveria eu de ter, para dizer a alguém que só ouvia do outro lado e não falava...!!!??!!!!
Ainda assim, coloquei a hipótese de desenrolar um monólogo de voz doce...mas desisti. 
Cheguei a pensar mais tarde, que pretendia apenas aborrecer-me,.... ou, porque, eu própria a tivesse aborrecido, ou por outra razão qualquer que não consigo considerar...Mas, também esta hipótese caia por terra, porque as pessoas que conheço e me conhecem sabem que resolvo tudo com uma boa conversa...sem esconderijos...

Concluí então, que isto só poderia estar acontecer vindo de alguém que não me conhece de facto... É difícil pensar pelas cabeças dos outros e considerar todo um universo de possibilidades, que certamente me transcendem em raciocínio...e, mais complexo ainda, é tentar adivinhar o que as motiva a fazer telefonemas a alguém, sem nunca dizer nada...

Os dias passavam marcados essencialmente pelas chamadas de ninguém,  que me queria fazer notar que existia, tanto assim, que me ligava...e eu registava, cada chamada na minha memória e na memória do meu telemóvel para a posteridade. 

Alguns dias depois, comecei a notar algumas ausências em determinados horários, as chamadas começavam a escassear, ...os primeiros quinze dias tinham apresentado este ritual...Fazia  a cronologia dos acontecimentos telefónicos e notava com uma tristeza estranha de explicar, que eram cada vez menos...Sentia-lhes a falta... 

Continuava a receber, mas agora, já sem regra nenhuma....
De manhã, não me acordavam pelo que adormecia, ...não almoçava, porque ninguém me lembrava a hora do almoço, ....não lanchava e havia dias que ninguém sequer, me dizia Boa Noite, trrrinntando...Havia dias, que só me acordava.....havia outros, que me lembrava que era hora de dormir e no dia seguinte me dizia, que era hora de almoçar....
Mas, não havia dia que não tocasse...Perdi as rotinas, baralhei os hábitos, comecei a ficar confusa e sobre tudo entristeci...

Percebia, que aos poucos, a pessoa perdia a vontade inicial que tanto a determinara semanas antes, a ligar para mim ...ou para ouvir a minha voz, ou até admito a possibilidade de me querer aborrecer...mas a verdade, é que escasseavam a cada dia os telefonemas e o nº de toques...  

Sofia, sofria com este acontecimento. Vivia sozinha, havia muitos anos e nunca fora uma mulher de muitas amizades nem no trabalho nem na vida, não tinha família nem namorado, nem sequer um animal de estimação...Vivia acompanhada apenas da solidão e de personagens e personagens que se amontoavam em prateleiras espalhadas por toda a casa. Nenhuma delas saia da sua história ou tinha o hábito de lhe perguntar porque estava triste, quando estava triste, ou porque estava alegre quando estava alegre ...se precisava de ajuda,... ou se queria desabafar alguma preocupação.

Sofia, habituara-se a viver só, sem partilhar nada.
Lá no fundo, sentia vontade de o fazer, de ser igual aos demais nas virtudes e nos defeitos, mas não tinha com quem...um amigo, uma amiga, um namorado...

Quando surgiram os telefonemas anónimos, alimentou a alma e a esperança...de ter alguém por companhia, mesmo que fosse apenas para falar ao telemóvel...

Perdera-se dos anos e os anos haviam se perdido dela. Quando se autorizava a sonhar, acreditava que um dia, alguém viria na sua direcção, uma outra metade de si...confiava cegamente no destino e no seu futuro, apesar deste se lhe apresentar cada vez mais curto.
O que poderia parecer aos olhos de todos estranhos hábitos, eram para ela uma forma de companhia e uma possibilidade de realizar sonhos...
Mas na verdade, a sequência dos acontecimentos indiciava que um dia os telefonemas anónimos iam terminar para tristeza sua...

Um dia, fui surpreendida e ouvi uma voz masculina, dizendo: 
- Eu amo você... Eu amo você...para se calar de seguida.... aquele timbre, não lhe era completamente desconhecido...
Não consegui dizer nada, faltou-me a voz...


sábado, 9 de outubro de 2010

O céu desaba...e as nuvens aplaudem

O céu desaba...chove muito...chove bastante...

o céu está carregado, as nuvens são densas ...
De tal modo, que olhando para elas percebo que vão precisar de muito tempo para ficar aliviadas, mais leves, mais sorridentes...

Faz algum tempo que as sentia pesadas,
cheias,
a transbordar...
Mas não haviam meio de rebentar.
Passeavam por cima da minha cabeça,
de lá para cá e de cá para lá, impacientavam-se...
sem saber que destino tomar,
confusas, confundidas engoliam um pouco mais
e tornavam-se ainda mais cinzentas,

como se não bastasse, o meu amigo vento apareceu
vinha forte, cheio de força
soprava igualmente zangado
por cima de mim...
Uivava alto, sem misericórdia
empurrava as nuvens umas contra as outras
como se as quisesse espremer
até que gritassem,
gritassem alto,

,,,mas fui eu que acabei por gritar

PAREM, PAREM QUE ME ESTÃO  A MAGOAR!
Dizia eu, cá de baixo quase esmagada por elas.

Sem dó, sem piedade ou qualquer tipo de compaixão
nenhum me ouviu...

