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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

As minhas duas mãos...



Permaneci naquele parapeito...de queixo pousado...

Sozinha de olhos tristes e corpo sem ter noção do que sente por dentro... me despeço, de tudo o que me fez dançar em várias estações da vida. De cabelo solto e alma presa, vestida me dispo e me volto a vestir de lábios escarlate por entre sentimentos sem mágoa nem histórias, nem duplicados. Tapo a minha boca... não quero que me vejam os lábios forrados de pétalas, ...calo-me...

No meu regaço papéis dobrados em quatro, de vida a dois e mais dois e mais dois... Procurei sempre a felicidade das histórias...hoje, vivem encerradas em linhas de escrita esquecida...que o tempo acabará por decifrar...que eu própria já não sei fazer, nem lembrar...

De olhos rasgados...Fazes-me sinal, para que impere o silêncio e oiça alguém a dedilhar um sonho no piano...para que oiça o Nocturno de Chopin,...

... quando o compôs, neste último momento, arrancado a ferros de desejo e de raiva...de ternura e de amor, de matar o desejo da saudade, a pauta não queria, a música abraçava-o. Os meus olhos não me reconhecem mais, cada um interroga o outro, interrogam-se simultâneamente, das dúvidas com que são capazes de viver...Não existem nem olhos, nem corações que não tenham dúvidas a respeito de alguma coisa...

Deito-me, nua ...Não reconheço o meu corpo...

Sozinha aconchego-me em mim que já conheço, e no despeito da lua enterneço e me consolo. Eu... sou duas mãos, uma direita e outra esquerda, idênticas, semelhantes, quase siamesas, mas ambas têm vontade, querem a mesma coisa, sem querer...Tu és duas mãos, uma direita e uma esquerda, idênticas, semelhantes, quase siamesas, mas ambas têm vontade, querem a mesma coisa sem querer...Todos nós somos duas mãos...Eu e ela permanecemos juntas, mesmo quando a convivência não é pacífica. Volta a pedir-me silêncio...

Volto para o parapeito da vida, somos duas...pouso o queixo...

Olho-me de todos os ângulos...

Calo-me, tapo o meu corpo e fecho os olhos molhados...

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011



Calmo mar salgado que endoidece sombras,
agita miragens, sufoca de prazer e de desejo
ceifando corpos por anunciar...

Calmo mar salgado que acolhe aves de todas as espécies
sem escolha
sem oportunidade de dizer não,
atraídas pela beleza e pela grandeza dos teus gestos...

Calmo mar salgado que rouba vidas a meio
numa viagem sem fim, ...que se desfazem na sua grandeza
e que enaltecem ao vê-lo...

Calmo mar salgado bravio
que de manso nada tem...
transformar-te-ás um dia, em
Calmo mar doce amado, sem sentido ou significado...
e, na boca de ninguém...

É doce morrer no mar, nas ondas verdes do mar...

Sabes-me mal...sabes-me a sal...sabes-me bem...

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Forma metafórica de sentir...


Saber-te ou saber-me por perto, acalma o meu estranho sentir...
metafórico...

Permaneço presa no meio dos escombros das possibilidades...
Tudo continua em aberto, eu, tu,
uma história que teve início num fim...
e vou-me deixando escorregar devagarinho...

Permaneço suspensa aqui e ali.
Perduro no tempo memórias, estranhas vagas de emoção
que para trás vão ficando, enquanto o relógio assinala as últimas badaladas.
Lá fora, tudo é turvo, branco, frio, húmido  e onde a esperança é uma filha bastarda.
 
Que estranha forma de colmatar um desejo insaciado
que não sei definir, mas que me rasga por dentro
É um desejo cruel, monstruoso que me agarrou nas suas garras
e que teima em não me largar,
numa luta desigual...é desumano.

Foi um amor que me adoptou, sem que desse por isso
Não o procurei, aconteceu...que ilustra o meu mundo
pardacento, real, onde as fronteiras existem e a vida acontece por metade...

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A rua sinuosa e cinzenta...


Subia  a rua mais sinuosa e mais cinzenta de todas...

Maria vinda do caos, regressava de novo, agora...
ao mundo dos conceitos e dos preconceitos, dos esconderijos, das regras, das vicissitudes, das teorias sem sustentação, das frases feitas, das pequenas ditaduras, das democracias fingidas, da vaidade das elites, das crianças sem futuro sustentável, dos cegos por opção, dos voluntários à força, dos infelizes sonhadores, dos devastados por uma vida de esforço sem recompensa, da maldade, da crueldade, da mentira, da tirania, da exploração, da guerra, do sofrimento, da doença, da coacção, do abuso pelos mais fracos, da ironia dos vivos, da falta de esperança, dos moribundos, das instituições ludibriantes, da longevidade sem qualidade de vida, da supremacia dos pequenos poderes, do medo que move pessoas, do triunfo dos porcos, da maldade a todo o preço, do dinheiro, das compras substitutas de patologias maiores, da ambição desmedida, da ausência de respeito pelo nosso semelhante, da falta de dignidade, de amor, da ausência de laços, de valores, do desespero, da maldade do Homem, ...e, da falta de vontade e de força para mudar isto tudo...

