Ainda atordoada, perguntava a si própria baixinho porque não conseguia descortinar o caminho de volta para casa. Aquela casa, branca, térrea, com janelas de portadas verdes escuras, um alpendre, e com muito espaço à volta preenchido por alfazema, a seu tempo, salpicado de campânulas e papoílas, que lhe traziam tantas e tão boas recordações.
A sua casa era a única que permanecia no mesmo sítio desde o último tornado, que levara muita coisa pelo ar. Maria, procurava esquecer o assobio do vento enraivecido a soprar aos seus ouvidos. Tinha aquele som gravado e tinha medo. O vento estava zangado, muito zangado. Em plena sinfonia desenfreada, Maria ainda tentou perguntar-lhe de mansinho o porquê de tanta ira. Mas ele nunca a ouviu, porque assobiava mais alto que a sua voz doce e meiga, que só era perceptível no silêncio. Quando cruzavam olhares, ela e o vento, voltava com os olhos a questiona-lo, mas era impossível, porque ele rodopiava, rodopiava e rodopiava, sem nunca abrandar. Nunca lhe respondeu.
Os campos e as sementes, os cheiros, as lembranças doces e amargas, os amigos de sempre, as pessoas em quem confiava, os sorrisos fantásticos que outrora víramos estampados em rostos de felicidade, os sonhos poucos, muitos ou nenhuns, esvoaçavam como se a possibilidade de sonhar não fosse pertença de todos em igual modo e quantidade. O tornado levara almas e corpos, gentes, vidas, sem qualquer preferência por raça, credo ou cor. Levou as conchas todas que apanhou, praias inteiras, golfinhos, cavalos de pau e marinhos…
Retratos de família, brincadeiras de criança, amores permitidos e proibidos, vestes, ficando nuas e sentindo um frio de arrepiar. Levara também as árvores, os pássaros e os seus ninhos e as crias de todas as espécies animais e vegetais…
Sem perder tempo, o vento ciclónico e terrivelmente apressado levou consigo também todos os filhos, as Mães, os Pais, o Pai Natal, o trenó e as renas, as prendas, os doces, o que tanto queríamos e o que nunca tínhamos desejado de bom e de mau e levou também o ano anterior.
Levou A música… que profunda tristeza sentiu Maria, … a música fazia-lhe tanta falta.
As pessoas interessantes que conheceu,
A magia das coisas, as coisas boas e as coisas más.
Consigo, o vento levou ainda os mares, os rios, os lagos e os charcos. As fontes por isso secaram, não queriam ficar sozinhas. Os peixes coloridos e os prateados também tinham desaparecido, abriram a porta e saíram em fila, uns atrás dos outros, pelos céus...
As nuvens empurravam-se, umas às outras, carregavam em cima aviões com pessoas, pessoas com histórias, histórias de famílias, de laços e de “nós” consanguíneos.
Os sacos que nunca serviram para outra coisa, aproveitaram para transportar o que restava, as coisas mais humildes. Levaram brinquedos novos e velhos, apanhavam tudo com uma das asas e metiam dentro de si tudo o que lhes acontecia pela frente.
Maria não queria acreditar que um tornado fosse capaz de anarquizar tudo e que após um período de trégua, voltasse a baralhar e dar de novo.
Percebera, então onde estava. Permaneceu o tempo todo dentro de casa, refugiada num canto da sala. Cerrava os olhos, para de vez em quando matar a maldita curiosidade por entre os dedos e ver na direcção de uma das três janelas ainda fixas às paredes da sala…o que continuava acontecer…
Maria olhava em volta, e via o caos e o vazio.
….
Por último, os seres Tornados homens levaram as palavras e com elas, Maria deixou de poder dizer o que quer que fosse, desaprendeu de soletrar e tombou silenciosa e inerte.
O Seu último olhar foi para ver Maria, voar de si própria, dançando com o vento e esboçando um sorriso.
-Adeus, Maria - disse a si própria.
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ResponderEliminarolá alfa,
ResponderEliminartudo bem?
vim te conhecer e fiquei encantada sua escrita é fantastica.
o post colocado pelo querido amigo ricardo é perfeito..parabéns.
estou seguindo você.
otima semana com bjos.
olá
ResponderEliminaresta Maria fez-me ficar com arrepio na pele
espero não termos de passar por isso.
bj
teresa
Legalmente loira: Agradeço que tenha passado aqui por casa, fico muito feliz...a porta está sempre aberta basta empurrar,entre, sente-se e leia qualquer coisa...logo, logo eu volto. Um beijo de Portugal
ResponderEliminarTeresinha:...não te preocupes, isto não passa de ficção. bjocas
ResponderEliminarObrigada, querida, pela visita. Volte sempre!
ResponderEliminarE o agradecimento é Deus que merece por esse belo dom que Ele te deu. A mim Ele deu outros e um deles é de ser "escriba amalgamada" como me denominou o nosso amigo Ricardo... rss
Parabéns, vc é ótima no que faz.
Agora sou sua seguidora, voltarei, tb, outras vezes...
Bjs.
...Somos todos filhos do vento, mas por vezes temos a insana convicção de inverter os papéis e quase sempre pagamos caro por nos colocarmos no papel do Pai.
ResponderEliminarBjs pela bela descrição dum belo versus terrivel momento.
Bom dia, amiga.
ResponderEliminarVocê tem um jeito especial de escrever. Esse texto dá arrepio...
Estou lhe seguindo.
Um grande abraço, e muito obrigada.
O "tornado" mais difícil para Maria terá sido, estou certo, "voar de si própria": desta metáfora pintada a caos sobraram, afinal, as palavras e, com elas, Maria pôde dizer-nos de sua aventura...
ResponderEliminarBeijinho
Ivy:Obrigado pelas suas palavras amáveis, volte sempre que tiver vontade...a minha casa tem sempre a porta aberta, basta empurrar, entre, sente e leia qualquer coisa...entretanto eu apareço. Beijos do lado de cá do Atlântico.
ResponderEliminarCarlos: Obrigado pelas tuas palavras e por permaneceres atento ao meu rasto...bjs
ResponderEliminarAmapola:Amapola obrigado pelas suas palavras amáveis que me dirigiu, ...é um jeito que até aqui não tinha consciência que existia e ainda me questiono...de qualquer modo agradeço,seja bem vinda a aqui a casa, a porta está sempre aberta, entre e sente-se, leia qualquer coisa...que eu volto num instante. beijos do lado de cá do Atlântico.
ResponderEliminarQuicas: ...talvez Quicas, talvez....a Maria um dia vai voltar aqui a casa e quando isso acontecer você e eu vamos ter oportunidade de lhe perguntar directamente....um beijo do lado de cá do Atlântico.
ResponderEliminarMaria Auxiliadora de Oliveira: Fiquei contente de verificar que se tornou minha seguidora, obrigado Maria, seja bem vinda aqui a casa a porta está sempre aberta, entre, sente-se e leia qualquer coisa...volte sempre que tiver vontade. bjs
ResponderEliminarGosto da forma como falas das tuas emoções..
ResponderEliminarAlfa.
Aqui fica um grande abraço de parabéns!
Vóny Ferreira
Às vezes sentimo-nos como a Maria, o vazio do caos, a desesperança...
ResponderEliminarA vida porém se renova após a tormenta.
Criativo e fantástico texto.
Abraços Alfa, grato por sua honrosa visita e gentil comentário no meu Poeteiro de rua.
Um grande abraço