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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Trilogia seguida - Laura, em telhado de zinco quente...






 Laura, hoje estava pensativa… Enquanto perdia as horas do dia, recordava o último filme que vira, enroscada nele. Não pretendia fazer nenhuma analogia com a protagonista do filme, até porque para além de "ronronar" muito melhor que ela, não era loira, mas parda.

De pelo brilhante passeava elegantemente por cima de tudo, pelos sofás, no tapete branco felpudo, já para não falar no colo do seu dono.

Aquele homem sem nome, sempre que chegava a casa, a primeira coisa que fazia ao meter a chave à porta era chamar por ela.

- Lauuuuuurrrrrrraaaaaa – melodicamente, entoava o seu nome.

Ela aparecia imediatamente e de forma carinhosa, como era seu hábito, entrelaçava-se nos seus tornozelos num ballet digno de ser visto por uma plateia de aplausos e ficava à espera de ser retribuída pelo calor da sua mão. Aliás, perspicaz como era... momentos antes de lhe sentir o cheiro ao fundo das escadas do prédio, vinha para o hall de entrada e ficava muito atenta a ouvir-lhe os passos, um a um, no último patamar do elevador. Há vários anos que o recebia sempre da mesma maneira e com o mesmo entusiasmo.

Laura não gostava do seu nome, mas fora ele que lho dera no primeiro encontro…
Assim que lhe pegou, numa loja de animais...olhou para ela e disse, entusiasmado com a possibilidade de ter uma companhia no futuro próximo:  -Vou chamar-te, Laura.

Às vezes, ela fazia questão de lhe recordar que preferia outro nome qualquer, e obrigava-o a repetir em vão, sem responder às chamadas. Laura, sabia que apesar de ser ali que existia tudo o que sempre sonhou, naqueles 200m2 de conforto, boa comida e muito carinho... também gostava, de vez em quando fingir ser um pássaro e de vez em quando voar.

O seu dono sem rosto, encontrou-a várias vezes naquela janela das águas furtadas e via-a sair rumo ao telhado de zinco, onde adorava preguiçar nos dias soalheiros em que o Sol fazia o resto... aquecia o telhado. Ora de barriga para cima, ora de barriga para baixo, aproveitava para admirar a paisagem e tudo à sua volta... os carros, as pessoas, … ou então, o rio, o céu, as nuvens e os pássaros.

Um dia apaixonou-se.

Primeiro foi pelo rio, onde se imaginou a navegar, a nadar, a mergulhar e a contar peixes a dois. Depois apaixonou-se pelo céu que era da cor dos seus olhos, azuis. Mais tarde por uma nuvem, mas concluiu que tinham objectivos de vida diferentes. E, por fim, por um pássaro, que um dia lhe caiu à frente do nariz e que a fez acordar no meio de um sonho.

O sonho estava a ser maravilhoso. Eis senão quando, jaz um pássaro sem bando, caído à sua frente e lhe pediu ajuda, estava ferido. Laura, tinha um coração enorme e um estômago habituado pelo seu dono sem nome, a comer comida de lata.

O que toda a gente esperava, era que ela fizesse jus à sua espécie e se atirasse de cabeça para o comer, mas Laura aprendeu a resistir aos instintos mais primários e não salivava pelos seus antepassados.

A fragilidade em que O encontrou naquele momento, fez com que revelasse a sua complacência e compaixão e mais tarde, os sentimentos mais nobres que uma gata pode sentir por um pássaro. Foram dias perdidos de histórias que ele lhe contava do mundo dos pássaros e histórias que ela lhe contava do mundo dos gatos… no telhado de zinco… sempre quente, pelo Sol.

Dias e noites, após...

Laura, abandonou praticamente o seu dono sem nome. Faltava já muitas vezes à primeira chamada, quando a porta de casa se abria, ao fim da tarde. Não lhe fazia mais falta os seus tornozelos ou o calor da sua mão.

E, um dia, pela última vez respondeu à primeira chamada; - Lauuuuuuuurrrrrrrraaaaaaaa. Dançou, despediu-se daquela mão quente que tantas vezes a afagou, subiu ao telhado e voou com ele.

Hoje, não se chama mais Laura, mas apenas Gata.


9 comentários:

  1. Caramba! Mas é que eu gosto mesmo do que escreve!
    E não é todos os dias que se encontra alguém que sabe "sentir" como um gato!
    Adorei aquele "salivar pelos antepassados"! Lembrou-me Jack London.

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  2. Obrigado Maria João, mais uma vez, as suas palavras fazem soltar e crescer a minha escrita.

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  3. Cada uma melhor que a anterior, as histórias que contas…e como é meu hábito, quando leio alguma coisa que me surpreende pela positiva, digo.”…Por cima do zinco, então!”
    …e a história até fala em “zinco”, não é?...e só não digo dasssssss,para não me tornar repetitivo ;-)

    Good Weekend

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  4. Olá, Laura! Obrigado pela visita. Leia o livro e vai ver que não se arrependerá. Se puder, escolha a edição dos Livros do Brasil. Se gostar, pode ler ainda Nove Contos (da Difel, se não me engano) e Franny e Zooey (da Relógio de Água).

    By the way, excelente texto, o seu!

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  5. …Por aqui “andava à volta”e deparo com este fantástico blogue…certamente que tenho andando destraído, só pode…Texto magnífico, com uma narrativa de encantar, fictícia ou não…consegues como poucos o fazem, entranhar-nos na história como se fizéssemos parte da mesma…vou continuar visita, pela certa!

    Beijo

    M.D.S.

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  6. Carlos Lopes:) Obrigado pela dica. Fiquei contente por ter gostado. Volte sempre.


    M.D.S.) Como diz alguém "quase"amigo, com muito espírito. Volte sempre.
    - Tem por aqui um sofá, janelas, muito café e pode fumar se quiser.

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  7. Alô Vitor. Fico contente por te ver por aqui de novo. Estás sempre presente, para me comentar.Eu nem tenho gatos,nem pássaros nem homens sem rosto. LOL bj

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  8. Cristina Carvalho da Mata31/01/2010, 18:13:00

    Tenho dias em que me sinto a (tua) Laura...

    Bjs

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  9. Amiga, eu entendo!!!!????.... mas tu não tens águas furtadas, só se fizeres obras?! e, assim, não estou a ver onde te possa cair um pássaro. No beiral da janela?... mas a tua rua tem tanto trânsito...LOLOLOL

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alfa diz: