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quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Meg, o tempo não espera por ninguém...


(continuação)

...a meio caminho de casa, Meg despediu-se daquele  sol de fim de tarde e resolvera seguir outra direcção, rumou ao Norte, sem dizer nada a ninguém...

O vento frio permanecia a seu lado e começava a gretar-lhe os lábios. Meteu as mãos nos bolsos, das calças de ganga justas e procurou desesperada, o bálsamo que a podia aliviar e, que, sempre andava por ali. Gostava de fazer companhia ao telemóvel, ao isqueiro e aos cigarros, ainda por fumar. Procurou num e noutro bolso das calças e nada. Estava perto de dizer, um ou vários palavrões, quando começou a procurar  rapidamente nos bolsos do blusão. Impacientava-se naquela busca. Havia naquela procura uma intenção apenas, protegê-los o quanto antes, para evitar aquele ardor quente e seco, acompanhado de dor que conhecia de uma ou outra vez. Esboçou um sorriso leve  ao encontrá-lo, finalmente, dentro de um maço de cigarros vazio, que havia ficado esquecido para retardar a sua ida para o lixo, depois de dissecado ou despojado dos adornos. A película cor de prata para o lixo orgânico e o cartão para o papelão.

Aliviada, voltou a guardar o bálsamo à toa e de forma mecânica, num qualquer bolso colado a si.

Os seus pés, que tinham concordado com o destino a tomar desde o início,  caminhavam agora sozinhos sem qualquer indicação mental. O seu corpo ia atrás. Seguia agarrado e arrastado pelos próprios pés, sem questionar ou contestar a direcção tomada. Neste momento, eram a parte mais determinada de todo o seu corpo, bastava portanto, deixar que conduzissem o resto do seu esqueleto, uma vez que a cabeça, depois de aliviados os lábios, voltara atrás no tempo uns minutos, para questionar de novo os últimos acontecimentos.

Meg, fervilhava a relembrar cada palavra proferida pelas personagens que integraram aquele amargo momento. Relembrava, sequencialmente, pergunta/ resposta, pergunta de novo/ sem resposta, a mesma pergunta/outra resposta.  Lembrava os momentos em que inspiraram e respiraram, os sentimentos, as sensações que teve ao longo e no final da conversa, as expectativas que tinha antes de ligar, o sorriso  que se foi desvanecendo... A revolta que sentiu por alimentar o insólito que não teve capacidade para contrariar e lhe dar um outro rumo. A culpa que levou consigo e, que, a acompanhou nos minutos seguintes, até arrumar aquele pedaço de algodão amargo numa mala pequenina, dentro de outra mala um pouco maior, e, de outra mala um pouco maior ainda, à semelhança das matrioskas russas que assentes em móveis de outros tempos, relembravam um momento da história que ficou para trás e que hoje, foram atiradas e esquecidas para dentro de uma arca de recordações, que alguém vai lembrar um dia mais tarde, num sótão qualquer. Alguém, a quem aquele momento não diga nada, o que é razoável, porque não o vivenciou, logo não o sentiu com a intensidade dos intervenientes.

Pretendia sobretudo e apenas, recuperar  a tranquilidade e restabelecer a harmonia dentro de si e isso só seria possível obtendo a certeza, de que aquele pedaço de algodão amargo, não tivesse nunca mais a oportunidade, durante a sua existência de se vir a transformar numa enorme bola de neve. E, com o tempo e a serenidade que a caracterizava, voltou.

Quanto a ele, e ao eventual estado em que se encontrava antes do telefonema, que nunca identificou e nunca entendeu,  e ao estado em que ficou depois da conversa,  sentiu que de outra forma, de um outro jeito, também ele ficara magoado, mais magoado ainda, do que antes de ligar para ela sem sucesso. Sabia também, no entanto, que ele tinha uma forma diferente, um outro jeito de arrumar as coisas dentro ou fora de si, uma concepção diferente de arrumação. Raciocinava, tipificava, seleccionava e reciclava ao seu jeito, ao seu modo, como cada um de nós. Cada um de nós arruma as suas coisas à sua maneira.

Retomada a ordem das coisas quando o tempo quisesse, Meg seguia o seu novo caminho, sem hesitar. Seguia rumo ao Norte, até onde os seus pés a levassem ou até aguentar. 

