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quinta-feira, 27 de maio de 2010

Recordar - ....Laura, em telhado de zinco quente....






Laura, hoje estava pensativa… Enquanto perdia as horas do dia, recordava o último filme que vira, enroscada nele. Não pretendia fazer nenhuma analogia com a protagonista do filme, até porque para além de "ronronar" muito melhor que ela, não era loira, mas parda.


De pêlo brilhante passeava elegantemente por cima de tudo, pelos sofás, no tapete branco felpudo, já para não falar no colo do seu dono.


Aquele homem sem nome, sempre que chegava a casa, a primeira coisa que fazia ao meter a chave à porta era chamar por ela.


- Lauuuuuurrrrrrraaaaaa – melodicamente, entoava o seu nome.


Ela aparecia imediatamente e de forma carinhosa, como era seu hábito, entrelaçava-se nos seus tornozelos num ballet digno de ser visto por uma plateia de aplausos e ficava à espera de ser retribuída pelo calor da sua mão. Aliás, perspicaz como era... momentos antes de lhe sentir o cheiro ao fundo das escadas do prédio, vinha para o hall de entrada e ficava muito atenta a ouvir-lhe os passos, um a um, no último patamar do elevador. Há vários anos que o recebia sempre da mesma maneira e com o mesmo entusiasmo.


Laura não gostava do seu nome, mas fora ele que lho dera no primeiro encontro…

Assim que lhe pegou, numa loja de animais...olhou para ela e disse, entusiasmado com a possibilidade de ter uma companhia no futuro próximo:
- Vou chamar-te, Laura.


Às vezes, ela fazia questão de lhe recordar que preferia outro nome qualquer, e obrigava-o a repetir em vão, sem responder às chamadas. Laura, sabia que apesar de ser ali que existia tudo o que sempre sonhou, naqueles 200m2 de conforto, boa comida e muito carinho... também gostava, de vez em quando fingir ser um pássaro e de vez em quando voar.


O seu dono sem rosto, encontrou-a várias vezes naquela janela das águas furtadas e via-a sair rumo ao telhado de zinco, onde adorava preguiçar nos dias soalheiros em que o Sol fazia o resto... aquecia o telhado. Ora de barriga para cima, ora de barriga para baixo, aproveitava para admirar a paisagem e tudo à sua volta... os carros, as pessoas, … ou então, o rio, o céu, as nuvens e os pássaros.


Um dia apaixonou-se.


Primeiro foi pelo rio, onde se imaginou a navegar, a nadar, a mergulhar e a contar peixes a dois. Depois apaixonou-se pelo céu que era da cor dos seus olhos, azuis. Mais tarde por uma nuvem, mas concluiu que tinham objectivos de vida diferentes. E, por fim, por um pássaro, que um dia lhe caiu à frente do nariz e que a fez acordar no meio de um sonho.


O sonho estava a ser maravilhoso. Eis senão quando, jaz um pássaro sem bando, caído à sua frente e lhe pediu ajuda, estava ferido. Laura, tinha um coração enorme e um estômago habituado pelo seu dono sem nome, a comer comida de lata.


O que toda a gente esperava, era que ela fizesse jus à sua espécie e se atirasse de cabeça para o comer, mas Laura aprendeu a resistir aos instintos mais primários e não salivava pelos seus antepassados.


A fragilidade em que O encontrou naquele momento, fez com que revelasse a sua complacência e compaixão e mais tarde, os sentimentos mais nobres que uma gata pode sentir por um pássaro. Foram dias perdidos de histórias que ele lhe contava do mundo dos pássaros e histórias que ela lhe contava do mundo dos gatos… no telhado de zinco… sempre quente, pelo Sol.


Dias e noites, após...


Laura, abandonou praticamente o seu dono sem nome. Faltava já muitas vezes à primeira chamada, quando a porta de casa se abria, ao fim da tarde. Não lhe fazia mais falta os seus tornozelos ou o calor da sua mão.




E, um dia, pela última vez respondeu à primeira chamada; - Lauuuuuuuurrrrrrrraaaaaaaa. Dançou, despediu-se daquela mão quente que tantas vezes a afagou, subiu ao telhado e voou com ele.




Hoje, não se chama mais Laura, mas apenas Gata.

domingo, 23 de maio de 2010

Recordar - O Vento, o Caos e Maria

(recordar)

Maria estava agora perdida no caos… mais do que nunca…sem ao certo, saber porquê…

Ainda atordoada, perguntava a si própria baixinho porque não conseguia descortinar o caminho de volta para casa. Aquela casa, branca, térrea, com janelas de portadas verdes escuras, um alpendre, e com muito espaço à volta preenchido por alfazema, a seu tempo, salpicado de campânulas e papoílas, que lhe traziam tantas e tão boas recordações.

A sua casa era a única que permanecia no mesmo sítio desde o último tornado, que levara muita coisa pelo ar. Maria, procurava esquecer o assobio do vento enraivecido a soprar aos seus ouvidos. Tinha aquele som gravado e tinha medo. O vento estava zangado, muito zangado. Em plena sinfonia desenfreada, Maria ainda tentou perguntar-lhe de mansinho o porquê de tanta ira. Mas ele nunca a ouviu, porque assobiava mais alto que a sua voz doce e meiga, que só era perceptível no silêncio. Quando cruzavam olhares, ela e o vento, voltava com os olhos a questiona-lo, mas era impossível, porque ele rodopiava, rodopiava e rodopiava, sem nunca abrandar. Nunca lhe respondeu.

Os campos e as sementes, os cheiros, as lembranças doces e amargas, os amigos de sempre, as pessoas em quem confiava, os sorrisos fantásticos que outrora víramos estampados em rostos de felicidade, os sonhos poucos, muitos ou nenhuns, esvoaçavam como se a possibilidade de sonhar não fosse pertença de todos em igual modo e quantidade. O tornado levara almas e corpos, gentes, vidas, sem qualquer preferência por raça, credo ou cor. Levou as conchas todas que apanhou, praias inteiras, golfinhos, cavalos de pau e marinhos…

Retratos de família, brincadeiras de criança, amores permitidos e proibidos, vestes, ficando nuas e sentindo um frio de arrepiar. Levara também as árvores, os pássaros e os seus ninhos e as crias de todas as espécies animais e vegetais…

Sem perder tempo, o vento ciclónico e terrivelmente apressado levou consigo também todos os filhos, as Mães, os Pais, o Pai Natal, o trenó e as renas, as prendas, os doces, o que tanto queríamos e o que nunca tínhamos desejado de bom e de mau e levou também o ano anterior.

Levou A música… que profunda tristeza sentiu Maria, … a música fazia-lhe tanta falta.
As pessoas interessantes que conheceu,
A magia das coisas, as coisas boas e as coisas más.

Consigo, o vento levou ainda os mares, os rios, os lagos e os charcos. As fontes por isso secaram, não queriam ficar sozinhas. Os peixes coloridos e os prateados também tinham desaparecido, abriram a porta e saíram em fila, uns atrás dos outros, pelos céus...

As nuvens empurravam-se, umas às outras, carregavam em cima aviões com pessoas, pessoas com histórias, histórias de famílias, de laços e de “nós” consanguíneos.

Os sacos que nunca serviram para outra coisa, aproveitaram para transportar o que restava, as coisas mais humildes. Levaram brinquedos novos e velhos, apanhavam tudo com uma das asas e metiam dentro de si tudo o que lhes acontecia pela frente.

Maria não queria acreditar que um tornado fosse capaz de anarquizar tudo e que após um período de trégua, voltasse a baralhar e dar de novo.

Percebera, então onde estava. Permaneceu o tempo todo dentro de casa, refugiada num canto da sala. Cerrava os olhos, para de vez em quando matar a maldita curiosidade por entre os dedos e ver na direcção de uma das três janelas ainda fixas às paredes da sala…o que continuava acontecer…

Maria olhava em volta, e via o caos e o vazio.
….

Por último, os seres Tornados homens levaram as palavras e com elas, Maria deixou de poder dizer o que quer que fosse, desaprendeu de soletrar e tombou silenciosa e inerte.

O Seu último olhar foi para ver Maria, voar de si própria, dançando com o vento e esboçando um sorriso.
-Adeus, Maria - disse a si própria.


Amigos,

passem pelo blog "Viver é Pura Magia" que está nos blogs que sigo...Surprise!

Obrigado Ricardo, ficou maravilhoso acompanhado da música de Bob Macfferrin....é para mim uma honra que pegue num post meu e o dê a ler a todos os seus seguidores. Bjs, vamo-nos encontrando por aqui.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

...observada (II)...


  


- Não é por acaso que me chamo Joana, mas ainda não é o momento para vos revelar...

- Hoje andei em círculos...
- Perdida nos meus pensamentos e nas tuas palavras..."procurei-te" por toda a parte... 




...o último agasalho que vestiu esta primavera, muito antes deste calor apressado...Joana, despediu-se da última brisa, fazendo dele a sua casa e  o seu botão...


- Sonhei contigo... No meu sonho...abracei-te...beijei-te e amei-te como nunca outra vez...


...atenta à leitura e àquela passagem em particular, do livro que tinha entre mãos, Joana lia em voz alta, "...um dia vou encontrar-te e com a serenidade e a curiosidade que me  caracteriza vou explicar tudo, para que não restem dúvidas entre nós. Explicar, que os equívocos de código por que passamos foram justificados pela distância e pela proximidade que nos impusemos e que de forma inconsciente deixamos proliferar... pretendo deixar claro, que não era essa a minha intenção, nunca foi, desde o início de tudo... 

Procuro apenas a simplicidade, não a complexidade das coisas... procurei em ti um amigo, apesar de toda a gente me dizer que a amizade entre um homem e uma mulher é impossível de acontecer (essa afirmação para mim, nunca fizera sentido...) por isso, mais uma vez voltei a tentar...

Isso, não chegou verdadeiramente acontecer...ultrapassamos o espaço e o tempo e até hoje a dúvida permanece...O que é que ambos procurávamos?



...procurávamos!!! apenas um amor puro e são, apaixonado, onde reinasse o carinho, a cumplicidade, um amor abandonado à ternura, aos momentos, sem necessidade de tréguas porque as guerras não existiriam, mimos,... Sim, um amor ardente também, sempre que quiséssemos... porque, o fogo faz parte de mim e de ti... e de toda a gente que não procura apenas prazer, mas também um coração onde se aninhar."

Joana, fazia uma pausa para pensar no que acabara de ler..., aquelas palavras pareciam-lhe familiares,...na verdade, aquele livro que de quando em vez lhe aparecia nas mãos, sem ela o procurar, queria que aquelas palavras lhe trespassassem o coração e a tornassem mais gente, ...para que deixasse de amar tantos os livros e passasse a amar mais as pessoas...

O texto continuava e confessava ainda, que eram as imagens que  envolviam alguém numa saudade ténue, mas permanentemente presente, que se lhe agarrava ao peito sem dó, nem alma... estava amarrada, ancorada ao desconhecido... pela fantasia e pelo desejo...e a concentração desaparecia...



Joana, perdia agora o sono, depois de ter despojado o sonho...



- Não, não posso distrair-me, tenho que me concentrar, pensava para si ...Mas a razão, tinha já sido inundada pelo sonho e o sonho por ser  só sonho se desfazia...

Perguntava-se:
- Que sabor teria sido esse que lhe ficou? de nada, de coisa nenhuma... que lhe aguçou um dia o paladar... 