Percebi em poucos instantes, que precisavam desabar em cima de qualquer cabeça,
não interessava qual...e, porque não na minha!
Teimava e revolvia as minhas ideias em turbilhão e perguntava-me, porque me tinham escolhido?
Não entendia...
com tantas cabeças por aí, e algumas delas, responsáveis certamente, por toda a agonia sentida pelas nuvens e a raiva espelhada no rosto do vento, porque seria a mim que pretendiam esmagar????!!!!

Enquanto me questionava...
em poucos minutos, o vento e as nuvens comprimiam-me contra o chão,
a chuva forte, que não deixava ver nada através de si,
apagava o rasto e tornava-se cúmplice...
Começou a trovejar... ninguém me ouvia gritar

e depois de esmagada, sucumbi...

as Nuvens e o Vento, ficaram aliviados...finalmente.
As Nuvens tinham agora outra cor, mais brancas e mais leves,
o Vento tinha ido embora à sua vida...
Continuara magoado e desconfiado...abrandando a ira momentânea...
As nuvens confundidas e aliviadas, sem rumo, partilhavam o céu, à deriva...

E eu...eu, abracei a vida de novo, num outro estado...entristecida, porque eles quase, que eram meus amigos...

sábado, 2 de outubro de 2010

Quando nascer de novo...


Quando nascer de novo...
não vou voltar a ser mulher, 
nem homem,
nem pássaro, nem golfinho,
nem Sol, nem mastro,
nem realidade, nem vertigem,
nem dor, nem pesar,
nem mágoa, nem pranto,
nem sombra, nem lágrima,
nem pó, nem grão,
nem Mar, nem chão
nem fado, nem canção

acabei de decidir,
vou ser um livro...

(vou nascer no meio dos livros...)

...No fim do tempo, numa boa hora, as águas vão rebentar e vou brotar de algum ventre materno... vou nascer de novo, mas desta vez numa biblioteca, no meio dos livros...e tornar-me-ei um deles...

vou ter capa, sem que ninguém me acuse
vou ter folhas como as árvores, sem secar
vou ter letras impressas no corpo, sem que ninguém me olhe de lado
vou sobre uns e com outros, sem ser classificada
vou andar de mão em mão, sem ser acusada
vou estar nas montras à venda, sem que seja olhada com luxuria

vou ser de papel...

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...o ambiente é de delírio, a emoção prolifera por entre os presentes...vai nascer um livro novo.... é sempre este o ambiente quando está para nascer um livro novo.... em suspense encontram-se inúmeros autores e personagens sonhadas, que assistem aos nascimentos de quem um dia se metamorfoseou... 

...clássicos e contemporâneos aguardam ansiosamente o nascimento... Stendhal, Victor Hugo, Miguel de Cervantes, Garbriel Garcia Marquez, Herman Hesse, Dostoiévski, Emile Zola, Emile Bronte, Dante Alighieri, Machado de Assis, José de Alencar, Bocage, Fernando Pessoa e heterónimos, Shakespeare, Homero, Joyce, Kafka, Mário Quintana, Jorge Luis Borges, Melville, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Netzsche, Antoine de Saint-Exupery, Paulo Coelho, Vinicius de Moraes, Clarice Lispector, Orwell, Virginia Woolf, Daniel Defoe, Chuck Palahniuk, Sófocles Jung, Alexandre Dumas, Pablo Neruda, Tolkien, Agustina Bessa Luís, Alberto Braga, Stieg Larsson, Augusto Cury, Bento da Cruz...
viverei numa biblioteca e serei um livro, ...multiplicar-me-ei em histórias de sonho...de guerras...de vidas...de amores...e desamores...de aventuras...

...deixarei de ser quem sou para interiorizar cada  história, cada personagem ...vou viajar pelo mundo em páginas e páginas de letra impressa, vou viajar no tempo de páginas amarelecidas pelo pó,... vou sentir a curiosidade e a expectativa inicial de um livro que se começa a ler...vou sentir, ao canto de cada página, a saliva de dedos que me tocam para me desfolhar na curiosidade de ver como acabo, vão-me devorar...
...e vou correr o risco de ser posto de lado antes de terminar, porque não consegui a empatia de quem me acolhe. As folhas e folhas que vou ter, vão ficar embriagadas de tantas letras e vão formar palavras e emocionadas construir frases no empenho de uma história alucinante ...

esquecer-me-ei de mim enquanto Ser...vou ficar calada para sempre, para que me oiçam com atenção... vou ter sempre dentro de mim a enfeitar-me, marcadores coloridos, de papel, de plástico, de metal, de prata, com pedras coloridas ou preciosas...
...esquecer-me-ei de mim e deixarei de falar, de me vestir, de comer, de beber, tarefas cansativas de rotinas urbanas sem precedentes...

e entre livros, grandes e pequenos, fantásticos e didácticos, a cheirar a novo ou antigos, ...deitar-me-ei ao seu lado numa estante ou numa qualquer mesa de cabeceira que me acolherá depois de umas mãos...e feliz, vou aguardar que me voltem a pegar, tantas vezes, quantas o entendam necessário até satisfazer por inteiro a curiosidade ou o momento de alguém...

...transformar-me-ei em múltiplas personagens imaginadas por cada um dos escritores que me escrevem... vou ver rir, vou ver sofrer, chorar, amar, amar sem pensar, naufragar, viajar, prometer, desafiar, não cumprir, imaginar, desmentir, seduzir, permanecer, desencontrar, subestimar, enlouquecer, caracterizar, repetir, sacrificar, analisar, cristalizar, surpreender, acautelar, proporcionar, ...no fundo, quero dizer viver...e amar, amar, amar...

...e assim, serei eterna na minha forma de estar...