- NÃO ACEITO A CONDIÇÃO QUE ME IMPÕEM! Gritava aquela mulher baixinho em sofrimento, para dentro dela. - NÃO QUERO. MEREÇO MUITO MAIS E MUITO MELHOR, QUE O QUE ME OFERECEM AGORA! TENHO A CERTEZA!...Voltava a gritar em desespero...E, eu!!!!!!?
- Eu ouvia os seus gritos de sofrimento e de agonia e sofria solidária...sem quase nada poder fazer.
A sua voz dizia outras coisas, quando falava...e, eu ouvia...
Resignada com a decisão tomada por outros, por pessoas que amava e de quem se sentia "escrava" com "prazer" e por "prazer", condição herdada por gerações no feminino, a que se habituou como profissão, não queria fazer sofrer ninguém, preocupar ninguém, alterar as rotinas de ninguém e tentava de forma ordeira como toda a vida fez, compreender, convencer-se de que aquilo era o melhor para si e sobretudo o melhor para eles, uma vez que a decisão tinha sido aquela.
Acreditava que... - Jamais aqueles que amo e amei de forma incondicional, por quem sofri, padeci, me humilhei e passei fome... serão capazes de não zelar pelo melhor para mim, agora, que me faltam tão poucos anos para me ir embora e deixar em paz o mundo dos vivos...Apesar de tudo isto, concebia ainda, mais um sacrifício na vida pelos que ama, fazê-los felizes pela decisão que haviam tomado...absurdamente, e, contra minha vontade...
...mesmo no fim da vida, ...fazia-o por eles...
- Não lhe restavam forças para contrariar, retorquir ou até se impor...
Como eu a compreendia...Sentira isso com a minha mãe, quando passei a ser mãe dela... e ela deixou... tranquila.
Não há uma determinada idade na vida para que isto aconteça. O fenómeno acontece por necessidade dos pais, são eles que o definem e nós os filhos apenas o sentimos,... que dali em diante, passamos a ser pais deles. Acontece a todos nós, os mais novos..., que apesar de já não sermos muito novos pois os mais novos são os nossos filhos, a quem apelidamos de netos... velhos ainda não somos,...E, os mais velhos sentem que foram ultrapassados pela rapidez do mundo à sua volta, enquanto tratavam de nós. Um dia saem a porta, e verificam que tudo mudou, tão de repente, sem que lhes fosse dado tempo para o acompanhar.
É nesse dia, que os pais se sentem filhos de novo e os filhos se sentem, então, pais realmente...mesmo, depois de terem filhos.
Acordo e adormeço a ouvi-la... a ouvir o seu choro envergonhado de criança sozinha, que se sente abandonada, à noite, no quarto da Sãozinha que vive ali vai para dezassete anos. A Sãozinha já não sente, ou sente pouco...dezassete anos depois...
- A comida é muito boa, diz para si mesma baixinho...- Elas são carinhosas comigo, diz para si mesma baixinho...- Isto é muito limpinho, diz para si mesma baixinho...e, tenta esboçar um sorriso para si, baixinho para não acordar a Sãozinha...E, diz o mesmo a quem a vai visitar...
- ESTOU INDIGNADA, digo eu agora....quase a rebentar.!..Respiro fundo, reformulando os meus pensamentos e os meus sentimentos a propósito...- ADMIRO ESTA MULHER e GRITOOOOOOOOOOOOOOO.
- Estou-me nas tintas para a Sãozinha...
- Que me oiça, que acorde com os meus gritos de raiva e de insatisfação,....... não me RESIGNO com a nova condição que lhe atribuem.....
Fumo...e assisto à chegada por todas as portas que circundam aquela sala grande, feia, com um pé direito alto e contígua a outra, onde arrumados em fila em sofás e em cadeiras, se encontravam depositados corpos, alguns estragados pela vida e pelo tempo, de cabeças vazias ou meias vazias pelo torpor de vidas tristes e já sem vida...à chegada para uma das refeições. Alguns roçam de muito perto a loucura, não sei se a trouxeram de fora se a adquiriram aqui, mas não faço perguntas...Não quero ouvir as respostas...Sentam-nos, quase encastrados, colocam-lhes os babete - avental para não sujar a roupa de 2ªfeira...porque, à noite vão para festa e têm que ir bonitos e apresentáveis...ou, porque só têm aquela muda!!!...ou, porque sim e pronto.
...e, enquanto a oiço, porque ainda não a liberei para jantar....olho em volta..., a cena é de um horror cinematográfico, muito próxima de alguns filmes que vi...não há empregados na sala, apenas hóspedes, ninguém tem um ar são e alegre, ....é o nosso destino... dirão os que ainda conseguem proferir palavras...resignados com a vida.