Joana, permanecia acordada...não conseguia mais dormir...e questionava-se..., sobre que livro seria aquele que teimava em ficar ao seu lado acordado de vigia...


sexta-feira, 14 de maio de 2010

...observada (I)...

 
 

Joana, deixou-se beijar pelo Sol ainda envergonhado! 

Acordou tarde, nesse dia. Desde o Inverno passado, que os seus sonos tinham mudado de horários... Meses havia em que nas noites, seguidas de dias de frio e de chuva, Joana procurava o calor da cama, cedo. Era como se todas as noites tivesse um encontro marcado com alguém, quase sempre à mesma hora... rumava ao vale e aninhava-se...pegava num livro, que ao fim de duas ou três páginas se aconchegava ao seu lado. Algumas vezes ela não queria, mas o corpo implorava-lhe que fosse procurar o calor e o conforto...

O livro, tinha noites inteiras que a ficava a observar...enquanto o candeeiro não se apagava...observa-lhe os gestos, o rosto moreno, os olhos fechados, os lábios carnudos, o nariz elegante, o contorno dos maxilares bem definidos, os cabelos castanhos soltos ... a respiração, ora tranquila ora ofegante, os sorrisos de prazer ou as expressões de sofrimento, de medo, causados pelos sonhos bons e pelos sonhos maus, que nunca chegavam a ser pesadelos. Joana, nunca tinha pesadelos.

Aquele livro conhecia-a a dormir como ninguém...e, recordava muitas vezes, durante o dia, a pele suave das suas mãos e o toque dos seus dedos, e tinha saudades de ser tocado por ela. À noite, satisfazia o desejo quando ela lhe pegava, sempre com cuidado e saboreava aquele manusear cuidadoso e ternurento. O odor que ambos exalavam no ar era reconhecido com prazer, pelos dois. Sabia que Joana o amava, mais que a qualquer outro, apesar de inúmeras vezes de a ele se lhe juntarem outros, que permaneciam na sua mesa de cabeceira pelo tempo necessário de serem consumidos, lidos só pelo prazer da leitura...depois arrumava-os de novo noutra divisão da casa e nunca mais lhes dava atenção. 

Com ele, era diferente, já havia alguns anos e nem um nem outro se cansavam de se olhar, de se ver, de se tocar. Ambos adoravam o silêncio e as palavras.

Quando Joana por alguma razão está ausente, é ele que dorme e que sonha com ela...Ainda hoje, ...


quarta-feira, 12 de maio de 2010

Paula Rego (Lisboa -1935)

...ainda bem que a pintura e os pintores existem... e abençoadas mãos que nos fazem brilhar os olhos...quando o sol já se fechou, a esperança se desvaneceu e a vida voltou de novo a ser apenas vida, simplesmente...

Absorvo e alimento a sede de conhecimento, os traços, as cores, a rudeza e a beleza das imagens em que o masculino e o feminino se fundem para aprender outras artes, outros sons, outros significados... e aproveitar  para renascer de novo...

sábado, 8 de maio de 2010

Place To Be...

...como os dedos viajam em corpo de piano... Este é o meu corpo, estes são os teus dedos...tu és o meu piano...

quinta-feira, 6 de maio de 2010

"Peço desculpa pelo atraso..."


Amigos, peço desculpa pelo atraso, distraí-me com as horas, ...

andei a fazer uns cursos de decoração via net onde aprendi muito e resolvi decorar a  casa onde vos recebo todos os dias, ... nesta tarefa, passei horas a mudar os móveis de sítio, a escolher as cores, a colocar quadros nas paredes, .... para que se sentissem bem por aqui, sempre que aparecessem. Ainda faltam uns pormenores (coisas de mulheres), mas está praticamente pronta...



Ah..., é verdade, os livros permanecem arrumados nos mesmos sítios  e como sempre espalhados pela casa toda, para que não tenham que os procurar ...  ah, e ainda,  a porta permanece aberta, basta empurrar e entrar,... mesmo que eu tenha saído para fazer qualquer coisa...

bjs Alfa