...olhava para trás, sem saber o que fazer...
...mergulhava na dúvida que nunca julgou que pudesse um dia ter...quando voltasse...
Pôs pés ao caminho com tanta certeza, de que as coisas haviam mudado, ...passara tanto tempo...

Permanecia no limbo de um e de outro mundo, olhava para um lado e para outro...Sentia-se numa encruzilhada e detinha as pernas, que aos poucos ficavam trémulas...Alimentara a esperança de que um dia, quando subisse a rua mais sinuosa e cinzenta de todas, iria encontrar finalmente o arco-íris...Fora o último tornado que varrera a terra, que lhe contou.

Maria, depois de tanto tempo de viagem dentro de si, onde teve oportunidade de se encontrar com os seus defeitos todos, com as suas virtudes, onde travou autênticas batalhas com os seus medos, saiu vitoriosa e acreditou que dali em diante poderia refazer mundos...Por isso saiu e aventurou-se, voltando.

Um passo em frente... mas, os seus olhos não conseguiam alcançar o brilho próprio da presença das cores, da luz... Chamou o vento. Gritou bem alto, por ele. Precisava aconselhar-se, precisava do seu amigo... Não obteve resposta. Repetia os gestos e o olhar, para um lado e para o outro. Voltou a gritar, aflita...

Acabou, encostada a uma parede, por onde foi escorregando devagarinho até se sentir sentada. Maria, percebeu que teria que resolver sozinha o seu destino. Ponderou... perdida no tempo, o tempo que este lhe dera para o fazer, pensava no vento e questionava-se. "Quanto vale aquela amizade, em que só amamos o outro pela sua virtude, fidelidade e perseverança? Quanto vale qualquer afecto que espera recompensa? Não seria nosso dever aceitar o amigo infiel da mesma maneira que o amigo abnegado e fiel? Não seria isso o verdadeiro conteúdo de todas as relações humanas, esse altruísmo que não quer nada e não espera nada, absolutamente nada do outro?..." Maria tinha consigo todas as respostas. O vento um dia escrevera-lhe uma carta, que ela resolveu nunca abrir. Guardava-a consigo, fazendo parte da meia dúzia de pertences que carregava para onde fosse o seu destino. Por instantes, pensou abri-la...imaginou, que se sentiria mais acompanhada naquele momento de decisões difíceis, em que precisava decidir entre abandonar o seu mundo interior para sempre, ou voltar ao mundo dos Homens...olhou, em volta, procurou-o de novo com o olhar, numa última esperança, antes de decidir o que fazer...Nada, nem brisa... 

Maria, fechou os olhos, acabou adormecendo...

... amigos, meti os pés pelas mãos...:-))...no meio da confusão onde por vezes me encontro, apaguei o meu último texto - A rua sinuosa e cinzenta....pior, não fiquei com qualquer cópia. O post já tinha alguns comentários, pelo que peço desculpa aos seus autores. Será que alguém me pode ajudar a recuperar esse texto?

Obrigada
Ana A.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O guião


 
O guião estava terminado.
Entre um pedacinho de chocolate negro, e outro, que gostava de deixar derreter na boca devagarinho,  revia os últimos pormenores de uma trama  doce/amarga, que iria entrar sem pedir licença nas vidas da sua cidade e nas cidades de todo o mundo. Estava ansioso por começar a rodar o filme. Tinha os protagonistas  ideais para uma história de amor, quente, com contornos de realidade  urbana,  que retratava com precisão a contemporaneidade dos nossos dias, com a marca da sedução e  da sensualidade.  Conseguiu.

Revia, pela ultima vez, os diálogos do argumento que toda a sua vida desejou escrever, sem preconceito...e com orgulho.
...
"Ela:
...deixa-me ver-te...
...desnuda os meus olhos, desta venda que me sufoca e que me mata na esperança de sentir o calor do teu cheiro. Já não sinto os meus lábios, nem os meus dedos...

Ele:
 - Espera um pouco, tem calma, deixa-te ir...sem pressas, deixa que o teu cabelo não aguente mais estar longe do meu ventre e me procure...

Ela:
- Deixas-me louca...vou "despedaçar-me" em ti...

Ele:
- ...se fores capaz...deixar-te-ei percorrer a minha imaginação... e num único fôlego  sentirás a minha alma ávida de ti, das tuas loucuras, do que seriamos capazes de fazer e desfazer juntos em uníssono, prolongando a vida apenas em  pedaços doces de luxúria, triunfantes, em que não existindo barreiras a insanidade do amor será rainha...
...serena o desejo de descobrir novos lugares, latitudes ainda por alcançar, porque os pontos cardeais a percorrer entre nós confundem as bússolas no espaço e no tempo... juntos... vamos enfeitiçar a Lua para que viva apenas cheia, o Sol lamber-nos-á a pele para nos ludibriar de cor, o Mar transformar-se-á no nosso chão a percorrer...
...
Ela:
-  serenamente, adormeço...
...permaneço, no entanto, à mercê de um desejo desmedido, que me absorve os pensamentos  e que te encontra nos sonhos por onde passo..."
...

