Fazia frio quando ela saiu de manhã. O vento alvoraçava os fios de cabelo ralo e as madeixas brancas acariciavam com ternura a face e os ombros, cansados pelos anos, pelas responsabilidades que carregou na sua passagem por "tanta gente". Bateu a porta atrás de si e saiu.
Sem perder tempo apertou o sobretudo verde até ao último botão e enroscou o cachecol das riscas ao pescoço, com duas voltas para que não fugisse. Uma ponta, acabou aninhada debaixo do braço e a outra baloiçava ora para um lado, ora para o outro, sem saber onde queria ficar, virada para trás.
As faces, foram ficando cada vez mais rosadas à medida que o vento batia contra ela, os lábios finos começavam a ficar secos e cortados pelo frio. Procurou o bâton do cieiro no bolso direito...e enquanto a mão direita tinha uma tarefa e um objectivo a cumprir, a sua mão fria, a esquerda, procurava a alça da mala para se apoiar e não ficar à solta, perdida e ao "Deus dará". Como se de uma dura promessa se tratasse, teimava transportar ao ombro a mala que tinha tudo, tudo o que entendia precisar mesmo que não precisasse. A agenda do ano, a carteira, os óculos, as pinturas, a sebenta e a caneta com que gosta de escrever. De entre todos os haveres, o mais pesado era a sebenta. Cada página, carregava histórias contadas com emoção, frases soltas, palavras com e sem sentido e uma enorme quantidade de letras e tinta impressa onde expressou, o que de vez em quando lhe ia na alma.
Quando finalmente encontrou o bâton, sentiu-se feliz. Ia agora poder aliviar o ardor que sentia nos lábios, enquanto percorria o quarteirão a passos largos. O vento continuava forte e contra ela. Lembrava com saudade, todas as sensações dos anos anteriores, sempre no primeiro dia de Inverno. Muitas vezes saiu sozinha para lhe dar as boas vindas, outras acompanhada, mas nunca deixou de o fazer.
Foi o primeiro dia daquele último inverno, que o sobretudo verde e o cachecol de riscas viram a luminosidade daquela cidade, Paris. E, foi também, a última vez que A viram, porque nunca mais saíram do armário.
Ela, viu pela última vez o seu sobretudo verde e o cachecol de riscas, amigos verdadeiros com quem partilhou sensações inesquecíveis de frio e de verdadeira magia.
Ana,vai escrevendo.Vou estando por aqui e atento...as tuas histórias,reais pela certa,encantam qualquer leitor.
ResponderEliminarFalas da tua mãe?
Bj*
Não Victor. Eu gosto muito dos primeiros dias de Outono ou de Inverno.Bj*
ResponderEliminarFrio e magia ... gosto também... e de descrições assim ... que nos levam um pouco pela mão!
ResponderEliminarcitando: "...há por aqui muito café e pode fumar se quiser. Há um sofá e janelas, por isso volte quando quiser..." Where are you...gonna sleep tonight?-Post
ResponderEliminar"Esquina de nada ou gente que nunca morre...Starbucks" - Post
...gostei de te conhecer Lúcia.