Nos primeiros quilómetros que percorreu, durante esta minha longa explanação sobre o seu passado recente, posso dizer-vos, que a avistei sempre, apesar do meu discurso mais ou menos empolgado ou emocionado num ou noutro momento, nunca a perdi de vista. Foi recortando a costa tendo o mar por companhia...
De cima,  no miradouro, alcançou que a praia estava nua. O mar tinha levado muita da areia que deixou por  lá no último Verão, e viam-se-lhe os ossos acentuados. Todas as rochas que a constituíam eram visíveis. Desceu.

As anfitriãs eram as gaivotas,  adultas, que davam as boas vindas a quem por ali se aventurasse. Ao fundo das escadas da Praia do M., eram as fragas que se estendiam no caminho. O mar chão, balouçava baixinho, para cá e para lá enquanto  ela ia fazendo comparações entre aquele lugar onde tinha estado deitada apanhar sol  em dias de calor,  confortada pela areia, e o monte de geios que aquele mesmo lugar apresentava agora, hoje,  em plena maré frívola. Percorreu a praia cimentando todas as analogias que a sua memória conquistava recordar, das reminiscências que lhe restavam da última estação.

As gaivotas quedavam-se  e encontravam -se com os maçaricos do mar, que debicavam ouriços arrastados à força e deixados à vista pela inexistência da água; viam-se lapas pequenas, agarradas às rochas como crianças  em idade muito tenra, que temem os estranhos e nos virão a cara, rejeitando a medo, o desconhecido – Aliás, o que continuamos  a fazer mesmo depois de adultos, com uma dificuldade acrescida,  a de não termos a quem nos agarrar, o que torna tudo mais difícil -, momentos que nos postam à prova e que nos conferem, igualmente duas opções: ou o encaramos e o vencemos, tornando-nos mais fortes; ou, o medo toma conta de nós para o resto da vida, de quem seremos eternamente reféns.

Perdida em todas estas meditações que lhe  furtavam a raciocínios infindáveis, seguia o seu  velejo praia adentro. Adormecera, nessa noite, por ali, num banco de areia. Na madrugada seguinte, o Sol, que já ia alto e aquecia-lhe agora o corpo, sublimando a temperatura de tal forma, que a aliciava ao ponto de tirar o blusão roxo de penas. Colocou-o à cinta, onde similarmente gostava de estar.

Chegou  ao final daquela praia e só tinha uma desembocada, alar-se, como tantas outras vezes e encontrar de novo  a civilização. Era obrigada abandonar o mar, sozinho, por instantes. Foi o que fez, sem ânimo. Os ritmos seguintes seriam feitos ao som dos automóveis que transcorriam.

Poucos minutos e metros depois, feliz por ir ao seu encontro de novo, entrou no caminho de terra e pó amarelo que a levava à praia seguinte. Deixava para trás momentos de deleite, singulares, que lhe ofertavam a tranquilidade bastante e o prazer costumeiro da proximidade com a natureza.

Chegou à praia seguinte, praia E. A vista era sumptuosa, como, por tantas vezes havia atestado. Parou agraciar, olhava para um e outro lado e só via mar à sua frente. Um mar calmo, doce, absolutamente sedutor.  A cor e o cheiro que tinha, subjugava qualquer outro desejo  ou sentido que pudesse imaginar.

Desceu as escadas de madeira. Já ali tinha estado outras vezes, mas nunca porfiava para além daqueles degraus de madeira.

Hoje, era o dia em que granjeava uma contiguidade maior e a maré rasa franqueava a aventura. Sempre que tinha ensaiado descer a esta praia, coincidia com marés cheias e rebeldes,  com deferência, que se sabiam fazer respeitar. Por isso, nunca tinha conseguido ver para  a sua direita, o que existia para além de um cachopo impune e muito rocado.

Havia roupas espalhadas nas rochas, certamente de surfistas aventureiros, o que, com muito esforço alcançou burilar ao longe. De tão longe, eram tão exíguos.

