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domingo, 31 de janeiro de 2010

Trilogia seguida - Eu nunca gostei do Vermelho!




Aconteceu há alguns anos atrás, quando Alice comprou uma casa nova. E apenas numa parede da sala consentiu que o vermelho se instalasse.

- Até aí, jamais nos meus haveres, dei oportunidade ao vermelho para se juntar às outras cores e colorir, combinar ou enfeitar o quer que fosse que fizesse parte de mim…

....Nas diferentes culturas e na psicologia das cores, o Vermelho sempre foi sinónimo de paixão, força, energia, amor e alegria (China), mas também de liderança, masculinidade, perigo, fogo, raiva e revolução.

Alice sabia, que qualquer cor descendia da existência de luz e que sem ela, tudo seria eternamente negro. Tinha consciência em presença desta Cor, que a temperatura transmitida dependia da iluminação, natural ou artificial, que recebia.

- Quis quebrar todo aquele branco hospitalar e o reflexo causado pelo Sol, quando entrava casa adentro, ofuscava-me e deixava-me cega. O espaço, já de si grande, em branco era maior…

Ela, não sabia descodificar a pormenor o enigma sobre o branco, mas sabia que resultava visualmente para a espécie humana da sobreposição de todas as cores. Sabia também, que no espectro visível, todas as cores estão compreendidas entre o azul o violeta e o vermelho.

Lembrava-se, que algumas vezes olhando para o céu, na presença de luz, emergia o arco-íris… tinha a noção do espaço ocupado por cada cor e do nascimento de outra quando duas se fundiam… sabia, …que as cores expressam sentimentos e sensações e que criam e transformam atmosferas.

- Assim, depois de ser minha, mudei-lhe a cor. Mandei pinta-la, toda de bege e findo o pequeno corredor, aparece a sala com uma enorme parede do lado esquerdo, que escolhi pintar de vermelho. O vermelho que escolhi, não foi um vermelho qualquer. Chama-se, Vermelho Imperial.

- A preocupação principal era tornar a minha casa mais quente e consegui. A minha casa era agora muito mais acolhedora.

… Alice, acolhida por aquelas cores Verões e Invernos seguidos, sentava-se no sofá de pele castanho e através da vidraça da varanda, via um mar azul enorme, contrastante… e perdia-se em pensamentos.

Até aqui, nunca tinha permitido que o vermelho fizesse sequer parte do seu imaginário e por isso nunca lhe tinha dado qualquer oportunidade. Não tinha qualquer fascínio por carros, malas, sapatos ou peças de roupa daquela cor... como a moda exibiu algumas vezes. A sua mãe adorava esta cor...

Durante todos estes anos, Alice aprendeu a conviver com ele. Consignado àquela parede, deixava-o apenas misturar-se em pequenos apontamentos, ao castanho de preferência escuro e ao bege dominante, que contrapunha sempre que ele queria protagonizar qualquer história, qualquer combinação ou qualquer harmonia no espaço.

- Quando o Sol e o calor aparecem, dou-lhe outras oportunidades, é verdade. Visto-o algumas vezes, metamorfoseado em peça de roupa, preferencialmente em vestido… mas sozinho... sem ter a companhia de qualquer outra cor... apenas combinado com a cor da pele.

- Não sei se ele gosta de andar sozinho… mas isso basta-lhe... a ele! … e a mim!

Alice tem por hábito dizer, ainda hoje, apesar de cada vez menos, que jamais será, alguma vez… the woman in red.

Assinado
Alice Blue


quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Trilogia seguida - Laura, em telhado de zinco quente...






 Laura, hoje estava pensativa… Enquanto perdia as horas do dia, recordava o último filme que vira, enroscada nele. Não pretendia fazer nenhuma analogia com a protagonista do filme, até porque para além de "ronronar" muito melhor que ela, não era loira, mas parda.

De pelo brilhante passeava elegantemente por cima de tudo, pelos sofás, no tapete branco felpudo, já para não falar no colo do seu dono.

Aquele homem sem nome, sempre que chegava a casa, a primeira coisa que fazia ao meter a chave à porta era chamar por ela.

- Lauuuuuurrrrrrraaaaaa – melodicamente, entoava o seu nome.

Ela aparecia imediatamente e de forma carinhosa, como era seu hábito, entrelaçava-se nos seus tornozelos num ballet digno de ser visto por uma plateia de aplausos e ficava à espera de ser retribuída pelo calor da sua mão. Aliás, perspicaz como era... momentos antes de lhe sentir o cheiro ao fundo das escadas do prédio, vinha para o hall de entrada e ficava muito atenta a ouvir-lhe os passos, um a um, no último patamar do elevador. Há vários anos que o recebia sempre da mesma maneira e com o mesmo entusiasmo.

Laura não gostava do seu nome, mas fora ele que lho dera no primeiro encontro…
Assim que lhe pegou, numa loja de animais...olhou para ela e disse, entusiasmado com a possibilidade de ter uma companhia no futuro próximo:  -Vou chamar-te, Laura.

Às vezes, ela fazia questão de lhe recordar que preferia outro nome qualquer, e obrigava-o a repetir em vão, sem responder às chamadas. Laura, sabia que apesar de ser ali que existia tudo o que sempre sonhou, naqueles 200m2 de conforto, boa comida e muito carinho... também gostava, de vez em quando fingir ser um pássaro e de vez em quando voar.

O seu dono sem rosto, encontrou-a várias vezes naquela janela das águas furtadas e via-a sair rumo ao telhado de zinco, onde adorava preguiçar nos dias soalheiros em que o Sol fazia o resto... aquecia o telhado. Ora de barriga para cima, ora de barriga para baixo, aproveitava para admirar a paisagem e tudo à sua volta... os carros, as pessoas, … ou então, o rio, o céu, as nuvens e os pássaros.

Um dia apaixonou-se.

Primeiro foi pelo rio, onde se imaginou a navegar, a nadar, a mergulhar e a contar peixes a dois. Depois apaixonou-se pelo céu que era da cor dos seus olhos, azuis. Mais tarde por uma nuvem, mas concluiu que tinham objectivos de vida diferentes. E, por fim, por um pássaro, que um dia lhe caiu à frente do nariz e que a fez acordar no meio de um sonho.

O sonho estava a ser maravilhoso. Eis senão quando, jaz um pássaro sem bando, caído à sua frente e lhe pediu ajuda, estava ferido. Laura, tinha um coração enorme e um estômago habituado pelo seu dono sem nome, a comer comida de lata.

O que toda a gente esperava, era que ela fizesse jus à sua espécie e se atirasse de cabeça para o comer, mas Laura aprendeu a resistir aos instintos mais primários e não salivava pelos seus antepassados.

A fragilidade em que O encontrou naquele momento, fez com que revelasse a sua complacência e compaixão e mais tarde, os sentimentos mais nobres que uma gata pode sentir por um pássaro. Foram dias perdidos de histórias que ele lhe contava do mundo dos pássaros e histórias que ela lhe contava do mundo dos gatos… no telhado de zinco… sempre quente, pelo Sol.

Dias e noites, após...

Laura, abandonou praticamente o seu dono sem nome. Faltava já muitas vezes à primeira chamada, quando a porta de casa se abria, ao fim da tarde. Não lhe fazia mais falta os seus tornozelos ou o calor da sua mão.

E, um dia, pela última vez respondeu à primeira chamada; - Lauuuuuuuurrrrrrrraaaaaaaa. Dançou, despediu-se daquela mão quente que tantas vezes a afagou, subiu ao telhado e voou com ele.

Hoje, não se chama mais Laura, mas apenas Gata.


segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Viver por metade...!

A maioria de nós … vive por metade…!

A maioria de nós vive tudo por metade e pouco por inteiro!

A maioria de nós, o que não vive por inteiro metamorfoseia em sonho, outros em frustração, outros ainda projectam nos seus filhos o que não conseguiram viver durante a sua conveniente existência. A maioria de nós sonha para os seus descendentes, as conquistas não alcançadas, demandando dar continuidade em duas, três ou mais vidas o legado de quereres que não são deles. Se persistirmos, também eles vão viver por metade a sua Vida.

A maioria de nós…não tira provento dos ensinamento de todos os dias, nem os apreende por inteiro... Obstinadamente, a Vida obriga-nos a viver, repetindo à nossa frente vezes sem conta as mesmas situações noutros tempos, com contextos análogos, com outras personagens, mas com o mesmo “guião”, na esperança de assimilarmos por inteiro alguma coisa;

A maioria de nós sonha por inteiro e vive por metade;
A maioria de nós vive! … Nascendo por inteiro, crescendo por metade e morrendo por inteiro.
Não temos tempo! A correria incessante em que vivemos hoje, não nos deixa espaço, para ouvir, ver e sentir o que quer que seja, do princípio ao fim. Ouvimos, a partir de meio; vimos o início, o meio e o fim e dispersa-mo-nos por entre estes momentos; e por fim… sentimos qualquer coisa.

Não estamos habituados a concentrar-mo-nos; não nos ensinam a treinar essa prática, quando pequenos;
Não queremos perder todas as oportunidades, nem aquelas que não o são;
Não queremos ficar para trás, e perder a corrida que não existe;
Não queremos ficar extemporâneos, mas ficamos;
Não queremos ficar fora de moda, ficando;
….
Só queremos correr, correr desesperadamente, viver muito, em pouco tempo para uns e em muito tempo, para outros. Sem compreender nada, tendo apenas uma pequena ideia de totalidade… é mais que suficiente. Mesmo que daqui resultem equívocos, vidas perdidas, sonhos dilacerados, amores desfeitos, enganos sem solução, acusações imerecidas, gente ferida … perdões por reclamar, escusas por verbalizar, sigilos por patentear … nada disso importa.

Um dia, já perto do fim olhamos para trás e verificamos que apesar de tanta correria, não vivemos nada completamente… e pior não temos tempo para repetir.

Uma minoria de nós vive por inteiro.  A maioria de nós … vive por metade…!