Translate

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A liberdade de ter o céu como tecto e a terra como chão (Fim)


… Voou o mais alto que podia, voou anos sem fim... numa busca ininterrupta de um sítio onde parar ... sem horas, sem regras, sem compromissos nem obrigações.

Durante tão grande viagem, onde conheceu muitas gentes, muitas culturas e muitos países sentiu-se livre e feliz… E numa manhã de Primavera, encontrou uma cidade linda e cheia de luz, em que o sol aquecia os gatos por de trás dos vidros, em que os idosos sentados nos bancos dos jardins lembravam histórias do passado, em que as crianças saiam à rua de manhã para ir à escola e à tarde brincavam horas perdidas nos bairros onde viviam, onde os pombos enchiam as ruas e faziam companhia aos mais solitários, velhos e novos, onde as mães empurrando carinhos de bebé saiam à rua mostrando os rebentos concebidos meses antes, onde as crias aguardavam nos ninhos, famintas a chegada dos pais para lhes saciarem a fome piando incessantemente, onde os jovens trocavam palavras de amor e juras para a vida eterna sentados junto ao rio, onde os cravos eram uma flor importante porque um dia simbolizaram a esperança. Jack renascia agora no coração de uma cidade de ruas estreitas e prédios pombalinos.

Era Lisboa era o Chiado. Trazia com ele a liberdade e a felicidade com que tanto tinha sonhado, era agora um homem maduro.

Não usava relógio, não tinha horas para acordar nem para se deitar, não tinha que vestir o uniforme habitual, não tinha carro para estacionar, não tinha de tomar o seu lugar na fila, não tinha que … nada.

O céu era o seu tecto e todos os dias era diferente. Havia céus de noites estreladas, havia dias de céus límpidos, havia céus de noites parecidas com algodão, havia dias de céus cinzentos, mas todos eram lindos, parecendo quadros de artistas generosos. Jack, adorava ser surpreendido todas as noites, quando se deitava e olhava o céu. Os pés descalços faziam-no sentir a terra como chão. Nunca mais iria precisar voar.

Olhava para si, sempre que se cruzava com um espelho e ficava feliz em notar que se tinha livrado daquele estereótipo engravatado, cinzento e quase sem vida. Robôs de marca, escravos do trabalho e de si próprios, viviam para ganhar e consumir, realizando prazeres efémeros...

Jack, tinha então envelhecido com os anos, mas viveu e ainda vivia feliz e em liberdade. Cabelo e barba branca comprida, rugas vincadas pelo sol de Verão e pelo frio do Inverno, mãos engelhadas e calejadas, a alma repleta de histórias de rua, sem mágoa, de tantos a quem disponibilizou o seu tempo e com quem conversou. Muitos deles da sua idade, com quem se cruzou durante anos, que tinham casa, família e todos os bens materiais, capazes de lhes proporcionar a tranquilidade de uma velhice com êxito, depois de tantos anos no “exército” social, mas que no entanto eram pessoas tristes, magoadas e amarguradas, porque nunca tinham sido realmente livres, nem felizes…nem por um dia. Outros viu-os crescer, casar, serem pais e mães, avós e avôs respeitáveis mas longe de serem felizes.

A cidade onde aterrou era a mesma de onde tinha partido um dia para “passear”, mas Jack, agora via-a de uma outra forma. Depois de se encontrar, via tudo com outros olhos, todas as coisas tinham cor, tinham deixado de ser cinzentas ou azuis escuras.

Nos dias de chuva em que adora subir e descer a Rua do Chiado, sozinho, à chuva imagina que o amor se cruza com ele no sentido inverso e lembra o cabelo apanhado, a figura curvilínea, os olhos amendoados e deixa-se abraçar pelos caracóis louros, às vezes é à noite ao luar. Ela já não veste o “tailleur” cinzento, está envolta num vestido de sonho…

Encontrara há poucos dias um amigo, por quem dava a sua vida e adora privar com ele. Dão-se bem, porque partilham os mesmos valores, a Liberdade e são felizes.




Jack adora deitar-se nos bancos de jardim da cidade e dormir, seja de dia ou de noite. Umas vezes dorme a sesta, outras, dorme a noite toda. Adora sentir o frio das primeiras manhãs de Inverno, tal como o ar soalheiro da Primavera e ser acordado pelos primeiros raios de Sol; espreguiça-se, procura um chafariz próximo, faz a sua higiene, saúda a Vida e põe pés ao caminho. Dedica-se a tempo inteiro a conversar com quem lhe dispensa algum tempo, no entanto, chega quase sempre à mesma conclusão que os que o abordam é que procuram companhia para conversar. É o confidente de muitos que se sentem sós. Ama de forma incondicional tudo e todos. Não se envergonha de pedir, porque ele não mendiga…É um homem livre e feliz … e, aprendeu que tudo tem um preço, mas vale a pena.

--------- //---------

À memória de todos os que vagueiam pelas cidades de todo o Mundo, para quem muitas vezes olhamos de soslaio e julgamos indevidamente pelo seu aspecto, mas que são a integridade em pessoa e verdadeiras lições de vida…- Amo-te, Jack - disse. Sim, sou eu, a rapariga dos olhos amendoados, de estatura média, curvilínea e caracóis louros …com quem, de vez em quando, ainda te cruzas na rua do Chiado…


6 comentários:

  1. Há post’s que não necessitam de grandes comentários…é o caso!
    A história fala por si…escrita por ti! As imagens ilustram o resto…a homenagem que fazes aos Jack´s deste planeta, está muito acima…parabéns!

    ResponderEliminar
  2. Lindo!Tenho imenso respeito,por esses teus Jack`s.Para mim,sejamos realistas,não sonhemos,a realidade está aí,são aos milhares de SEM ABRIGO.
    Alguns o destino pregou-lhes uma partida,OUTROS não aguentam a pressão do sistema desta sociedade em que vivemos,com regras e responsabilidades.Achas que nos dão lições de vida?Se calhar,não sabemos o dia de amanhã.Quando dizes amo-te Jack!!!Referes-te a alguém especial,ou aos milhares de JACK´S por esse mundo fôra há já me esquecia,há dois Jack na tua história.

    ResponderEliminar
  3. Este Jack em particular, conforme conta a história dá uma lição vida Paula, porque largou tudo, as regras, os estereótipos, para viver de uma forma livre. Foi muito corajoso, ao tomar esta decisão. Decisão dificil, que muitos de nós temos vontade de o fazer,de vez em quando, mas não temos coragem, por compromissos que já assumimos, por quem depende de nós, pelos sonhos e esperanças que ainda temos de um dia conseguirmos este feito. Contudo, estamos e somos tão dependentes de tudo quanto é material, que isso dificulta muitas das nossas decisões. Para além de tudo isto, este Jack em particular sente-se útil à sociedade, porque conversa com toda a gente que passa e percebe que as pessoas precisam de desabafar e que muitas delas apesar de acompanhadas estão realmente sós.

    Para além do modelo-Jack retratado na história, é verdade Paula existem tb outros que por culpa do destino, foram obrigados a levar esse rumo, entre muitos, com outras histórias.


    Quando digo -amo-te Jack, essa última frase, é proferida pelo amor que em determinado momento da história da sua vida se cruzou com ele, "a rapariga de olhos amendoados" e que foi a sua única paixão, com quem ainda se cruza de vez em quando na rua do Chiado.
    Não me refiro a ninguém em especial, a história é imaginação e ficção. Se calhar não fui muito clara no último parágrafo e talvez por isso quem esteja a ler não consiga entender que é como se fosse a ela a contar a história do princípio ao fim, ela é o narrador.
    1 bj

    ResponderEliminar
  4. Cristina Carvalho Da Mata31/01/2010, 18:00:00

    Olha amiga,este em especial tocou-me de uma forma especial.
    achei fantastico.
    Continua a escrever...
    Bjs

    ResponderEliminar
  5. Muito bom. Gosto da coragem que todos os Jacks possuem...vale a pena ler

    ResponderEliminar

alfa diz: