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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O ensaio...




Numa luta desigual, em que a vontade mental teima para que viva e a morte me quer levar, procuro desesperadamente uma enseada onde possa largar o meu corpo, aconchegado à terra e fazer livre de uma vez por todas a minha alma, que nunca aprendeu a viver de outra forma.

Sinto um curto-circuito interior que me arrepia, que me faz estremecer... e picadas ao de leve por todo o corpo, como se um formigueiro me atacasse e me corroesse por dentro, sem mágoa, sem pena de me ver partir. Perco as forças a cada dia, não consigo equilibrar o esqueleto, este pequeno conjunto de ossos que foram crescendo comigo e perdendo a esperança aos poucos de um dia viver hirto, em harmonia com a vida, onde as pessoas são felizes ao lado umas das outras, num país brilhante. Esse momento,  já passou e eu quase nem dei por ele. A curva é agora descendente.

Tenho medo de tropeçar, cair e desordenar a ordem...
Assisto de fora a um caos interior, lento, que sinto. O meu cérebro troça e não acompanha o desmoronar do corpo que me deram...

Acabei de fazer um acordo com a Vida. Morro agora e volto a nascer amanhã, num outro corpo "novinho em folha", forte e são, onde a energia dominará todas as minhas células e, em troca, prometo tomar conta dele muito melhor, que do primeiro que tive. Não terá vícios, terá consciência de que não é indestrutível, saber-se-à posicionar correctamente em cada momento, não exercerá esforços em excesso nem em defeito, e talvez assim o consiga convencer a viver eternamente, com o mesmo esplendor de quando alguém o trouxe ao mundo.

Dei cabo dele, gastei-o, abusei dele, fiz do meu corpo um carrasco, o meu próprio carrasco... por desconhecimento, por inocência e ingenuidade. Ao olhar para os demais seres vivos entendi-me em tudo melhor que eles. Mais inteligente, mais forte, mais tudo...

...e, o carrasco tomou conta de mim. Fui amarrada, chicoteada, apedrejada, taparam-me a boca, quase não respiro...apenas, um fio de ar me percorre as veias e não me deixa morrer no verdadeiro sentido da palavra...

Não aguento o que não quero, o que não gosto, não aguento mais nada...
 
Vou aconchegar-me aqui, nesta curvatura da costa, reentrância aberta na direcção do mar ladeada por dois promontórios. Fecho os olhos e vejo-o a ele, o mar e vejo-me a mim, a ir embora...

...
Antes de voltar de novo à vida, amanhã, explicam-me, que a minha existência anterior...
afinal,  não passava de um Ensaio...

...A vida só será plenamente vivida quando voltarmos pela segunda vez...Aí sim,... Vai começar o ESPECTÁCULO...

7 comentários:

  1. ...Não gosto do desespero...quando isso acontece simplesmente me esbofeteio e deixo acalmara a raiva!
    Depois disso, penso:

    Perfeito!?

    Porra perfeito só Deus e eu sou uma centelha dele e, então bebo o meu copo e como a minha fatia de pão, porque não sou eterno e tenho direito á minha parte da imperfeição. Como tal vou tirar disso partido, nem que seja passando por abusar do meu corpo um pouco mais.
    Tempo para ser perfeito...Depois...só muito depois.
    Quando Deus quiser!

    Bj terno do teu amigo
    Carlos

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  2. Texto muito dramático, que motiva reflexão, embora tudo que escreveu, já tenha passado pelo meu pensamento!
    Com certeza que se nos dessem a chance de uma segunda vida, esta podia ser vivida de outro modo!...
    Beijos,
    Manuela

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  3. …Assim que a modos de alguém que passou pela vida de forma tal, que quase não deixou rasto, de tanto gasto em repasto farto, nefasto e empobrecido…assim como alguém que em passo rápido, acéfalo e não pensado, viveu tão rápido e, tão rápido se foi, gasto…que não tu pela certa, que medes e bem os passos que dás e direccionas a tua vida a bel-prazer, e com prazer…assim me parece!

    Bj*

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  4. Alfa: Um texto forte e cheio de desespero, não gosto de ler coisas deste, mesmo que seja só escrita acho muito carregado de dessespero de uma pessoa que deseja morrer, mas em tom de brincadeira, eu falo muitas vezes com o S. Pedro e le diz-me que tem o hotel cheio e ainda não tem vaga para mais ninguem, mas quando tiver uma vaga que abre o livro da vida e vai procurar que deve chamar.
    Beijos
    Santa Cruz

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  5. olá
    texto muito dramatico, real, triste e ao mesmo tempo inspirador.
    gostas de nos por a pensar.....
    beijos
    teresa infante

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  6. Alfa, sim, que seja assim - sempre morrermos hoje para renascermos amanhã.
    E que ao findarmos consigamos pousar suavemente nosso corpo na TERRA e que ela o fecundo em seu estado absoluto.
    Gostei muito.
    Abraços

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  7. ...,li os vossos comentários e verifiquei com alguma curiosidade, que o que mais vos tocou, não foi o que me motivou a escrever...num registo de esperança, e de possibilidade de voltar a viver de novo para viver melhor corrigindo os erros de uma vida vivida às cegas... confesso que era uma possibilidade que me agradava. Mas entendo e compreendo que os 2 primeiros parágrafos são intensos e sofridos no relato e que não vos deixou espaço para entender o final, como um princípio feliz e de plenitude....bjos, para todos, quantos por aqui passaram, para os que deixaram o seu comentário e tb para os que passaram sem deixar.

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alfa diz: