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domingo, 6 de novembro de 2011


Gosto deste vento frio que me atravessa a pele e teima em fazer de mim o seu refúgio. Gosto da chuva forte que cai e me convida a dançar nas suas águas. A chuva é doce o vento é destemperado...e, eu...Eu, não passo de água e sal, ...

Envolta em areia molhada onde a vida se aninha e me viola saborosamente por todas as reentrâncias, deixo-me levar ao som da sua música melada. Não há significado nenhum para isto nem sentido, nem agravo, apenas prazer...

As nuvens ficam caladas, a olhar-me... e eu flutuo deixando-me ir ao som do mar que sai do fundo dos búzios e das estrelas magoadas e brilhantes. Ficaram ofendidas comigo quando um dia não as deixei entrar em cena. A cena passava-se de dia, não havia razão para as deixar entrar...Disse-lhes que fossem tomar um café enquanto eu estava a sonhar. Zangadas, saíram batendo com a porta, não vacilei...já as conheço, mais tarde voltam.

Gosto daquele vento frio que vem do Norte que me abraça e me faz voar,  que me empurra para os sonhos acompanhado de uma chuva forte que cai dentro e fora de mim, ao contrário de palavras transparentes que de tão leves não atravessam ninguém.

Ele continua assobiar a levantar no ar folhas de Outono e paixões sem tempo, que deslizam de forma envergonhada por entre os homens até apanhar um coração indefeso. E, há por aí tantos..., todos os dias me cruzo com eles. Consigo distíngui-los no meio dos outros. Têm uma cor e uma forma diferentes, são magenta como as romãs mais maduras e mais arredondadamente cheios também, transbordam no que têm para ofertar sem pedir nada em troca, por isso vivem suspensos e leves... destarte seguem o seu caminho sem garantias de sucesso...

- Não importa, só a viagem... já valeu muito a pena. - Pensam...

Umas vezes, são interceptados pelo vento Norte de que vos falo e aí caem redondos num extase que apenas haviam ouvido contar, nunca tinham experimentado. Os repetentes vacilam, mas as lembranças carregadas de emoção da última vez fazem esquecer as contrariedades que aparecem depois fazem-nos seguir o mesmo caminho. Uns e outros deixam de ter vontade própria para ter vontades próprias de um enlace sem limites. 

O vento Norte é capaz de tudo...
e, a chuva, que de vez em quando o acompanha imprime nos homens os cheiros a terra molhada...

terça-feira, 1 de novembro de 2011

...the most of everything is a second sense second...

 
... não sei o que as pessoas procuram no mundo se "paz" se "pão"..., não as entendo...Creio que, nem elas sabem..

.Determinadas a não passar "necessidades" versus sofrer, numa luta permanente, dilaceradas, entre não ter nem uma coisa nem outra, travam batalhas consigo até conseguir pelo menos uma delas...Não sabem viver com a ausência das duas, nunca aprenderam...Na verdade,  eu também não, confesso...

Desenfreadamente,  procuram dentro dos outros a resposta para as dúvidas que habitam dentro de si...e transformam-nas nas soluções...  Optando por pão não têm paz! optando por paz não têm pão!...é como se o  Universo e os Deuses tivessem determinado há muitos mil anos atrás, numa orgia de excessos no céu, lugar onde habitam, que essa seria uma das condições humanas...Eles, tinham consciência das nossas inconsciências, eram conhecedores da raça humana,....e,  sabiam que desta forma, encontraríamos justificação para nos levantarmos da cama todos os dias...(não queriam um mundo de dorminhocos) ...Refiro-me a motivação...o motor que nos impele ou empurra todos os dias para a vida...

 Apesar da teoria "duvidosa" que recaiu sobre nós como condição, a prática, não nos deixa qualquer dúvida, mas antes uma sensação estranha de forte insatisfação...daí que, nos dias em que temos muito "pão" queremos "paz" e  nos dias em que estamos em "paz", falta-nos "pão"...

Se tivéssemos assistido à discussão lá em cima, onde os Deuses argumentavam, defendendo teorias e teses sobre o tema ao mesmo tempo que comiam uvas e outras iguarias e bebiam vinho, deitados em leitos limpos, de barrigas fartas, trajados com vestes douradas e prateadas, num local de paisagens esplendorosas com vista cá para baixo, num clima ameno, ......e, de mentes já toldadas pelos excessos avaliar pelos risos descontrolados, ....talvez nos fosse mais fácil de entender a condição determinante,... apesar da complexidade da questão...

Se ao menos, eles entendessem que sem nenhuma das duas não passamos de moribundos, sem uma delas insatisfeitos crónicos e com as duas, torna-se mais fácil a existência humana...
Devo dizer, que esta última opção, que nos parece a solução ideal, apresenta inúmeras contrariedades e me levanta sérias dúvidas, ...imaginem...Precisaremos desta última como solução ideal, na justa medida das necessidades que criámos para nós próprios, ...mas na verdade, não precisamos de tanto para nos tornarmos felizes...

...os deuses, continuam lá em cima sem saber do que falam, inebriados pelos excessos...a decidir a nossa vida...

Eu, obriguei-me a optar, procurei o caminho que mais me aproxima de mim mesma...prefiro paz, o pão acabará por aparecer, nem que seja aos pedaços...

PS: ...do dia, torrado se for do dia anterior, transformado em açorda para aproveitar os restos, com manteiga ou sem ela, a servir de conduto ou a acompanhar a refeição, para empurrar a refeição...


sábado, 29 de outubro de 2011

Salva pelo Jorge...


Adormecera.

Da melancolia e do aperto no peito repentino, restava apenas a vontade de me desembaraçar de algo que não era meu, não era de ninguém, apenas dela...Tornava-se impossível de continuar de um minuto para outro...Voltava a dor, a tristeza e a vontade de chorar...Tentava aguentar-se, achar graça ao programa da televisão feito para rir, dar atenção a mais uma ou outra história repetida que ouvira várias vezes de então para cá, desempenhar mais uma ou outra tarefa que fazia parte do protocolo da profissão de fim de semana, rir sem vontade porque a tarefa não tinha qualquer motivo para rir, sofrer calada em solidariedade, dar de comer, limpar a boca, dar os remédios a horas sem se enganar, levar sem que quisessem que assistisse a momentos que requerem intimidade, e ela também não queria..

As horas passavam felizmente, os ponteiros continuavam a rodar sem parar, ainda bem...

Até ao final do dia, conseguira levar tudo sem sentir, ao contrário da última vez. Antes, por esta hora... já chorava sem parar, fumava cigarros atrás uns dos outros e bebia café, sentia uma pequena dor do lado direito junto à anca ao mesmo tempo que ouvia um conjunto de música de festa de aldeia, de uma qualquer aldeia distante, mas não o suficiente...tanto assim, que seguia a letra das músicas, umas mais alegres que outras,... e nessas..., nas outras, chorava ainda mais, pela tristeza do que seria obrigada a viver.

A vida magoava-a a cada momento, mas pior que isso, magoava pessoas de quem gostava como a ninguém e isso fazia-a sofrer mais ainda. Sofriam as duas.

Dormia cedo agora, mais do que antes. O reboliço de uma casa cheia, risos, música, correrias, euforias,...palavras deitadas à rua sem pensar, levianas, era agora insuportável. A visão era turva,... e para grandes males, grandes remédios e os remédios eram agora tantos, doces e amargos, inteiros e em metades. O peso de oitenta e quatro primaveras e verões, e de oitenta e três outonos,... se conseguisse chegar ao próximo inverno era uma vitória estonteante. Carregava consigo, para além da camada de creme diário para amaciar a pele a fralda nocturna... Sentia-se repleta de lembranças, umas recentes e outras demasiado antigas de quando criança, que ainda a mantinham de pé, à espera daquele dia em que iria ajustar todas as contas com ele, caso ele tivesse vontade, porque ela já não sentia forças para discutir ou apenas argumentar...provavelmente, optaria por se deixar ir e pronto... Falava da primeira ida ao Teatro São Luís ver um filme de um cantor da época, o primeiro filme a cores,... entusiasmada, depois de um prato de sopa numa casa pobre como a sua, sem floreados,... a pé descia da Graça ao Rossio e subia ao Chiado, - Era tão bonito aquele teatro, vamos ficar na geral...

Inúmeros anos passados sobre todo este enredo, ...acabei salva pelo bailarino, pelo Jorge que via o filme da sua vida, sentado no palco do mesmo teatro, filmado pelo Marco...Ela, já adormecera, depois de mais um jogo do benfica, o seu último amor.

O Jorge pequenino veio salvar-me da melancolia do momento e levou-me para o quarto, onde fiquei em cima da cama expectante enquanto ele contava a sua história dentro daquela caixa que transborda de tudo desde que se carregue num botão... o outro, o Jorge bailarino, estaria algures no presente, em sua casa sentado na poltrona que o aconchega à vida...Ela, adormecera na cama, adornada pelas lembranças...Eu, permanecia de vigia...

...Obrigada Jorge pelo resgate, ...and please, keep going...


A ilha...





Estes são definitivamente os meus dias. Os dias de que mais gosto do calendário inteiro. Dias de chuva, de chuva de verdade e de vento, em que a natureza se afirma, se firma aos olhos dos homens mais cépticos. Não lhes restam dúvidas, nem a mim por outras certezas.

É nestes dias que me encontro comigo de forma mais íntima, talvez por ser feita de água, de haver em mim mais espaço preenchido pela água que por terra. É nestes dias que me dispo à minha frente, que me encaro, que me falo, que me oiço e traduzo em palavras o que a pele me deixa sentir. Não sem antes buscar uma folha em branco, olhar para ela, limitada pelos quatro cantos, com respeito, sem pudor, para de seguida a encher de vocábulos com ou sem nexo, não me preocupo, ela entende-me, está habituada.

Também ela aparece nua..., sem vergonha, sem embaraço e pronta a ser preenchida de forma arbitrária com as palavras que saltam inusitadas e sem ordem, cheias ainda de vida, porque acabaram de nascer. As mais novas encostam-se umas às outras à procura de aconchego, sentem-se ainda perdidas no meio de tanto branco, sentem frio, arrepiam-se. As últimas já nada temem, têm companhia. É o calor que cresce conforme se vão enroscando, encaixando, fazendo sentido. 

A minha folha, traja agora um vestido que se  molda em cada linha imaginária, dos pés à cabeça. Eu, permaneço cada vez mais nua, a escrever ao som da chuva que malha na minha janela sem perdão. Viro a página.

Vazia, olho o espelho,... não consigo ler-me mais..

Não me insisto, não me obrigo, não me devasso...