Escaleou por cima de rochas a cuidado e rumou de novo a Norte. O livro, de quem já se tinha esquecido, mas que tinha resolvido levar hoje a passear, resolveu fazer-se notar e atirar-se para o chão.
- Bolas. Disse e, pensou.
Felizmente, que não resolveu mergulhar em águas fundas; pobres letras e palavras de Gonçalo se tivessem apresentado outras vontades, morreriam afogadas numa praia quase virgem que só é possível romper quando as águas nos permitem. Não queria o destino que aquela história ou histórias que transportava consigo, que todos aqueles personagens inventados pelo escritor, mergulhassem para além-mundo  dos livros, sem que ela o pudesse ler.

Recuperou-o, por entre o musgo verde-escuro que cobria de forma rala aquele rochedo  ainda jovem, carregado de covinhas de encantar,  cheias de água salgada onde existia vida noutras formas. Tinha a certeza.

Prosseguiu na mesma direcção, determinada, depois de ter derrotado e dobrado o rochedo maior atrás de si. Olhou em frente. E, viu uma praia pequenina de areia dourada, que não tinha qualquer pegada humana.

Estarreceu, enternecida...Era a primeira vez, que via  de tão perto aquela praia ...

Pieou a areia e cuidou, que esta teria sido a mesma sensação que teve, o primeiro astronauta quando pisou o solo lunar. Agigantou nos pensamentos, ela sabe, mas não se  importa com isso,... desfrutava integralmente do som do mar que tinha de volta aos seus ouvidos, da visão de uma praia completamente deserta, que era naquele momento só sua.

Que vontades esquivas, tomam conta de nós, de vez em quando. A sua alma estava feliz, era o que importava. Atravessou-a, ainda mais para Norte. Olhava para trás e via ao longe uns pontinhos pretos, que os seus olhos não conseguiam identificar com precisão, o que deviam ser os dois surfistas conquistando ondas dóceis.

Imaginou que pudesse estar na direcção do Velho Forte, porque não conseguia fitar nada senão uma encosta muito alta com ar de Adamastor, como se fosse um gigante que estava ali para não deixar passar o mar.  Dobrou aquela proeminência costeira e encontrou outra praia, mais pequenina ainda, com ar envergonhado, igualmente, de acesso difícil.

Não lhe conhecia o nome, mas era uma praia guardada pelo Velho Forte, que antes da existência deste, não era guardada por ninguém. Este, seria o seu velho e único amigo, que jazia em ruínas a seu lado, para, o que desse e viesse. Estava decidido a tomar conta dela até ao seu fim. Talvez, fossem avô e neta, não cheguei a perguntar a Meg, imaginei apenas.

Por momentos pensei descer e alcançar a praia RD, mas as forças, o cansaço e a sensação de que aquela costa era interminável retiravam-lhe a vontade de continuar. 

A determinada altura, voltou para trás, subindo e descendo pequenos rochedos,  até se abalroar de novo, na praia de areia dourada. Não havia pássaros por aqui, nem gaivotas, nem maçaricos. O Sol estava demasiado quente para Dezembro e obrigava-na a fazer uma pausa para descansar.  Bebera as ultimas gotas de água que restavam no fundo da garrafa que levara consigo. A paisagem e o silêncio eram ópio. Pousou os pertence que tinha em cima do casaco roxo e despiu-se…O mar de um lado, a terra do outro…repousou, e  flutuou...

…voltou à reminiscência quando já se encontrava sentada num banco de pedra, à sombra, longe daquela praia de sonho. Descalçou-se, e foi quando entrou em Jerusalém com a devida atenção e respeito. À sua frente tinha agora uma louca, Mylia, que estava doente, um médico chamado Theodor e Hannah, uma jovem prostituta, que a aguardavam carentes de atenção e cansados. Dedicou-lhes uma hora do seu tempo e retomou o caminho...

Atropelavam-se as imagens, as palavras, as frases, os momentos, os pormenores...



2 comentários:

  1. "...Cada um de nós arruma as suas coisas à sua maneira."
    Obrigado! Boas férias para si também, Alfa!
    Beijinhos
    Quicas

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  2. ...O Mar, sempre ele e tu...
    A procura um dia resulta, na paz, tenho a certeza!
    Bj de quem te entende e gosta de ti.

    Escreve...escreve sempre!

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alfa diz: