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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Exclusividade ou protagonismo...



...a discussão terminara, ...Maria saia magoada e António ficava entre aquelas 4 paredes do hotel de subúrbio com meia-dúzia de quartos pintados de verde água, em que uma barra cor de rosa aumentava o ridículo da decoração. Por todo o lado, havia folhos e florinhas miúdinhas, perfiladas lado a lado que atavam aquelas paredes umas ás outras sem culpa aparente. Paredes, que inúmeras vezes testemunharam os encontros dos dois.

Fechou a porta atrás de si, amargurada com o desfecho daquele encontro. Não era assim que o tinha imaginado...Sempre que combinavam encontrar-se, ela pensava, minunciosamente em cada detalhe. 

A escolha daquele hotel, nada tinha a ver com o sentido estético dos dois, mas tinha sido a opção possível e que haviam tomado em conjunto, após dois anos de encontros fortuitos no carro, no campo, longe dos olhares alheios, que teimavam em pousar sobre eles onde quer que entrassem, pela felicidade que irradiavam.

Eram bonitos. Talvez por isso, brilhavam por onde passavam. Maria, tinha uns lindos cabelos castanhos compridos, uns olhos quase verdes e doces, amendoados e um corpo torneado de curvas. António, era igualmente moreno, ligeiramente mais alto, de cabelo liso e um sorriso de fazer inveja.

No início, em que uma paixão arrebatadora ainda lhes tirava o sono e o discernimento, não havia tempo a perder, todo era pouco. Previam então, que se iriam encontrar muitas vezes, pelos menos nos anos seguintes e isso obrigava-os a procurar um espaço, adequado à paixão que sentiam um pelo outro e que até aqui, tinha sido circunscrita ao automóvel dele.      

Foram muitos os momentos, em que esqueciam as suas oficiais vidas e se entregavam para se perderem. Maria amava António e António amava Maria, sem dúvida.

Gostava demais daquele homem, para alguma vez pensar, que ele um dia lhe ia sugerir a exclusividade. Por várias vezes tinham abordado o assunto, sem nunca ouvir da sua boca qualquer opinião séria a esse respeito. Brincava sempre com a situação e deliberadamente desviava as atenções para as graças ou piadas que tinha facilidade em fazer pelo o bom o humor que o caracterizava. António, era um homem gracioso e sedutor, enquanto não se sentia obrigado a expor as suas verdadeiras opiniões a respeito do que quer que fosse. No entanto, quando assim era necessário, o seu rosto transformava-se, tornava-se rude de feições perdia a graça e a sedução, para se tornar frio e racional. Poucas vezes ao longo dos anos, Maria o viu com aquele semblante que não lhe deixava saudades.

Era a primeira vez que discutiam...desde, o início de tudo.

...

Acabara de se sentar ao volante do seu carro e recordava agora, andando para trás no tempo e viajando pelas memórias de bons momentos entre os dois, que a complexidade da sua vida e as opções que tomou no passado, eram manifestamente incompatíveis com os desejos de ambos,...mesmo sem futuro.

Maria, não permitia a homem nenhum que lhe pedisse a exclusividade, porque ela tinha  escolhido para si, que a sua vida seria pautada por protagonismo.


domingo, 26 de setembro de 2010

Lisboa abandonada ao silêncio...




Lisboa estava agora abandonada ao Silêncio... 

O Agosto, levara consigo todos os transeuntes...os homens, as mulheres e as crianças, as companhias com quem partilhara sonhos comuns daquele ano...os amigos, os amantes, os apaixonados, os poetas, os pintores e os músicos, os escritores e os seus leitores, entre tantos...cansados que se sentiam de um ano intenso de rotinas e cheiros agri-doces, sentidos por Lisboa. Cheiros estes, agora mais intensos do que antes, pela audácia das gentes que a habitavam e viviam nela durante a maior parte do seu tempo, onde não se podem esconder, nem esconder nada...

Tinham ido todos embora...

A saída sazonal, marcava o momento e Lisboa sentia-lhes a falta. A falta de todos aqueles que lhe percorriam o corpo e a alma, calcorreando os becos, as vielas, as ruas, as avenidas, as colinas de forma silenciosa ou de forma estridente e às vezes até desconcertante...que faziam Lisboa corar, havendo uns que lhe deixavam mais saudades que outros.

Olhava em volta e sentia-se sozinha...Na solidão daqueles dias, restava-lhe à noite a Lua por companhia, o Tejo e o silêncio. Uma vez por outra, juntava-se a nós um sem abrigo que não tinha tido nenhum convite para ir a banhos de mar e sol, numa qualquer estância de praia do nosso país ou  no estrangeiro. Passávamos horas, deliciados a ler.

Outras vezes, aproveitávamos para colocar a conversa em dia e admirar o Silêncio. O Silêncio era de todos o mais recatado, o mais calado, nunca proferia palavra, limitava-se a observar.....e, a Lisboa, bastava sentir-lhe o olhar e mergulhava no seu enternecedor corpo envolvente e deixava-se cair por entre os braços e dedos do Tejo, em silêncio... Que bons, que eram estes momentos de paz...

Lisboa descansava...e a Lua, o Tejo e o sem abrigo em paz, ao som do Silêncio, aproveitavam para fazer o mesmo.

Fomos acordados pelo barulho das gentes da minha terra de volta às rotinas. Desfeitas as malas e barrigas cheias de sonhos realizados pela metade,... atropelavam-se com saudades de casa... e Lisboa alegrava-se ao vê-los chegar...

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Across the Universe...



- Há vícios estranhos...estranhos de bons, bons de estranhos, bons e estranhos, estranhos, bons...

...e, Pedro não se intimidava, por isso. Sempre que desejava contemplar os pássaros azuis que se perdiam por se encontrarem tão longe...assim o fazia, sem preconceito.

Pedro tinha este vício havia pouco tempo, talvez por isso, o estranhasse... aquele vício vindo não sei de onde, que lhe aconchegava o corpo. Umas vezes, pela manhã, outras vezes à tarde ou até mesmo à noite procurava-os no céu, azuis como gostavam de ser...

Junto com eles em bando, surgia por entre as nuvens uma menina que trazia consigo um balão vermelho...e que os guiava até Pedro, porque tinham perdido o Norte.

Outras vezes encontrava-os no mar, onde o céu estava reflectido. 

Sabia, no entanto, que nem sempre os encontrava aumentando-lhe o desejo e a saudade  que tomava conta dele. Estranhava-lhe as ausências,  mas não tinha outro remédio senão esperar que aparecessem para lhe fazer brilhar o olhar.....compreendia-os, porque eram pássaros selvagens e livres, como o próprio Pedro.


Sempre lhe tinham ensinado que aqueles olhos azuis raiados, não podiam contemplar o que quer que fosse... não fosse o céu, o mar ou os pássaros leva-lo com eles no seu azul, mas Pedro "sofria" desde pequenino de uma curiosidade enorme que aproveitava para desafiar o Mundo. Foi por culpa dela que encontrou todo este saber de homem feito, que aprendera o nome de todos os mares e estrelas muito antes do tempo, que desafiara muitas vezes a vida sem lhe pedir nada em troca a não ser o Conhecimento. E, numa ocasião desafiou o destino...

Há vícios que valem a pena, pensava para si... e este é um prazer doce, que o faz viver a cada vez e lhe dá vida...

Até hoje, não se arrepende...aprendeu a ver azul, pássaros, balões e tira prazer do seu maior vício... across the Universe.


sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Corpos, de ventres planos...




 "Encandeiam-me os corpos de ventres planos..."

...neles apetece sonhar e mergulhar sem remorsos,... sentir-lhes a pele macia..
...mergulhar nos seus umbigos redondos e convidativos, para dançar uma valsa estonteante...


...como cachorros acabados de nascer, sem força nas patas...
que apenas avistavam uma névoa e se guiavam pelo cheiro na esperança de saciar a fome... procurávamos o conforto e o aconchego de um leito, com um corpo estendido...

Ainda hoje, enrolas o ventre sobre ele e apareces em espiral junto de ti... e bailas
ao sabor das ondas dos corpos sagrados
e delicias-te com aquele cheiro mágico,
de algodão doce que te leva para muito longe....ou para muito perto, das nuvens.

Por cima de nós, sobrepõem-se paisagens,
camadas marcadas pelo passado,
vidas inteiras de holocausto que nos lembram, a existência do amor e da vida...

...e as marcas, dos beijos e dos desejos infundados que sentimos uma vez, enquanto loucos...

Juntos rompemos madrugadas solarengas e frias
de portões altos e paredes fortes
e buscamos um no outro, as amarras de papel de muitas cores...

Foi no teu ventre liso que aprendi a esbracejar
e a voar, dentro e fora de mim...
onde encontrei um pássaro pousado num pinheiro manso,
adulto, capaz de cuidar de alguém...

Meu Deus, como me encandeiam os corpos de ventres planos...