Ela, poisada sobre a secretária de madeira deixa-se ficar..., deitada em comunhão, com a caneta...

...Lá fora tudo é água. Cá dentro tudo é água também. Avisto ao fundo, dentro de mim... uma ilha...onde me vejo e revejo, pequenina.

Sou uma criança  rodeada de mar...

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Underground - O silêncio dos inocentes...


Debaixo do chão, para além dos ratos, viviam indignados e de cabeça para baixo homens e mulheres de respeito, capazes de feitos sem tamanho para o bem e para o mal...pena era, que as vitórias de outros tempos estavam tão longe do pensamento e da razão que já não se arrumavam nas memórias, nem nas cabeças de ninguém. Pertenciam a um passado longínquo, cheios de pó, em prateleiras esquecidas no tempo. 

Encurralados em lugares onde a luz não existia ou era fraca, onde quase não se conseguia sequer respirar, perdiam a cor, o brilho, a vivacidade, a força, a expressão, a vontade de se expressar, a voz, a garganta..., tudo isto, porque foram deixando de lhe dar o uso próprio, ou qualquer outro. E, eu, assistia agora à sua morte aos poucos, um pouco por todo o lado.

Perderam a esperança, entregavam-se à agonia dos dias infindos, em que as palavras desapareceram, umas atrás das outras, reinando um silêncio ensurdecedor de dor, sem futuro e sem volta. A palavra sonho fugira de todos os dicionários sem deixar rasto, dando lugar à tristeza, à desilusão e ao desencanto.

Antes de perderem as formas físicas de se fazerem ouvir, os homens e mulheres com honra, terão perdido a  memória e a razão. Ninguém tem nada para dizer ou para fazer, se a memória se apagar. Talvez, por isso, vivam hoje, de fardo às costas, carregando todas as culpas, as suas e as demais, até as dos homens que vivem a cima do nível do mar.


Dois dos indignados, ainda pouco convencidos de que a vida findava na distância que vai dos nossos olhos ao chão, aventuraram-se e levantando a cabeça, perceberam que havia algo mais..., desconhecido..., que  havia um outro mundo para além deste, onde a vida ganhava um outro significado, onde o Sol reinava, a água corria, o vento soprava, o fogo iluminava corpos e almas e onde as pessoas sorriam  ainda com vontade de o fazer...

Ali, onde viviam encerrados na escuridão e sufocados pelos modelos, pelas tentativas, pelas desilusões constantes, só existiam duas cores, o cinzento desiludido e o preto carrasco.  Mas, o espírito aventureiro, bravo e curioso corria-lhe nas veias, nas suas e nas dos seus antepassados e aquecia-os de tal forma, que lhes empurrava o pescoço e a cabeça na direcção do céu.

Naquele dia, repararam numa nesga de luz, que atravessava  de forma nuclear aquele gueto casario  sem vida, ou sem esperança, como uma vara atravessa um rio ou um mar até adentro e faz navegar um barqueiro de outra terra, não para o agarrar ao fundo, mas para o fazer deslizar...Morria a morte e espreitava a vida. Aquela que um dia os deixara à deriva, com os homens de outro nível no comando. Aquela, que quase os abandonara....aos inocentes, underground.

Enquanto isto, eu, desfaço-me em folhas de papel e de rascunho que levo para onde vou...

domingo, 9 de outubro de 2011

João e as draconídeas...


Ontem à noite, as draconídeas rasgavam o céu em pedaços, deixando marcas cor de prata na imensidão negra do espaço. Apareciam em todas as direcções de forma envergonhada e faziam traços aqui e ali desenhando a via láctea, enfeitada anteriormente pelas estrelas. O espectáculo para quem quis ver, era mágico. 

Correndo de um lado para o outro no seu casulo, João mergulhava no fantástico de cada vez que saia a porta ou espreitava da varanda.
- Acabei de ver uma, é tão bonito. 
E, permanecia, impaciente a olhar o céu, a quem nunca tinha dado muita atenção.

A Lua, quase cheia, defendia as aparições soltas e espaçadas no tempo, com a sua luz branca e fixa que enchia o céu de luar e o João de preses para que se apagasse só por um bocadinho, para poder assistir em paz e na repleta escuridão aquele espectáculo pela primeira vez e  de forma intensa, viajando, no espaço. Mas a Lua não o ouvia. Estava demasiado concentrada, lá em cima no seu pedestral, a tomar conta do céu.

Acabou por desistir e abrir o mais possível  os seus grandes olhos, redondos, de azeitona, negros. Tapara os ouvidos para não ouvir a luz da lua teimosa  que lhe roubava a concentração e deitou-se no chão a olhar o esplendor da natureza, aquele tecto carregado de pontos minúsculos de luz, mais ou menos intensos conforme a distância a que se encontravam da Terra e questionava-se, curioso.

- Porque nunca dei atenção ao céu?, - Quem são estas migalhas luminosas?
- O meu avô!, A minha avó?!, A minha mãe?!!!

João, não percebera que enquanto formulava para dentro de si todas aquelas perguntas, que a Estrela Polar  que estava mais perto de si que todas as outras e mais atenta,  descera até à sua varanda, silenciosa e lhe oferecera o seu colo,  onde João aconchegava a cabeça. Afagava os cabelos de João com uma das mãos e com a outra permanecia agarrada ao céu, a onde pertencia. Por aqui não havia solavancos de condução como nos autocarros, para que pudesse cair, mas havia uma profecia milenar, que dizia, que no dia, em que soltasse as duas mãos lá de cima, cairia redonda na terra e perderia a vida para sempre. Gostava demasiado de viver para morrer, por isso tinha cuidado quando chegava perto de nós,  as pessoas, os humanos. Permaneceu de braço no ar o tempo todo, numa posição deliciosamente desconfortável. Eu vi, estava lá também.

João, por seu lado, aconchegava-se cada vez mais ao conforto de um colo maternal, que quase já tinha esquecido e que lhe sabia tão bem recordar. Ficaram por ali, encetando um silêncio que nunca mais terminou ao longo da vida dos dois...

terça-feira, 27 de setembro de 2011

...Um livro no mundo dos homens...

 

Ninguém sabe como ele se sente, nem ele. Divide-se, entre o que está muito perto de ficar para trás e o que tem à sua frente. Não é urgente, mas... Há algo que o empurra e algo que não o larga e que não o deixa avançar, não sabe o que é, não sabe interpretar. Procura no fundo de si, o mais valioso que tem, mas não consegue encontrar, está vazio por dentro. Apenas, por fora, se sente cheio, cheio de coisas que o esperam e que estão cheias de vontade de ir ao seu encontro. Encontram-se pontualmente com ele, e ele gosta.

Refere-se à liberdade, ao viver em plenitude, de encher as mãos de tudo, de sorrir sem satisfação e com ela, de trocar falácias, de esgrimir opiniões, de deitar palavras fora, de escolher as cores que quer, de comer chocolate deitado de costas no chão, de dar presentes com amor, de ir sem saber quando voltar, de não se preocupar, de chapinhar nas poças de chuva, de andar descalço pela rua, de ver as estrelas à noite e acenar-lhes um adeus, de sentir o vento no rosto em dias que não se vê, de voar sem sobressaltos, de deitar a cabeça no ombro de um qualquer vadio que se sente no mesmo banco de jardim,  de assobiar, de contrastar, de imaginar com um sorriso coisas boas, de um beijo de perdão, de dar a mão, de fugir à frente da vida e não andar atrás dela, de subir às árvores, de mastigar nuvens como se fosse algodão doce,  de virar uma esquina e ser surpreendido por alguém, de viajar para outros universos onde o infinito é o fim, de prevaricar,  de ter prazer no que faz, de no cimo da montanha gritar e ouvir o eco da sua voz propagado, de vibrar com o que lhe acontece e com o que acontece aos outros, de amar, de sonhar  e, de viver e, de Ler...Este, era o seu maior sonho, Ler. 

Eu, de vez em quando, por aqui,... nunca tinha ouvido um discurso tão honesto. Pasmei, porque que vinha de um livro, que não queria mais sê-lo. Renegava a sua origem,  pertencer ao mundo dos livros,...tudo isto, desde que percebeu a riqueza e a diversidade do mundo dos homens.



sábado, 24 de setembro de 2011

O Mundo novo...

Maria do Mar viajava por águas, ora doces ora salgadas, mas sempre indiferente à densidade de massa liquida que a embalava.

Adora passear  à superfície ou nas profundezas dos oceanos, dos mares, dos rios e dos lagos,... desconhecendo os limites,,,, é-lhe indiferente. Para ela tudo é água e isso basta-lhe... Muitas vezes é surpreendida pelas correntes, tropeça em agueiros, e pára a ver os  peixes prateados ou dourados que vivem mergulhados e que desfazem passos de dança pelo meio dos arenques e corais, de forma ondulante. Tem uma estrela no céu que a protege e por quem gosta de ser protegida...

Dizem que procura no mar, o que até agora não encontrou no Céu, nem na Terra. Nós não sabemos exactamente o quê, ela nunca contou a ninguém. Maria é suave e, de palavras mansas, por isso  por onde passa, os anjos dizem, na pouca unanimidade das opiniões, que deixa rasto.....................................................................................................................................................................

Neste mesmo mundo onde tudo acontece, tanto à tona como lá no fundo dos homens, vivem outros intérpretes que habitam histórias.

João Sem Terra, que vive de cabeça na Lua. Viaja  por entre nuvens,  pedaços de sol e de chuva, aqui e ali, onde a vida também se faz. Tem duas estrelas perto de si a quem protege e outras vezes, a quem pede protecção, nunca lhes faltam, nunca lhes falta. 

Segura com todos os dedos das duas mãos, mapas, paisagens, recantos, cores, cheiros e bocados de mundo que recolhe e leva consigo dentro da sacola, para depois multiplicar e distribuir, com alma a toda a gente por onde passa.  As lembranças que trás consigo, servem muitas vezes para o aquecer nos momentos mais frios da sua história.

Nunca, ninguém sabe, onde vai parar na próxima viagem, nem ele mesmo,... mas não se importa, gosta de ter a alma solta e errante, alma sua onde se aninha de vez em quando para reflectir e questionar as coisas da terra e do mar. 

 João é bravo e de palavras fortes,  de quem dizem os anjos, na pouca unanimidade das opiniões, que também deixa rasto....................................................................................................................................
...
Não se conhecem.

Nem Maria, nem João. Nunca se encontraram. Apenas os seus rastos se cruzam, por vezes, para lá deste e de outros universos.

Mas eu, 
que vigio as almas, que vivo no meio de tudo e de todas as coisas, que tenho asas e que me alimento de livros...  que vivo entre uns e outros, sem que me vejam,  atrever-me-ia  a afirmar que um dia se vão tocar... e vocês, que ainda não conseguem alcançar o que vejo e o que sinto, vão perceber quando Maria do Mar se tornar, Maria Sem Terra e João Sem Terra,  se tornar João do Mar.

O mundo está em suspenso neste interlúdio, e nesse dia a Terra irá parar de rodar.
...

As aves não cantam mais, as flores estão à espera de autorização divina para desabrochar, o galo permanece de boca a aberta à espera que o som lhe saia garganta fora, as guerras pararam e deram tréguas aos homens, o vento não sopra, o relógio ganha tempo, as roupas criaram bolor dentro dos roupeiros, a noite não se atreverá a cair sem que receba o sinal, as portas fecharam-se todas ao mesmo tempo na esperança de se abrirem de par em par no momento mais esperado, ...mas ninguém nota.

A vida de todas as gentes, continua a fazer-se de forma rotineira, sem que ninguém se aperceba que repete momentos iguais.

Um dia, pelo culminar dos dois rastos, o mundo vai encher-se de estrelas brilhantes semeadas por toda a parte, a Lua virá à rua porque faz tempo que se fechou dentro do Céu, os sorrisos vão colar-se no rosto de todos os homens e mulheres que hoje vagueiam de um lado para o outro sem saber o seu destino, e em fila, cada um, encontrará o caminho certo a seguir, onde a esperança espera por eles. A solidão e a tristeza serão banidas, para sempre, da alma das gentes. A Terra encher-se-á de luz, de uma luz branca e brilhante que iluminará corpos, por dentro e por fora. A euforia das almas vão almejar uma festa lá em cima e os corpos que lhes pertencem e que por ora vagueiam lá em baixo, vão fundir-se nelas. Será um mundo diferente, um nascimento de um Mundo Novo, quando toda a gente acordar.

Maria do Mar e João Sem Terra serão amigos e vão dividir segredos e sonhos...

domingo, 18 de setembro de 2011

...no mundo de grades e portas fechadas...


Deito-me no meio dos escombros. Há uma nuvem de pó por cima de mim, que me altera o cheiro, o paladar e o significado de uma vida que passou. Uma vida curta.

Aninho-me, algo me assusta, talvez o receio do que vem a seguir. Vejo a juventude que ficou lá atrás e os sonhos que  ficaram com ela, ...estavam a beber café, não deram por me vir embora e continuar... 

Enquanto isto, fugiu-lhe a vida...

Foi por entre os dedos que se escapou, empurrada pelo mundo e pela pressa dos dias,... pela história ou pelas histórias de sacrifícios, apenas feitos por ela.

Não quero significar mais do que o necessário, não quero imposições, quero apenas odores de Primavera por perto. Quero a vida que gerei, é minha, é o meu único e sólido laço com a terra.

Mas a vida não a ouve e foge-lhe...
Foge-me a vida, esta vida que me obriga aceitar o que não gosto e o que não tenho vontade, foge-me até a vontade.

Fugiu-lhe a terra debaixo dos pés...hoje, mistura-se com os escombros...

É outra mulher, que não se conhece e que não  reconhecemos. Daquele forte génio resta agora e apenas confusão e... palavras mansas. Foi levada para longe do mundo, encarcerada pelas grades numa casa de portas fechadas, à chave. Esquecida por Deus e no futuro pelos homens, deixou a sua marca profunda quando ainda conseguia gritar e espernear. Agora não, é a primeira a negar a realidade, não acredita em mais nada, RECUSA-SE.

Eu, de fora, assisto ao espectáculo cruel a que me obrigam, ao desmoronar  de mais uma mulher amiga, que perdeu as forças e se entregou de qualquer maneira à loucura de todos os dias com grades e de portas empenadas...

Queria resgatá-la, mas ela não vem,... não a posso obrigar. 
Foi por todas as obrigações que sentiu, que perdeu o amor próprio, quando apenas queria, o próprio AMOR. Não sabe mais o que isso é, não sente mais o quanto nos faz falta, não lhe sente mais a falta...melhor assim...


sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Imagens de momentos, a cores...


Hoje, vesti-me de preto. 
Nem sei porquê!? Nem ele sabe. Apeteceu-lhe colar-se a mim, o negro. 

Peguei num livro e comecei a ler. Era manhã. Corria uma brisa fresca. Sentei-me no muro à espera da minha boleia de verão. Cartas de Guerra, chama-se....Acrescento, cartas de guerra com muito amor e melancolia à mistura. Estou feliz, mas ontem estava mais. Pelo meio da felicidade que sinto hoje, são as dúvidas que me confundem. Talvez por isso, me tenha vestido de preto ou talvez não…Aconteceu à pressa.

Ontem, tudo era claro, tudo me parecia tão claro, porque estava acontecer. Era o momento.

Hoje, tenho comigo uma mistura turva, que não me deixa estar completamente feliz, como estive ontem.

Penso. As histórias começam e acabam todos os dias, mas apenas e só, porque, as interrompemos. Somos forçados. Somos forçados por tudo, até pelos nossos sentidos...Por tudo.
Temos sono. Não resistimos ou resistimos em demasia.  Podiam no entanto, perguntar-nos, se, é isso,  que queremos! 
Não era. Não queria…

Acrescentei um lenço ao pescoço com um padrão airoso e saí para a rua…tudo, se tornou mais leve e, por isso, menos denso. Havia, pequenos apontamentos escarlate. Nas mãos, no lenço e em mim.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Meg, o tempo não espera por ninguém...


(continuação)

...a meio caminho de casa, Meg despediu-se daquele  sol de fim de tarde e resolvera seguir outra direcção, rumou ao Norte, sem dizer nada a ninguém...

O vento frio permanecia a seu lado e começava a gretar-lhe os lábios. Meteu as mãos nos bolsos, das calças de ganga justas e procurou desesperada, o bálsamo que a podia aliviar e, que, sempre andava por ali. Gostava de fazer companhia ao telemóvel, ao isqueiro e aos cigarros, ainda por fumar. Procurou num e noutro bolso das calças e nada. Estava perto de dizer, um ou vários palavrões, quando começou a procurar  rapidamente nos bolsos do blusão. Impacientava-se naquela busca. Havia naquela procura uma intenção apenas, protegê-los o quanto antes, para evitar aquele ardor quente e seco, acompanhado de dor que conhecia de uma ou outra vez. Esboçou um sorriso leve  ao encontrá-lo, finalmente, dentro de um maço de cigarros vazio, que havia ficado esquecido para retardar a sua ida para o lixo, depois de dissecado ou despojado dos adornos. A película cor de prata para o lixo orgânico e o cartão para o papelão.

Aliviada, voltou a guardar o bálsamo à toa e de forma mecânica, num qualquer bolso colado a si.

Os seus pés, que tinham concordado com o destino a tomar desde o início,  caminhavam agora sozinhos sem qualquer indicação mental. O seu corpo ia atrás. Seguia agarrado e arrastado pelos próprios pés, sem questionar ou contestar a direcção tomada. Neste momento, eram a parte mais determinada de todo o seu corpo, bastava portanto, deixar que conduzissem o resto do seu esqueleto, uma vez que a cabeça, depois de aliviados os lábios, voltara atrás no tempo uns minutos, para questionar de novo os últimos acontecimentos.

Meg, fervilhava a relembrar cada palavra proferida pelas personagens que integraram aquele amargo momento. Relembrava, sequencialmente, pergunta/ resposta, pergunta de novo/ sem resposta, a mesma pergunta/outra resposta.  Lembrava os momentos em que inspiraram e respiraram, os sentimentos, as sensações que teve ao longo e no final da conversa, as expectativas que tinha antes de ligar, o sorriso  que se foi desvanecendo... A revolta que sentiu por alimentar o insólito que não teve capacidade para contrariar e lhe dar um outro rumo. A culpa que levou consigo e, que, a acompanhou nos minutos seguintes, até arrumar aquele pedaço de algodão amargo numa mala pequenina, dentro de outra mala um pouco maior, e, de outra mala um pouco maior ainda, à semelhança das matrioskas russas que assentes em móveis de outros tempos, relembravam um momento da história que ficou para trás e que hoje, foram atiradas e esquecidas para dentro de uma arca de recordações, que alguém vai lembrar um dia mais tarde, num sótão qualquer. Alguém, a quem aquele momento não diga nada, o que é razoável, porque não o vivenciou, logo não o sentiu com a intensidade dos intervenientes.

Pretendia sobretudo e apenas, recuperar  a tranquilidade e restabelecer a harmonia dentro de si e isso só seria possível obtendo a certeza, de que aquele pedaço de algodão amargo, não tivesse nunca mais a oportunidade, durante a sua existência de se vir a transformar numa enorme bola de neve. E, com o tempo e a serenidade que a caracterizava, voltou.

Quanto a ele, e ao eventual estado em que se encontrava antes do telefonema, que nunca identificou e nunca entendeu,  e ao estado em que ficou depois da conversa,  sentiu que de outra forma, de um outro jeito, também ele ficara magoado, mais magoado ainda, do que antes de ligar para ela sem sucesso. Sabia também, no entanto, que ele tinha uma forma diferente, um outro jeito de arrumar as coisas dentro ou fora de si, uma concepção diferente de arrumação. Raciocinava, tipificava, seleccionava e reciclava ao seu jeito, ao seu modo, como cada um de nós. Cada um de nós arruma as suas coisas à sua maneira.

Retomada a ordem das coisas quando o tempo quisesse, Meg seguia o seu novo caminho, sem hesitar. Seguia rumo ao Norte, até onde os seus pés a levassem ou até aguentar. 

Nos primeiros quilómetros que percorreu, durante esta minha longa explanação sobre o seu passado recente, posso dizer-vos, que a avistei sempre, apesar do meu discurso mais ou menos empolgado ou emocionado num ou noutro momento, nunca a perdi de vista. Foi recortando a costa tendo o mar por companhia...
De cima,  no miradouro, alcançou que a praia estava nua. O mar tinha levado muita da areia que deixou por  lá no último Verão, e viam-se-lhe os ossos acentuados. Todas as rochas que a constituíam eram visíveis. Desceu.

As anfitriãs eram as gaivotas,  adultas, que davam as boas vindas a quem por ali se aventurasse. Ao fundo das escadas da Praia do M., eram as fragas que se estendiam no caminho. O mar chão, balouçava baixinho, para cá e para lá enquanto  ela ia fazendo comparações entre aquele lugar onde tinha estado deitada apanhar sol  em dias de calor,  confortada pela areia, e o monte de geios que aquele mesmo lugar apresentava agora, hoje,  em plena maré frívola. Percorreu a praia cimentando todas as analogias que a sua memória conquistava recordar, das reminiscências que lhe restavam da última estação.

As gaivotas quedavam-se  e encontravam -se com os maçaricos do mar, que debicavam ouriços arrastados à força e deixados à vista pela inexistência da água; viam-se lapas pequenas, agarradas às rochas como crianças  em idade muito tenra, que temem os estranhos e nos virão a cara, rejeitando a medo, o desconhecido – Aliás, o que continuamos  a fazer mesmo depois de adultos, com uma dificuldade acrescida,  a de não termos a quem nos agarrar, o que torna tudo mais difícil -, momentos que nos postam à prova e que nos conferem, igualmente duas opções: ou o encaramos e o vencemos, tornando-nos mais fortes; ou, o medo toma conta de nós para o resto da vida, de quem seremos eternamente reféns.

Perdida em todas estas meditações que lhe  furtavam a raciocínios infindáveis, seguia o seu  velejo praia adentro. Adormecera, nessa noite, por ali, num banco de areia. Na madrugada seguinte, o Sol, que já ia alto e aquecia-lhe agora o corpo, sublimando a temperatura de tal forma, que a aliciava ao ponto de tirar o blusão roxo de penas. Colocou-o à cinta, onde similarmente gostava de estar.

Chegou  ao final daquela praia e só tinha uma desembocada, alar-se, como tantas outras vezes e encontrar de novo  a civilização. Era obrigada abandonar o mar, sozinho, por instantes. Foi o que fez, sem ânimo. Os ritmos seguintes seriam feitos ao som dos automóveis que transcorriam.

Poucos minutos e metros depois, feliz por ir ao seu encontro de novo, entrou no caminho de terra e pó amarelo que a levava à praia seguinte. Deixava para trás momentos de deleite, singulares, que lhe ofertavam a tranquilidade bastante e o prazer costumeiro da proximidade com a natureza.

Chegou à praia seguinte, praia E. A vista era sumptuosa, como, por tantas vezes havia atestado. Parou agraciar, olhava para um e outro lado e só via mar à sua frente. Um mar calmo, doce, absolutamente sedutor.  A cor e o cheiro que tinha, subjugava qualquer outro desejo  ou sentido que pudesse imaginar.

Desceu as escadas de madeira. Já ali tinha estado outras vezes, mas nunca porfiava para além daqueles degraus de madeira.

Hoje, era o dia em que granjeava uma contiguidade maior e a maré rasa franqueava a aventura. Sempre que tinha ensaiado descer a esta praia, coincidia com marés cheias e rebeldes,  com deferência, que se sabiam fazer respeitar. Por isso, nunca tinha conseguido ver para  a sua direita, o que existia para além de um cachopo impune e muito rocado.

Havia roupas espalhadas nas rochas, certamente de surfistas aventureiros, o que, com muito esforço alcançou burilar ao longe. De tão longe, eram tão exíguos.

Escaleou por cima de rochas a cuidado e rumou de novo a Norte. O livro, de quem já se tinha esquecido, mas que tinha resolvido levar hoje a passear, resolveu fazer-se notar e atirar-se para o chão.
- Bolas. Disse e, pensou.
Felizmente, que não resolveu mergulhar em águas fundas; pobres letras e palavras de Gonçalo se tivessem apresentado outras vontades, morreriam afogadas numa praia quase virgem que só é possível romper quando as águas nos permitem. Não queria o destino que aquela história ou histórias que transportava consigo, que todos aqueles personagens inventados pelo escritor, mergulhassem para além-mundo  dos livros, sem que ela o pudesse ler.

Recuperou-o, por entre o musgo verde-escuro que cobria de forma rala aquele rochedo  ainda jovem, carregado de covinhas de encantar,  cheias de água salgada onde existia vida noutras formas. Tinha a certeza.

Prosseguiu na mesma direcção, determinada, depois de ter derrotado e dobrado o rochedo maior atrás de si. Olhou em frente. E, viu uma praia pequenina de areia dourada, que não tinha qualquer pegada humana.

Estarreceu, enternecida...Era a primeira vez, que via  de tão perto aquela praia ...

Pieou a areia e cuidou, que esta teria sido a mesma sensação que teve, o primeiro astronauta quando pisou o solo lunar. Agigantou nos pensamentos, ela sabe, mas não se  importa com isso,... desfrutava integralmente do som do mar que tinha de volta aos seus ouvidos, da visão de uma praia completamente deserta, que era naquele momento só sua.

Que vontades esquivas, tomam conta de nós, de vez em quando. A sua alma estava feliz, era o que importava. Atravessou-a, ainda mais para Norte. Olhava para trás e via ao longe uns pontinhos pretos, que os seus olhos não conseguiam identificar com precisão, o que deviam ser os dois surfistas conquistando ondas dóceis.

Imaginou que pudesse estar na direcção do Velho Forte, porque não conseguia fitar nada senão uma encosta muito alta com ar de Adamastor, como se fosse um gigante que estava ali para não deixar passar o mar.  Dobrou aquela proeminência costeira e encontrou outra praia, mais pequenina ainda, com ar envergonhado, igualmente, de acesso difícil.

Não lhe conhecia o nome, mas era uma praia guardada pelo Velho Forte, que antes da existência deste, não era guardada por ninguém. Este, seria o seu velho e único amigo, que jazia em ruínas a seu lado, para, o que desse e viesse. Estava decidido a tomar conta dela até ao seu fim. Talvez, fossem avô e neta, não cheguei a perguntar a Meg, imaginei apenas.

Por momentos pensei descer e alcançar a praia RD, mas as forças, o cansaço e a sensação de que aquela costa era interminável retiravam-lhe a vontade de continuar. 

A determinada altura, voltou para trás, subindo e descendo pequenos rochedos,  até se abalroar de novo, na praia de areia dourada. Não havia pássaros por aqui, nem gaivotas, nem maçaricos. O Sol estava demasiado quente para Dezembro e obrigava-na a fazer uma pausa para descansar.  Bebera as ultimas gotas de água que restavam no fundo da garrafa que levara consigo. A paisagem e o silêncio eram ópio. Pousou os pertence que tinha em cima do casaco roxo e despiu-se…O mar de um lado, a terra do outro…repousou, e  flutuou...

…voltou à reminiscência quando já se encontrava sentada num banco de pedra, à sombra, longe daquela praia de sonho. Descalçou-se, e foi quando entrou em Jerusalém com a devida atenção e respeito. À sua frente tinha agora uma louca, Mylia, que estava doente, um médico chamado Theodor e Hannah, uma jovem prostituta, que a aguardavam carentes de atenção e cansados. Dedicou-lhes uma hora do seu tempo e retomou o caminho...

Atropelavam-se as imagens, as palavras, as frases, os momentos, os pormenores...



terça-feira, 16 de agosto de 2011

Meg, o tempo não espera por ninguém...(Capítulo Miguel=Liguem)




(amiga, este é para ti, ... sabes porquê; :-))  acrescentei alguma ficção aqui, de pormenores que desconhecia, mas creio que o essencial está...)

 A última vez que Meg ouviu a voz dele, havia muito tempo...

...mas, ela ainda se lembra... daquele último telefonema, quando a intensidade ainda pairava no ar...

Ele tinha ligado para ela duas ou três vezes antes, mas Meg, havia resolvido repousar naquela tarde e sonhar apenas com o que poderia estar para acontecer, com o que lhe reservava o futuro...
 O telemóvel... tinha-o colocado no silêncio, não suspeitando que pudesse haver qualquer razão urgente, para falar com ela. Tinham trocado graças, e conversas sérias durante praticamente toda a manhã, por isso nada o fazia prever. Meg, desconhecia completamente a vida daquele homem. Não podia sequer imaginar, o que se passava com ele, ou o que sentia naquele dia em particular. Parecera-lhe bem, de manhã. Era um dia soalheiro de Inverno.

Quando acordou e viu as várias chamadas perdidas no telemóvel. Saltou da cama, num repente. Vestiu-se à pressa e saiu. Havia já mandado uma mensagem de resposta a dizer:
 - Já te ligo.
Desceu a rua. Confusa, baralhada,  preocupada e com um ténue sentimento de culpa que não sabia perceber qual a origem. Aventurou-se o mais rápido que pode rua abaixo, procurando o lugar mais sossegado ao cimo daquela terra, onde pudesse ouvi-lo e fazer-se ouvir com a tranquilidade necessária e por tempo indeterminado. A passos largos, culpabilizava-se por não ter ouvido o sonido do telemóvel quando ele tinha ligado a primeira vez,  a segunda, e a terceira vez, ao mesmo tempo que desejava ouvir do outro lado, quando ligasse de volta, o que inúmeras vezes desejou ouvir. Qualquer coisa, que a fizesse acreditar que o que havia acontecido pouco tempo antes, de forma efémera, pretendia alguma consistência num novo plano.

Ofegante, escolheu o lugar. Sentou-se no chão, encostada a uma parede resguardada, onde apenas o sol sabia o seu paradeiro, respirou fundo várias vezes até restabelecer a respiração e, pronta a pedir desculpa, por não ter estado disponível no momento em que ele havia ligado para ela, cheia de vontade de ouvir a sua voz, teclou o número.

- Alô?!!!!!!Repetiu o seu nome, soletrando cada vogal e consoante, como gosta de fazer...
- Ligas-te-me?!!!!! Vi três chamadas tuas no meu telemóvel...desculpa, estava a dormir a sesta e tinha-o colocado no silêncio...passa-se alguma coisa?

Do outro lado, alguém, sem a deixar acabar, respondia em tom irónico...- Euuuuuuu? Nãoooo, não te liguei vez nenhuma....!!!!

Meg, ficara inicialmente confusa com a resposta. Julgou que brincava. Insistiu no entanto na mesma pergunta, mantendo um leve sorriso nos lábios visto por ninguém, nem por ele. Ouvia a sua voz finalmente, de novo, estava cheia de saudades e estava feliz.  Não havia muito o hábito, entre os dois, de falarem ao telefone. Do outro lado, insistiam na mesma resposta, sem acrescentar nada mais.
 - Eu?!!!! Não. 
 Respondia ele, agora, de forma peremptória. Fazia-se silêncio. Enquanto isso, Meg, desmoronava aos poucos a cada palavra vinda do lado de lá.  Pareciam-lhe carregadas de abandono, de tristeza, de responsabilização, de despeito, de raiva, de solidão, de ironia e desilusão à mistura. Ele, estava claramente, desiludido e magoado com ela. Era notório.