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

...corpo e alma...um bocadinho de muito calor..




Soprava um vento norte sem mágoa de ninguém, ao mesmo tempo que a neve caia fora e dentro de mim... Através da vidraça, onde permanecia de manhã à noite, conseguia ver a minha alma frígida, mate, que outrora se tinha perdido do meu corpo,... a rondar a minha casa, neste instante. Esbocei um sorriso a sério, após inumeráveis anos...


Tudo começou, quando um certo dia a minha alma quis vaguear pelo mundo. E, sem qualquer satisfação demitiu-se, deixando-me só... Eu, tinha acabado de completar trinta anos...eu, e ela... dormia tranquilamente na minha cama sem desconfiar de nada... eu, ... Fruiu o meu estado profundo, sem sonhos...e, saiu. Ouvi a porta bater, julguei ser o vento...

Na manhã seguinte, quando acordei senti-me diferente, não sabia explicar, sentia-me profundamente triste, vazia, mutilada, decepada, magoada, ofendida,...sem perceber porquê. Notei alguns minutos depois, quando me olhei no espelho, que não me via, não me sentia...Tudo eram interrogações para aquele estado do avesso que havia encontrado, naquela manhã branca que sibilava... tudo, perdera o esplendor. 

A vida lá fora e cá dentro não tinha sentido, ordenança, sequência, inferência, desígnio, desafio, força anímica... Os pássaros não eram mais os mesmos..., o mar nunca mais se ouviu..., as árvores deixaram de dar frutos..., as pessoas deixaram de ser interessantes..., os livros perderam as histórias..., as fábulas perderam os animais e as lições de vida..., a vida perdeu-se nas mortes apelantes..., o meu coração desistiu de sentir...,  o sol escondeu-se..., o arco-íris perdeu as cores..., os peixes cessaram de nadar..., apenas..., às vezes..., as crianças conseguiam arrancar de mim um esgueiro e afectado sorriso...

No início, julguei-a. Numa cólera forte que não imaginei existir dentro de mim,... transformada em tempestade, trovejei sobre ela raios e trovões, chuva forte, granizo...Ofendi-a, chamei-lhe nomes… ingrata, desprendida, falsa, traiçoeira ... não compreendia porque me abandonara, …ninguém gosta de ser abandonado, e eu não sou diferente de ninguém,...Tínhamos brincado juntas, traquinices de criança,  interrogações e loucuras de adolescente partilhadas...boas lembranças. Não entendia, porque me abandonara, como fora capaz...Fê-lo, sem proferir uma palavra ou deixar um papel escrito...

Com o passar do tempo madurei e ordenei os pensamentos, ... entendi que fora em busca da sua própria liberdade, da felicidade dos Homens, do calor...de um bocadinho de muito calor...onde se sentisse albergada, acesa. 

Sabia, que as almas para viverem em plena luz, precisavam de calor. Apesar, de a amar profundamente, o corpo onde permanecera asilada em anos perdidos, fazia-a sentir-se desconfortável, fria, carente, ...e, por isso partira em busca do calor desejado, que as alimenta. E, lembro agora, desmemoriada, que por muitas vezes a vi de mãos trémulas, sem reparar. Achei que as almas tremiam, todas as almas tremiam, porque eram assim.

Fazes-me falta, segredei algumas vezes para dentro de mim...fazes-me, tanta falta...Contudo, em vão. Quem se cruzou com ela por estes tempos, conta que atravessava vidas, de um lado para o outro, feliz, liberta, dormia num corpo qualquer de quem nem precisava saber o nome ou os hábitos. Na manhã seguinte partia, sem deixar rastro ou cauda de cometa...Aprendeu  nesta viagem, como se aquece o corpo onde se elegeu viver. Pareceu-lhe inicialmente complicado, agora  faz aquilo com uma perna às costas...

Assente na janela, mantinha-se o meu corpo, como naquela manhã sem fim, ...nunca teve outro lugar. Os olhos engastados lá fora, a cada estação... branca-neve, verde-nascer, cor-de-laranja-sol, ocre-folhas no chão, ano após ano...

E, lá estava ela, acaba de chegar do mundo...bateu.

Abri a porta, os meus olhos olharam os teus, abracei-te e a seguir derreti... o sangue, voltara a correr-me nas veias, agora quente, aqueceu o meu corpo todo, uma sensação que, por pouco quase esquecia...olhaste-me, dizendo:... trago comigo, um bocadinho de muito calor...Aconteceu o reencontro, contigo e comigo…Voltaram a ser felizes juntos, corpo e alma, para sempre quentes...