Vidas no feminino e no masculino que já não significam nada....!!!!!, nem para eles nem para ninguém...O silêncio e o meu momento de absurda contemplação é interrompido por uma mulher numa cadeira de rodas que não pára de dizer....Aiiii, Jesussss que me estou a sentir mal, sentada em frente a outra muito mais nova, que olha para ela de frente, mas não a está a ver, porque não quer ver nada. Curiosamente, tinha-a visto antes na sala contígua da televisão, igualmente feia, a dar um beijo nos lábios a um senhor de mais idade... o que me chamou atenção, ao ponto de me questionar, será este um namoro arranjado aqui?....será, que aqui, ainda há amor em qualquer lado?...onde se manifesta?...
....Via, olhares perdidos por todos os lados, desinteressados de tudo, cabeças desmoronadas em cima de corpos desmoronados ou inertes... Alguém esboçou um sorriso, chamou-me atenção...Era um homem lúcido, um hóspede, alguém ainda agarrado à verdadeira vida que não queria largar,... que loucura seria a dele para ser ali hospedado? ..foi o único que vi a ler naquele final de tarde, os outros ou dormiam ou dormitavam entregues às poltronas ao som de uma televisão que debitava informação em nada importante para aquela gente. Haviam perdido a vida ainda vivos, que lhes interessava as notícias?... Um passeava para trás e para à frente, arrumava cadeiras no lugar certo, punha mesas direitas, de bengala numa mão e arrastando o corpo, aquele peso, que se lhe dessem a escolher o deixaria para trás...toda a tarde vagueou por entre os vivos, mortos, quase mortos diria. Reparo numa mulher, que não tinha visto até então, devia ter estado toda a tarde a arranjar-se, desceu para o jantar, chegava como se tivesse sido convidada para ir ao restaurante...cabelo apanhado num carrapito tradicional, vestia de forma clássica, camisa beje devidamente abotoada e saia preta comprida, meia de vidro e sapato a condizer. Tinha um ar distinto, aneís nos dedos, vinha de mala na mão. Fiquei espantada. Não proferiu uma palavra. Chegou, sentou-se em frente de outra mulher com quem ia partilhar aquela refeição, ninguém cumprimentou ninguém. Pousou a mala com cuidado, com extremo cuidado, enrolou a pega da mala e abordou o assento da cadeira de forma elegante.
Havia em todos aqueles gestos, deliberados ou encomendados pelas mãos de alguém... uma estranha forma de estar...de sentir...e, de viver o fim da vida...
Começavam a distribuir inofensivos copinhos de plástico pelas mesas, com bolinhas coloridas lá dentro que pareciam divertidos e felizes por irem ser engolidos por bocas santas, que se não o fossem acabariam por ficar passado pouco tempo após a sua ingestão.
Os hóspedes não ficaram nem felizes nem descontentes por vê-los, nem por saber que iam alimentar os paladares de boas recordações, ...como antigamente, noutros tempos, quando viviam nas suas próprias casas em que faziam a comida com gosto e mesmo antes de comer as papilas gostativas davam pulos de contentamento... quando os sentidos ainda estavam vivos dentro deles...não respondiam aos apelos mais instintivos....reinava por ali a apatia..., a indiferença...a vontade nenhuma de agradecer à Vida um dia terem vivido...
...felizmente, ela já quase não vê...
INFELIZMENTE, EU VEJO...TUDO...E, NÃO QUERO...POR ISSO, GRITO DE RAIVA E DE DOR e falo por mim e por eles...
Havia em todos aqueles gestos, deliberados ou encomendados pelas mãos de alguém... uma estranha forma de estar...de sentir...e, de viver o fim da vida...
Começavam a distribuir inofensivos copinhos de plástico pelas mesas, com bolinhas coloridas lá dentro que pareciam divertidos e felizes por irem ser engolidos por bocas santas, que se não o fossem acabariam por ficar passado pouco tempo após a sua ingestão.
Os hóspedes não ficaram nem felizes nem descontentes por vê-los, nem por saber que iam alimentar os paladares de boas recordações, ...como antigamente, noutros tempos, quando viviam nas suas próprias casas em que faziam a comida com gosto e mesmo antes de comer as papilas gostativas davam pulos de contentamento... quando os sentidos ainda estavam vivos dentro deles...não respondiam aos apelos mais instintivos....reinava por ali a apatia..., a indiferença...a vontade nenhuma de agradecer à Vida um dia terem vivido...
...felizmente, ela já quase não vê...
INFELIZMENTE, EU VEJO...TUDO...E, NÃO QUERO...POR ISSO, GRITO DE RAIVA E DE DOR e falo por mim e por eles...
Muito sinceramente... não consegui ler o teu texto até ao fim.
ResponderEliminarJunto o meu grito de raiva ao teu. A desumanidade é tão possível que revolta.
Fotografaste o nosso mundo... trágico.
Beijo
"Como eu a compreendia...Sentira isso com a minha mãe, quando passei a ser mãe dela... e ela deixou... tranquila."
ResponderEliminar...Ana apetecia-me vernacular na direção de algumas pessoas,mas essa frase que transcreveste merece todo o meu respeito,e respeito algum por quem ignora quão grito de revolta...daí,por aqui me fico!
beijos