Culpava-se e entristecia.  Estava desfeita por ter deixado passar o momento, aquele momento, o momento certo, em que sentiu que deveria ter estado presente e não esteve.  A sua consciência maltratava-a ao mesmo tempo que tentava ouvir o discurso difuso. Em simultâneo tentava concentrar-se, para não perder nenhuma palavra, nenhum bocejo, nenhuma respiração vinda do outro lado da linha e pensava de que modo poderia reverter a situação. Mas, era já tarde. 

Resumia agora, tudo no desejo profundo, de dar uma nova ordem às coisas, àquele momento insólito, uma nova ordem às palavras proferidas por um e por outro, uma nova ordem aos sentimentos que atropelavam os dois,  uma nova ordem, que levasse aquela conversa para  um lugar onde a harmonia tomasse conta de um e de outro, deitando palavras fora, horas a fio, para no fim desligarem e deixa-los com uma sensação boa. Tinha uma vontade enorme que o tempo parasse ali, naquele instante, que fosse dotada de capacidades sobre-humanas ou, que, por artes mágicas fosse parar à sua frente, olhos nos olhos, dar-lhe um beijo para o sossegar, abraça-lo, perceber o que se passava, porque razão lhe ligara.

Questionado de novo por ela, com o carinho possível entre os dois, pela diminuta intimidade, acabou a ouvi-lo dizer,  que: - Não lhe queria nada, que já nem sequer recordava porque razão lhe tinha ligado.

O tom de voz,  tinha perdido metade de tudo o que tinha no início para dar  lugar a pura desilusão, ao mesmo tempo,  que lhe dizia também sem o dizer: Não posso contar contigo, não estás presente quando preciso de ti....e, dizia mais, não te conheço de sítio nenhum, brincas comigo e com o que sinto, que pena, começava a confiar em ti... E, voltou a dar mesma resposta, várias vezes. 

Meg, profundamente triste, ouvia isto tudo  e desiludida, mais consigo que com ele, não aguentou aquele diálogo que prontamente, caminhava para um monólogo e atalhou a conversa de forma a não sofrer mais. Interrompeu o seu discurso curto e repetitivo para lhe dizer:
 - Ok  ----- ,  não te recordas!!! Era perceptível a tristeza nas suas palavras, que ele não conseguia ouvir.
- Então, se entretanto te recordares, liga-me ok,  -------?!!!Sentia-se vencida. Entendia aquela batalha como, completamente perdida, e não se perdoava o facto de não ter tido a inteligência emocional suficiente, para alterar o rumo daquela história que nem tinha começado.

Levantou-se cerca de meia hora depois, quando racionalizou tudo e tentou arrumar aquele momento no sítio que lhe pareceu mais adequado, para que não doesse tanto, como faz habitualmente. Aquele chão onde antes se sentara sem notar que era de pedra, notava-o agora, frio. O frio vinha de dentro dela e espalhava-se. O sol desaparecia também e levava-a de volta a casa...

Hoje, continua a perguntar a si própria, o que seria que lhe queria dizer, aquele homem, naquele instante...que não voltou a ligar para ela, nem ela ligou de novo...


terça-feira, 9 de agosto de 2011

O livro dos dias...


 A praia estava deserta, sarapintada apenas por almas vivas aqui e ali...apontamentos de gente...

Olhava em redor e satisfeita pelo silêncio, recordei-te ao fundo, no meio das fragas, onde havias estado outras vezes, noutros tempos, em que o amor te alcançava e te fazia percorrer quilómetros. Naquele tempo, eras um aventureiro errante à procura de companhia. Olhava na direcção do teu lugar e desejava que estivesses por lá, ao sol e ao vento, de corpo salpicado pela maresia, ouvindo o som do vaivém das ondas, que ora te queriam e iam na tua direcção, ora fugiam de ti e se afastavam, a "medo".

Foi assim, que me senti, por fim, quando as primeiras chuvas desapareceram para dar lugar ao Sol incerto deste Verão envergonhado.

O vento acariciava o meu cabelo, ao mesmo tempo que me soprava baixinho, tranquilizando a última dúvida que restava a teu respeito. - Deixa-o ir, deixa-o ir... E, sem justificar, não argumentava nem fundamentava a decisão que me anunciava...concordava apenas, comigo.

Foi o que fiz, deixei...No entanto, continuo a ver-te ao longe,... muito longe, sem qualquer esperança ou desejo de voltar atrás no tempo. Lembro, entristecida, as vezes que vagueaste ao largo de mim...mas, desta vez, não te vou deixar voltar, apesar das pedras e da areia daquela praia esperarem por ti...ainda, hoje.

Vejo, que a maré sempre que enche te procura, naquelas pedras, que a cada noite mudam de sítio. Eu, não.

Joana, adormecia uma vez mais, com o seu livro predilecto nas mãos, não sem antes de fechar os olhos... 

Olhou em volta, tal como a personagem principal da história que acabava de ler, também ela estava na praia, quase deserta, numa outra praia onde reinava o silêncio...mas, em tudo encontrava semelhanças, na descrição do lugar, nos sentimentos, nas conversas regulares que tinha com o vento, na trocas de ideias com as ondas e com as marés...adorava permanecer assim, inerte, tranquila, sossegada, a sentir o calor do Sol aquecer-lhe a alma, que a cada vez notava mais fria...e, a conversar com a natureza...

...por, tudo em geral e nada em particular...


 Por que razão muitos de nós procuram incessantemente o que não precisam, compram o que não querem sem que lhes faça falta, gritam com os mais fracos, têm um semblante pesado, riem e de imediato choram, vivem angustiados e ansiosos?...Porque não identificam com clareza o que lhes faz falta, em vez de nos enganarmos todos os dias?!!!...não entendem, sabem apenas que permanecem descontentes... Há sempre alguma insatisfação lá dentro...e, voltam a procurar, por aqui, por ali, por todos os cantos de si, por todos os cantos dos outros...permanecendo, insatisfeitos. Alguns destes, têm tudo! Quero dizer, têm tudo o que os outros lhe cobiçam, o que faz com que acreditem que encontraram o que procuravam realmente...

Enganados, um dia acordam e verificam que não. Afinal não era aquilo o que procuravam. Outros, só percebem que apesar do esforço e da determinação objectiva que os faz alcançar a cada esforço mais e mais, continuam na esperança de vir a encontrar o que lhes faltava. 

Há ainda, quem desde sempre teve muito, daí que, nem sabe bem o que procura ou se procura alguma coisa de facto. E, aqueles que nunca tiveram nada?!Será que são dotados da mesma capacidade absurda de insatisfação permanente? Talvez sim e talvez não. Talvez sim, porque nada têm, ou talvez não porque o seu tempo, a sua vida, é preenchida exclusivamente adquirir, sem ter tempo para pensar. São muito mais as conquistas que este Homem terá que fazer, do que aquele que nasceu com tudo o que queria...no entanto, também este insatisfeito...

Todos os dias assisto a desabafos, uns mais sentidos que outros, mas todos acabam por ser, queixumes e mágoas de vidas que se vivem por metade, porque lhes falta sempre qualquer coisa...Ou será, esta a condição humana que esta vida nos reserva?

Se assim é....onde reside então o dia D, o equilíbrio fundamental à existência humana sem muletas barbíturicas, sem  paroxetina,  fluoxetina ou sertralina... Qual é a formúla química para homens e mulheres, crianças e animais viverem em harmonia e com amor, de forma serena? ... Onde seja possível desfrutar a vida  e transformá-la apenas num orgasmo permanente..., bom...

...Já não falo para ninguém. Falo para mim, só para mim... Há muito que me deixei de retóricas para os outros...tenho apenas para mim, as minhas convicções a respeito e a propósito...

A solução está no amor, no afecto.
E, nas suas diferentes formas... de se espandir, de se espalhar...

O Homem nasce e cresce  no seio da família ou num núcleo qualquer idêntico... Assim, a dimensão que a sua família lhe Der,  será o seu  ponto de partida...onde, cada um tem o seu, com uma dimensão distinta...Receber, quase todos sabemos fazê-lo, mas, é em dar, que reside a verdadeira dificuldade...Penso: Se não sabemos dar e, como resultado... damos pouco, são poucos os que o recebem...e a insatisfação sobrevive por entre nós, enquanto tiver de que se alimentar.

Somos nós que alimentamos este monstro que cresce a cada dia, ao nosso lado...enquanto 12 milhões de pessoas morrem, literalmente, de fome...e, nós, morremos empanturrados de tudo, menos do que nos faz verdadeiramente falta...


terça-feira, 2 de agosto de 2011

Escombros e gritos a várias vozes...


- NÃO ACEITO A CONDIÇÃO QUE ME IMPÕEM! Gritava aquela mulher baixinho em sofrimento, para dentro dela. - NÃO QUERO. MEREÇO MUITO MAIS E MUITO MELHOR, QUE O QUE ME OFERECEM AGORA! TENHO A CERTEZA!...Voltava a gritar em desespero...E, eu!!!!!!?
- Eu ouvia os seus gritos de sofrimento e de agonia e sofria solidária...sem quase nada poder fazer.

A sua voz dizia outras coisas, quando falava...e, eu ouvia...
Resignada com a decisão tomada por outros, por pessoas que amava e de quem se sentia "escrava" com "prazer" e  por "prazer", condição herdada por gerações no feminino, a que se habituou como profissão,  não queria fazer sofrer ninguém, preocupar ninguém, alterar as rotinas de ninguém e tentava de forma ordeira como toda a vida fez, compreender, convencer-se de que aquilo era o melhor para si e sobretudo o melhor para eles, uma vez que a decisão tinha sido aquela.

Acreditava que... - Jamais aqueles que amo e amei de forma incondicional, por quem sofri, padeci, me humilhei e passei fome... serão capazes de não zelar pelo melhor para mim, agora, que me faltam tão poucos anos para me ir embora e deixar em paz o mundo dos vivos...Apesar de tudo isto, concebia  ainda, mais um sacrifício na vida pelos que ama, fazê-los felizes pela decisão que haviam tomado...absurdamente, e, contra minha vontade...

...mesmo  no fim da vida, ...fazia-o por eles...

- Não lhe restavam forças para contrariar, retorquir ou até se impor...
Como eu a compreendia...Sentira isso com a minha mãe, quando passei a ser mãe dela... e ela deixou... tranquila. 

Não há uma determinada  idade na vida para que isto aconteça. O fenómeno acontece por necessidade dos pais, são eles que o definem e nós os filhos apenas o sentimos,... que dali em diante, passamos a ser pais deles. Acontece a todos nós, os mais novos..., que apesar de já não sermos muito novos pois os mais novos são os nossos filhos, a quem apelidamos de netos... velhos ainda não somos,...E, os mais velhos sentem que foram ultrapassados pela rapidez do mundo à sua volta, enquanto tratavam de nós. Um dia saem a porta, e verificam que tudo mudou, tão de repente, sem que lhes fosse dado tempo para o acompanhar.  

É nesse dia, que os pais se sentem filhos de novo e os filhos se sentem, então, pais realmente...mesmo, depois de terem  filhos.

Acordo e adormeço a ouvi-la... a ouvir o seu choro envergonhado de criança sozinha, que se sente abandonada, à noite, no quarto da Sãozinha que vive ali vai para dezassete anos. A Sãozinha já não sente, ou sente pouco...dezassete anos depois...

- A comida é muito boa, diz para si mesma baixinho...- Elas são carinhosas comigo, diz para si mesma baixinho...- Isto é muito limpinho, diz para si mesma baixinho...e, tenta esboçar um sorriso para si, baixinho para não acordar a Sãozinha...E, diz o mesmo a quem a vai visitar...

- ESTOU INDIGNADA, digo eu agora....quase a rebentar.!..Respiro fundo, reformulando os meus pensamentos e os meus sentimentos a propósito...- ADMIRO ESTA MULHER e GRITOOOOOOOOOOOOOOO.
- Estou-me nas tintas para a Sãozinha...
- Que me oiça, que acorde com os meus gritos de raiva e de insatisfação,....... não me RESIGNO com a nova condição que lhe atribuem.....

Fumo...e assisto à chegada por todas as portas que circundam aquela sala grande,  feia, com um pé direito alto e contígua a outra, onde arrumados em fila em sofás e em cadeiras, se encontravam depositados corpos, alguns estragados pela vida e pelo tempo, de cabeças vazias ou meias vazias pelo torpor de vidas tristes e já sem vida...à chegada para uma das refeições. Alguns roçam de muito perto a loucura, não sei se a trouxeram de fora se a adquiriram aqui, mas não faço perguntas...Não quero ouvir as respostas...Sentam-nos, quase encastrados, colocam-lhes os babete - avental para não sujar a roupa de 2ªfeira...porque, à noite vão para festa e têm que ir bonitos e apresentáveis...ou, porque só têm aquela muda!!!...ou, porque sim e pronto.

...e, enquanto a oiço, porque ainda não a liberei para jantar....olho em volta..., a cena é de um horror cinematográfico, muito próxima de alguns filmes que vi...não há empregados na sala, apenas hóspedes, ninguém tem um ar são e alegre, ....é o nosso destino... dirão os que ainda conseguem proferir palavras...resignados com a vida.

Vidas no feminino e no masculino que já não significam nada....!!!!!, nem para eles nem para ninguém...O silêncio e o meu momento de absurda contemplação é interrompido por uma mulher numa cadeira de rodas que não pára de dizer....Aiiii, Jesussss que me estou a sentir mal, sentada em frente a outra muito mais nova, que olha para ela de frente, mas não a está a ver, porque não  quer ver nada. Curiosamente, tinha-a visto antes na sala contígua da televisão, igualmente feia, a dar um beijo nos lábios a um senhor de mais idade... o que me chamou atenção, ao ponto de me questionar, será este um namoro arranjado aqui?....será, que aqui, ainda há amor em qualquer lado?...onde se manifesta?...


....Via, olhares perdidos por todos os lados, desinteressados de tudo, cabeças desmoronadas em cima de corpos desmoronados ou inertes... Alguém esboçou um sorriso, chamou-me atenção...Era um homem lúcido, um hóspede, alguém ainda agarrado à verdadeira vida que não queria largar,... que loucura seria a dele para ser ali hospedado? ..foi o único que vi a ler naquele final de tarde, os outros ou dormiam ou dormitavam entregues às poltronas ao som de uma televisão que debitava informação em nada importante para aquela gente. Haviam perdido a vida ainda vivos, que lhes interessava as notícias?... Um passeava para trás e para à frente, arrumava cadeiras no lugar certo, punha mesas direitas, de bengala numa mão e arrastando o corpo, aquele peso, que se lhe dessem a escolher o deixaria para trás...toda a tarde vagueou por entre os vivos, mortos, quase mortos diria.  Reparo numa mulher, que não tinha visto até então, devia ter estado toda a tarde a arranjar-se, desceu para o jantar, chegava como se tivesse sido convidada para ir ao restaurante...cabelo apanhado num carrapito tradicional, vestia de forma clássica, camisa beje devidamente abotoada e saia preta comprida, meia de vidro e sapato a condizer. Tinha um ar distinto, aneís nos dedos, vinha de mala na mão. Fiquei espantada. Não proferiu uma palavra. Chegou, sentou-se em frente de outra mulher com quem ia partilhar aquela refeição, ninguém cumprimentou ninguém. Pousou a mala com cuidado, com extremo cuidado, enrolou a pega da mala e abordou o assento da cadeira de forma elegante.

Havia em todos aqueles gestos, deliberados ou encomendados pelas mãos de alguém... uma estranha forma de estar...de sentir...e, de viver o fim da vida...

Começavam a distribuir inofensivos copinhos de plástico pelas mesas, com bolinhas coloridas lá dentro que pareciam divertidos e felizes por irem ser engolidos por bocas santas, que se não o fossem acabariam por ficar passado pouco tempo após a sua ingestão.

Os hóspedes não ficaram nem felizes nem descontentes por vê-los, nem por saber que iam alimentar os paladares de boas recordações, ...como antigamente, noutros tempos, quando viviam nas suas próprias casas em que faziam a comida com gosto e mesmo antes de comer as papilas gostativas davam pulos de contentamento... quando os sentidos ainda estavam vivos dentro deles...não respondiam aos apelos mais instintivos....reinava por ali a apatia..., a indiferença...a vontade nenhuma de agradecer à Vida um dia terem vivido...

...felizmente, ela já quase não vê...
INFELIZMENTE, EU VEJO...TUDO...E, NÃO QUERO...POR ISSO, GRITO DE RAIVA E DE DOR e falo por mim e por eles...


segunda-feira, 18 de julho de 2011

Questiono: Porquê?; O quê?; Como?;Quem?; Quando?; Onde?...


Porquê?
Porque tem o meu coração vontades súbitas de se expressar? Porque tem o meu cérebro saudades emergentes de querer partilhar com o meu peito, o que a minha alma me diz...Até hoje desconheço. Não encontro uma resposta....Mas é verdade, sinto-o.

O quê?
Um sentimento alegre, mas controverso e diverso, que se espalha pela aurora do final de cada tarde numa luz ténue e me lembra cheiros e significados. O que é...vem cá de dentro, do fundo,... bem do fundo do meu âmago. E, enquanto não explode ou rebenta, não sossega, nem me dá sossego...

Como?
Aproveito portas e travessas e deixo as palavras sair, jorrar por entre os meus dedos feitos boca. Muitas não têm nexo ou sentido...surgem soltas, desgarradas, desfasadas, decididas sem pedir autorização. Outras vêm juntinhas, encostam-se a mim com carinho, encaixam-se, onde tudo faz sentido do princípio até ao fim.

Quem?
Eu...alma de ninguém multicolor que abrigada dos outros encontra o refúgio apenas dentro de si. Translúcida; sonhadora inveterada; gipsofila;  de uma loucura sã; de inocência adulta; fraga do ventre de alguém; forte e fraca nos momentos; que geme quando é preciso e faz gemer quando passa; criança nos seus desejos; que ama a vida e a guarda; que encontra a felicidade em apontamentos; Maria de sonho e de nada, insignificada.


Quando?
...nos momentos mais disformes, inadequados...onde nem uma caneta tenho à mão...nem paz, nem perdão; ...para acalmar a minha ira, amor, ou indulgência expressiva de uma vontade súbita de viver e significar algo mais, junto de alguém ou de mim.

Onde?
Num universo qualquer, onde a Ordem exista e persista...

Vivemos num mundo padrasto, que nos bate sem motivos, que nos divide, que nos compra, que nos vende ....que é austero e arrogante..........se, não for os "mimos" que podemos dar uns aos outros em cada gesto, a cada dia, para que serve a nossa existência?

... a  minha existência está resolvida...

sábado, 16 de julho de 2011

The gift...


Sonhei um dia dar-te o Mundo, mas tu recusaste. Foi um dia que não esqueço...Um presente recusado...num passado..

Naquele dia a minha alma amanheceu cheia, cheia de amor, de carinho e de compaixão... para te dar tudo. O Mundo, era o exemplo maior da minha generosidade. O presente que representa tudo para mim...

...mas, assustei-te sem querer. Quando de mãos estendidas, te entreguei este presente, numa caixa bonita com um laço exuberante.

Desconfias-te...
Não estavas habituado, a que um estranho tivesse tanto para te dar, assim, num repente...

Olhavas para ele incrédulo. Perguntavas-te - Porquê?!!!...Se estaria a brincar com os teus sentires mais profundos que ninguém conhece?!!!...Não estavas realmente habituado à generosidade que existe, de vez em quando, entre os Homens...

No entanto, houve momentos em que senti que querias receber, que tinhas vontade, que te apetecia, que desejavas, que sonharas com isso, tal como todos nós sonhamos...
Mas, as interrogações a meu propósito, eram maiores, eram gigantes....e,  a vida, tinha-te feito acreditar que já tinhas gasto todas as tuas oportunidades...
A esperança..., que ficara para trás, para os outros...

...Procurei, sem conseguir, diferenciar-me.
Tu, quase viste o que te quis fazer notar...

Um dia, percebi que o momento tinha passado,  tão rapidamente, levando-te com ele...
Procuraste a racionalidade de ti...distanciaste-te dos sonhos...

...e, entendi, que não passei de uma névoa boa, por instantes, aos teus olhos. 
Um translúcido momento de esperança, de que a vida afinal até pode valer a pena...

...A oportunidade.
...A oportunidade.

Muitas páginas depois. ...ainda hoje me questiono e procuro as razões das tuas dúvidas...
Percebo agora, que quem não acredita na generosidade da vida,  uma vida quase metade,... vacila e não sonha...

Eu continuo com o Mundo nas mãos para te oferecer, ...pelo prazer de te dar..
.Reformula e recebe-o...vindo das minhas mãos ou de outro alguém que te queira oferecer...
Dá, o prazer de dar, a alguém...

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Olonam de papel ...



Olonam  procurava um destino, uma história onde se pudesse aninhar. 

Tinha nascido no meio de conversas, contos e lendas, sonhos e fábulas a roçar a imaginação,  mas também a realidade dos ensejos e dos vagares. Não tinha pretensões...

Gostava apenas de vaguear sem destino e aproveitar cada momento, tirando prazer das situações por onde passava. Observava cada gesto dos outros, cada atitude, cada vaga, cada jeito, cada tono ou emoção sua, ou alheia ...e aprendia. Emocionava-se. Gostava de se emocionar. 

Acreditava que a vida sem emoções e sem afectos não valia a pena. Estava afeito desde Novo, a viver por entre as verdades da vida e não se inibia ou virava costas às alegrias ou às tragédias. Também não as vivenciava com intensidade. Prefere notar, vir, atentar, explorar, tentear, com a arreda necessária de um narrador omnipresente, ubíquo. Isso basta-lhe. Preenche-o.

Olonam,  quando era menino acreditava que todos os homens eram  trechos de Deus. Hoje, já homem maduro, consorciado, adulterado, acredita que Deus está para, acolá dos homens e que apesar de todos eles serem tocados por Ele numa qualquer etapa da vida, se distanciam da sua fé e muitos morrem sozinhos. 

Olonam, não tem pretensões. Vive cada história apenas com convicção e por crença.

...Contudo, Olonam é ténue, é de papel, daquelas árvores transformadas e que de verde mudam de coloração e se enraízam. Olonam, enraizou-se numa história que começou em fragmentos e que um dia terá consistência. Corpo de Homem e Corpo de Deus.

Não tem fronteiras...

Por onde passar, deixará rasto, indício, a sua índole. Olonam ficará para sempre esculpido nas árvores e cinzelado no papel.

- Tudo isto, se valer a pena, claro. Nunca será Olonam, apenas porque Sim.


segunda-feira, 30 de maio de 2011

O céu pode esperar...


...não sei porque tudo começou... já tinha a cabeça na almofada, depois de uma manhã que se estendia tarde a dentro na discussão de tarefas misturadas com muita retórica e formalidades...quando os meus olhos começaram a pesar mais que o meu corpo e voei no insólito...Eramos três dentro do carro, ...eu, tu ao volante e alguém no banco de trás. Sentia uma alegria estonteante sem procurar saber a razão... talvez porque decorrido todo um tempo em que estivemos separados e que a distância não nos deixava aproximar, pela incompreensão do que cada um de nós queria da vida, realizava um desejo escondido, secreto de acalmar uma inquietude por mim vivida acordada. É difícil explicar a alegria sentida... perguntava-me, porque me encontrava ali, com aquelas duas pessoas de rostos semelhantes... o que faziam aquelas pessoas ao pé de mim...olhava para um e para outro, sem entender, mas feliz.

Repentinamente, debruçado e inclinado sobre mim, estavas tu...envolvias-me o pescoço e o regaço com os teus dois braços de forma leve, amistosa, senti-me um pouco embaraçada, sabia que não estávamos sós, de seguida estendias-me um beijo envergonhado, na penumbra do alcance do passageiro do banco de trás, ...ao mesmo tempo que eu recebia aquele acalorado carinho sem me questionar, sabendo-me bem a envolvência que me propunhas, sem qualquer outra intenção de ir mais além... chamei atenção, afinal ias a conduzir  por um caminho sinuoso e avançando em frente a significativa velocidade...desvalorizaste o facto e tranquilizaste-me...deixei-te continuar agarrado a mim.

Recordo-me que a determinada altura e quando vi que estavas a perder o controle da situação e o controlo de ti, permanecendo eu, sem me mexer do meu lugar e saboreando apenas os carinhos que me oferecias,... que, em simultâneo me ocorria abrir a porta do carro e atirar-me berma fora, por pressentir que algo mau estava para acontecer...receei e preferi acreditar que não...lembro-me de te interpelar, para que tomasses consciência do que estavas a fazer, voltaste a contrariar o meu receio, ....trocamos algumas palavras que acompanhavam a velocidade a que seguíamos estrada fora,... inúmeras curvas...

Desabafaste algumas palavras, dizendo que não sabias explicar aquele momento e a confusão que estavas a sentir, eu... tentava orientar-te, colocar-te no caminho da razão, da racionalidade, na estrada estreita por onde seguias e nos fazias seguir,... De trás não vinham novas, palavras nenhumas...e, arrisquei dizendo, ao mesmo tempo que os meus olhos alcançavam uma solução para evitar o pior, apesar de o lugar ser escuro, numa clareira à entrada de um pinhal... a seguir a uma curva inclinada à direita, disse: Pára ali à frente, por favor...(é o sítio ideal, há espaço para acalmar e entender o que acabou de se passar dentro de ti, dentro de nós todos, clarificar eventuais equívocos, dúvidas, ....respirar fundo, oxigenar o cérebro...) Conforme proferi aquelas palavras senti o guinar do volante para a direita ao mesmo tempo que o carro tentava subir aquela curva onde vivia a minha esperança...ele acelerou desesperadamente, até onde o motor o permitiu para conseguir concretizar a manobra e o carro voou em direcção ao céu, levantou verticalmente e o meu coração disparou, tinha os olhos abertos, uma sensação de aperto onde a voz perdera a expressão e só se ouvia dentro de mim... Acabou, a seguir morreremos, pensei... quando, o carro for contrariado pela força da gravidade e retornar no sentido inverso contra a terra, contra o chão... previa o som do impacto da matéria, daquele corpo e daqueles corpos contra o chão...não queria assistir, sentir, desejava morrer antes que aquele instante acontecesse...fechei os olhos, não senti...tudo não passava de um pesadelo...

domingo, 29 de maio de 2011

The Beagle Boys...Contemporâneos.



Vou contar-vos como adquiri o meu piano...

...a meu pedido, Patacôncio,  procurava um piano. Gostava de música e isso bastava-lhe...Fixara-se em dois filmes a que tinha assistido no cinema em mil novecentos e qualquer coisa, em que ambos tinham um protagonista, um piano de cauda, Stheiwell,....

Patacôncio, gostava de se imaginar naquela praia ao largo da costa da Austrália a tocar piano, com o vestido arrojar pelo chão de sapatos molhados ou no meio da II Guerra Mundial ao lado do Reich, naquela sala perdida e destroçada pela guerra, a tocar Chopin...Patacôncio, era um ladrão erudito...

Um dia contactou com os Beagle Boys, que andavam sem nada para fazer...Falou com o 176-671, este atendeu de imediato ao seu pedido. Havia uma relação próxima entre estes, o 176-671 e o 176-761, trocavam frequentemente, histórias de experiências sobre delitos e discutiam com precisão todos os detalhes,  locais, objectos a roubar, cofres espalhados por aí, segredos de cofres,...  Conheciam todas as prisões do país, mas também todos os caminhos para fugir de todas elas,...

Uma vez, na tentativa de fuga de uma prisão, escavaram um túnel que os levaria para fora dali, mas por engano foram parar ao País das Maravilhas. A estadia foi curta por lá...eram muito trapalhões,..tropeçaram na Alice, partiram o relógio de bolso ao Coelho Branco, pisaram o rabo do Gato Cheshire, roubaram o chapéu ao Chapeleiro Louco e claro está, acabaram a fugir da Rainha de Copas entidade suprema naquele país...em pouco tempo viraram o país do avesso. Voltaram de novo para o mesmo túnel, que os levou de volta à prisão. 

O 176-671, falou com o 176-761 e com a ajuda do 176-176 ultimavam pormenores para o roubo do instrumento.

Depois, de inúmeras vezes tentarem roubar sem sucesso a Caixa-Forte do Tio Patinhas eram obrigados a fazer furtos de pequena monta, para fazer jus à profissão. Ao mesmo tempo que davam muito trabalho ao Mickey e ao Coronel Cintra para defender o património do seu tio. Patacôncio, arqui-rival de Tio Patinhas, não lhe perdoava o roubo da namorada na sua época.

O Vôvô Metralha desmemoriado permanentemente e a Titia Metralha que faziam parte da família, muitas vezes queriam ajudar e juntavam-se à quadrilha apenas para criar resultados ainda mais desastrosos. Este trio de metralhas, muitas vezes eram  ajudados ainda por mais um ou dois não ultrapassando os cinco, desde que houvesse pijamas às riscas. Havia ainda um Primo Azarado (1313) e o Meio Quilo (1/2), para além dos sobrinhos Metralhinhas que adoravam pregar partidas aos rivais sobrinhos do Pato Donald. Outros bandidos havia em Patópolis, Mancha Negra, Bafo de Onça que competiam com os metralhas, sempre contribuindo igualmente para o final desastroso.

Os anos passaram, eles foram envelhecendo dentro dos seus fatos às ricas, pretos e amarelos...hoje, já pouco ou nada roubam, muito menos um piano. Não têm força para o carregar. Quando eram novos e empenhados, trouxeram-me um  cá a casa, o que guardo aqui na sala , preto, com as teclas em marfim. O piano é o instrumento que mais gosto,...mas também confesso que não deixo de sentir uma empatia  pelos irmãos- metralha, talvez por ter lido tanta banda desenhada.
Que saudades...



domingo, 22 de maio de 2011

A solidão dos bombons...


Joana, completava uns cheios 83 anos,  por altura da troca de prendas, vindas de quem se gosta e outras, a quem se dá por educação; por altura da criação de quadros e fotografias fingidas de  famílias unidas;  por altura de fantasias, das histórias que nos contam em criança, e infundadas vocações, que só surgem nesta época nos espíritos mais sonhadores, sempre e sempre em redor de uma árvore enfeitada e colorida, que sem ter culpa de nada, nem de pena para cumprir, acaba decepada e a fingir  como a maior parte de todos, os que brincam de solidariedade, compaixão, fraternidade, amor pelo seu semelhante. 

Era uma mulher simples, lutadora, que a vida obrigou muitas vezes a crescer depressa e a ser forte. Quem a olhava, via apenas uma mulher franzina. Quem a conhecia, sabia que era muito maior do que o que víamos de facto.

Preenchia os seus dias com pequenas coisas. A sua vida dependia do Verão ou do Inverno para sair de casa.

Adorava, ver os momentos do Peter Pan entre as crianças e a Catarina, com quem esbanjava gargalhadas na sala, que eu ouvia no quarto. Sabia muitas coisas das vidas dos ilustres que decoram as revistas cor-de-rosa, que leu até à pouco tempo, antes de o Glau, lhe ter  quase comido a vista esquerda. 

A sua vida, tinha tantas histórias, que as contava como se tivessem acontecido ontem, recordando com precisão todos os  pormenores.  Hoje, já só lhe apetecia dedicar-se a coisas fúteis e sem culpa. A pequenos prazeres que não exijam muito esforço. As suas pernas cansadas de viagens intermináveis, teimavam em andar devagarinho, ao contrário da cabeça que corria a mil à hora, entre o passado e o presente de forma muito límpida, ainda.

Adorava vibrar, com gritos e gestos, aos gloriosos golos de um clube que amou a vida toda. Vermelha, de raiva, às vezes, por uma táctica que não entendia, discutia sozinha com o écran da televisão, com os jogadores, com o árbitro, com o treinador, mas... ficava sempre alegre no final de cada jogo, ganhasse ou não o seu clube do coração. Havia dentro dela uma águia.

Tem um pássaro chamado Mantorras na gaiola, com quem gosta de falar, mas está preso. É a sua companhia diária. Ele, o Malato que está preso dentro do televisor, a Amália que está presa dentro do rádio, e uma ou outra amiga que foram condenadas há uns anos a viver dentro do telefone tal como a maioria dos seus familiares mais distantes ou mais próximos. De vez em quando, vê alguém, que passa lá por casa uns minutos, para que não se esqueça da silhueta dos seres humanos, mas mal dá para começar a falar do tempo, quanto mais contar histórias.

Joana, teve 5 filhos, tem 6 netos e um destes dias, em que partilhou com alegria a alegria de poder conversar, de dizer alguma coisa e ouvir uma resposta, de voltar a fazer uma pergunta e ouvir várias respostas, com um sorriso, contava aos presentes uma história maravilhosa, que eu não podia deixar de registar aqui ou num pedaço de papel.
...
- Não vá sem resposta. Dizia Joana a propósito de piropos, tentando olhar na minha direcção.

- Um destes dias, fui com a M. J. ao supermercado e na fila para pagar as compras, disse para a minha empregada chamada  M.J. com quem partilhava momentos  uma vez por semana. 
 - Ó menina, vá me buscar  um maço de algodão, que me faz falta. 
 A M.J., surpresa, vá se lá saber porquê, respondeu.
- Para que precisa a senhora de um maço inteiro de algodão? 
Joana, quase, quase indignada com a pergunta, repetiu a ordem de forma ainda mais determinada.
-... Vá, ora agora, porque preciso. 
Sem mais explicações encerrou o discurso directo, muito embora indignada com a audácia. A M.J.., dirigiu-se imediatamente ao corredor onde se encontravam os d.p.h. e tentava satisfazer o pedido o quanto antes, enquanto pensava na pergunta tola que acabara de dirigir a uma mulher que tem idade para comprar tudo o que lhe apetece, quando lhe apetece, sem precisar de dar qualquer satisfação a ninguém.

A indignação ainda não lhe tinha passado, completamente. Joana, aproveitou o momento para desabafar com a empregada da caixa, que pacientemente, esperava a vinda da M.J.., mais ligeira, mais leve, porque as histórias de vida que tinha, ainda não lhe pesavam nada. M.J. era uma mulher ainda nova e a dever ainda muito à vida.

- Ora agora, não querem lá ver, que eu com a idade que tenho, não posso precisar de um maço inteiro de algodão?
Com esta pergunta em forma de desabafo a indignação tinha passado e a explicação que não tinha dado à M.J., dava-a agora, gratuitamente, à empregada da caixa, que concordava consigo, abanando a cabeça.
Com um sorriso tímido dizia: 
- Sabe, que apesar da idade que tenho e de ser viúva,  eu ainda uso sutiã e gosto sempre, depois de fazer a minha higiene matinal e vestir o sutiã, de colocar um pouco de algodão aqui por baixo,  para não me ferir.
Joana confessava a sua intimidade.  A empregada da caixa compreendia a situação numa expressão facial sentida,  enquanto acrescentava que a sua avó, mais nova, já não usava sutiã há alguns anos.

Entretanto, a M.J.. chegava junto de si.  Joana virou-se um pouco para trás, para confirmar  se ela tinha feito o recado em condições e, acabava de constatar que atrás de si, estava um senhor de uns 70 anos de idade, com as compras na mão, para pagar.

Virou- à pressa na direcção da empregada da caixa e desejou que ele não estivesse ali desde o início,  a ouvir a confissão que acabara de fazer. ...Não deu importância, preferiu acreditar ter estado sozinha o tempo todo com a empregada da caixa a quando do desabafo, ...de qualquer modo, a idade,  já não a deixava corar.
Reparou pelo meio do troco, que o homem tinha desaparecido. Se calhar esqueceu-se de comprar qualquer coisa, pensou.
Já pronta para sair, devagar, com o peso das histórias de vida e algumas compras,  que as outras dividira com a M.J, o homem apareceu à sua frente surpreendendo-a,  e estendendo a mão disse:
- Posso oferecer-lhe, este pequeno presente?
Não estava embrulhado, a situação não lhe dera tempo. À sua frente, tinha uma caixa bonita com a fotografia de uns bombons que nos saltavam para a boca e para os olhos. Joana, aceitou, agradecendo a gentileza.
Continuou o seu caminho acompanhada da M.J., que nunca disse uma palavra. Apoiada de um lado pelo antebraço da M.J. e, do outro, pelo saco das compras, continuaram na direcção do carro.

Joana, percebia agora tudo. Aquele homem, ouvira a história toda do princípio ao fim, sem fazer qualquer ruído para não a assustar.

Depois de colocar os sacos no porta-bagagens, sentou-se, à pendura, ao lado da M.J. e depois de desfazerem a curva, olhou na direcção da sua janela. Do outro lado do vidro fechado, imóvel a olhar para si, permanecia um homem gentil de 70 e tal anos, agora que o via melhor, apesar de ver mal ao longe, que lhe dizia Adeus, acenando feliz para ela. 
Joana, sorrira à vontade, acenando de volta, trocando com a M.J. risos envergonhados, lisonjeados e divertidos...,  porque alguém reparara nela com outros olhos, com a idade que tinha.

Enternecíamos nós, a cada palavra da história que acabava de contar, sorrindo a cada descrição, a cada emoção, fazendo perguntas e mais perguntas, na expectativa de um futuro ou uma história de amor. Aquele homem, procurava companhia, não queria estar só, rematava Joana.

Depois de uma pausa, que nos dizia que a história terminara, dizia com um laivo de tristeza  e de resignação, mas, de maneira, a não deixar ninguém com problemas de consciência, já bastava os que cada um tinha e que faziam parte das suas próprias vidas.
- Eu só falo (com alguém) à terça-feira, que é quando lá vai a M.J. fazer-me a limpeza a casa. Depois estou, 4ª,5ª,6ª, sábado, domingo e 2ª sem falar de novo com ninguém.

Não conseguia ver os seus amigos, senti-los de perto, sentir-lhes o calor, nunca lhe ofereciam bombons.

Joana era uma mulher livre, eles estavam todos presos. A Catarina, o Peter Pan, o Malato, o Mantorras, a Amália, que nunca lhe respondiam, talvez porque estavam presos. ... e, também, não lhe faziam perguntas....só falavam e cantavam o que lhes apetecia, como se ela não existisse...

Os bombons foram oferecidos à netinha mais nova que tem.O senhor de 70 e tal anos, continua a ir ao mesmo sítio fazer compras, porque a M.J.. já tem trazido a notícia para casa à 3ªf, quando vai limpar... Joana, continua dando apenas atenção às coisas fúteis, porque já não está para se ralar. Faz a sua higiene diária e compra maços de algodão...


sábado, 23 de abril de 2011

Labirinto do Sol...


 Por vezes, julgo que me deixei lá atrás...e segui caminho...

Olho para trás várias vezes, na esperança de encontrar-me de novo. Mas a distância a que assisto sentada na praia, presa a um ponto, manda-me andar no sentido inverso ao que deixei...que não sei o que foi, nem sei definir por palavras, apenas sentir com os sentidos...A sensação não é tranquila, é de perca, de subtracção... Seria, eventualmente dramático se, quando olhasse em frente, não sentisse a esperança de vir a encontrar alguém muito melhor...num estado diferente e mais elevado na escala, escala por mim encontrada para justificar a forma de cada um de nós, em cada momento da vida...( ... designo-os por patamares, planos ou camadas).

Umas vezes, sou ainda um bocadinho da que ficou lá atrás, outras, a que continua andar no sentido contrário, determinada, e, outras ainda, sou a que permanece sentada no meio, entre a distância percorrida entre as duas, com a diferença, de que não estou na mesma linha de alinhamento, estou um passo atrás, e com a distância suficiente para no meu horizonte conseguir ver as duas, a que ficou e a que continua andar...à mesma distância.

Não sei para onde vai a da direita, mas vai tenho a certeza, que não consegue parar...Quase a perco de vista...A da esquerda, está parada num ponto à esquerda, desta linha imaginária que estabeleci  entre as elas. Não percebo qualquer movimento da parte dela, cristalizou por ali...mas, percebo que vai ficando cada vez mais pequenina, diminuta, à medida que a que está à minha direita se movimenta... e eu que estou no centro, entre a  distância entre uma e outra, me desloco obrigatoriamente, corrigindo o centro e mudando de lugar a cada passo percorrido pela da direita...

Estou de costas para mim própria, - eu, que escrevo....sentada de pernas cruzadas, na praia, "fixa" a um ponto da terra, ao centro da linha imaginária que estabeleci....Mas se me colocar de frente para mim mesma, - eu, que escrevo,  ou, sem me soltar daquele ponto,  no centro, e, me virar de frente para mim, ou ainda, ...se deslocar o objecto, onde todas as personagens se encontram... tudo se altera...

À minha esquerda agora tenho aquela que anda sem parar e à minha direita tenho a que permanece estática... só eu, continuo-o a mesma, não perdi as minhas características, permaneço ao meio, no meio das duas, no meio da linha imaginária que define a distância entre uma e outra...e, continuarei a deslocar-me e a corrigir o meio,  o centro, a cada passo percorrido pela determinação da  que se encontra à esquerda...

Confundo-me...Confundo-as...Confundo todas as personagens que vivenciam na minha imaginação este relato, com tantas voltas que dou...numa espiral devassa de movimentar personagens como se fossem bonecos, tiro e coloco no lugar que me apetece, faço-as rodopiar, sobre mim, sobre elas próprias, sobre o objecto, sobre o plano e estabeleço as linhas imaginárias que me apetece até obter um raciocínio lógico. Tenho até dificuldade em dizer onde me encontro! já não sei! ...mas não preciso. Ninguém pergunta...e, se alguém se atrever, posso sempre responder, ...lá, do lugar de uma das quatro...que sou eu...por qualquer uma...

Durmo, acordo e brinco no Labirinto do Sol, com o jogo que inventei...Brinco comigo, não com alguém...um jogo que serve para me ler de outros planos, de outros prismas...e me mostrar, a mim, como somos multifacetados...