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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Estranhos hábitos...


Atendi como é habitual, dizendo: 
- Estou, estouuuu.....Alôooo...

...do outro lado o silêncio era absoluto, ninguém respondia., e eu continuava,... alôoooo, ssiiimmmm...
espaçados, ouviam-se sons estranhos de uma orelha a roçar o auscultador, seguido do som de um carro que passava, testemunhando o alguém do outro lado da linha, que não se queria identificar...segundos depois, desligavamos...
...umas vezes eu, outras vezes a pessoa do outro lado.
No início, 5 a 6 vezes por dia, 2 a 3 vezes de cada vez...


de tal forma que lhe decorei os horários...ficava à espera, olhando incessantemente para o telemóvel...esperançosa. 
A sequência acontecia  compassada no dia,... 8.20/30h da manhã tocava a primeira vez, depois por volta do 12.40h, 14.30h, às vezes 16.00h, às 19.00h e por fim às 22.40/50h....muito raramente por volta da meia-noite. 

Os horários, desvendavam algumas das rotinas de quem não se queria anunciar...
Acordava cedo e pretendia acordar-me também. De seguida trabalhava o resto da manhã sem tempo para estranhos hábitos...Chegada a hora do almoço, lembrava-me que eram horas de almoçar....
De tarde, eu imaginava que deveria ter horários menos rígidos ou menos disciplinados, se bem, que foram vários os dias em que ligava apenas às 14.30h para dar início ao período da tarde e depois apenas por volta das 18.30h....constatava...Outras vezes, recebia uma chamada por volta das 16.10h  e  voltava a tocar apenas no dia seguinte.
Deixei de atender durante uns tempos.
Este era o ritual que o meu telemóvel tinha de há três semanas para cá. Atendi pontualmente...Na verdade, não tinha o hábito de atender chamadas anónimas, mas alguma coisa me dizia que estas, devia atender,!!!!!....era, como se tivesse deixado, que os sentidos conduzissem a minha vida ou a  minha existência....e deixei mesmo!!!!!...

No início julguei ser alguém que me conhecesse e que me queria falar...Mas, na verdade, quando atendia....verificava, que afinal não tinha coragem ou, não sabia o que dizer...Depois, achei que era alguém que queria apenas ouvir a minha voz, mas não queria ser ouvida....apesar de não fazer sentido, porque a minha voz não tem um timbre especialmente bonito... 
E o que haveria eu de ter, para dizer a alguém que só ouvia do outro lado e não falava...!!!??!!!!
Ainda assim, coloquei a hipótese de desenrolar um monólogo de voz doce...mas desisti. 
Cheguei a pensar mais tarde, que pretendia apenas aborrecer-me,.... ou, porque, eu própria a tivesse aborrecido, ou por outra razão qualquer que não consigo considerar...Mas, também esta hipótese caia por terra, porque as pessoas que conheço e me conhecem sabem que resolvo tudo com uma boa conversa...sem esconderijos...

Concluí então, que isto só poderia estar acontecer vindo de alguém que não me conhece de facto... É difícil pensar pelas cabeças dos outros e considerar todo um universo de possibilidades, que certamente me transcendem em raciocínio...e, mais complexo ainda, é tentar adivinhar o que as motiva a fazer telefonemas a alguém, sem nunca dizer nada...

Os dias passavam marcados essencialmente pelas chamadas de ninguém,  que me queria fazer notar que existia, tanto assim, que me ligava...e eu registava, cada chamada na minha memória e na memória do meu telemóvel para a posteridade. 

Alguns dias depois, comecei a notar algumas ausências em determinados horários, as chamadas começavam a escassear, ...os primeiros quinze dias tinham apresentado este ritual...Fazia  a cronologia dos acontecimentos telefónicos e notava com uma tristeza estranha de explicar, que eram cada vez menos...Sentia-lhes a falta... 

Continuava a receber, mas agora, já sem regra nenhuma....
De manhã, não me acordavam pelo que adormecia, ...não almoçava, porque ninguém me lembrava a hora do almoço, ....não lanchava e havia dias que ninguém sequer, me dizia Boa Noite, trrrinntando...Havia dias, que só me acordava.....havia outros, que me lembrava que era hora de dormir e no dia seguinte me dizia, que era hora de almoçar....
Mas, não havia dia que não tocasse...Perdi as rotinas, baralhei os hábitos, comecei a ficar confusa e sobre tudo entristeci...

Percebia, que aos poucos, a pessoa perdia a vontade inicial que tanto a determinara semanas antes, a ligar para mim ...ou para ouvir a minha voz, ou até admito a possibilidade de me querer aborrecer...mas a verdade, é que escasseavam a cada dia os telefonemas e o nº de toques...  

Sofia, sofria com este acontecimento. Vivia sozinha, havia muitos anos e nunca fora uma mulher de muitas amizades nem no trabalho nem na vida, não tinha família nem namorado, nem sequer um animal de estimação...Vivia acompanhada apenas da solidão e de personagens e personagens que se amontoavam em prateleiras espalhadas por toda a casa. Nenhuma delas saia da sua história ou tinha o hábito de lhe perguntar porque estava triste, quando estava triste, ou porque estava alegre quando estava alegre ...se precisava de ajuda,... ou se queria desabafar alguma preocupação.

Sofia, habituara-se a viver só, sem partilhar nada.
Lá no fundo, sentia vontade de o fazer, de ser igual aos demais nas virtudes e nos defeitos, mas não tinha com quem...um amigo, uma amiga, um namorado...

Quando surgiram os telefonemas anónimos, alimentou a alma e a esperança...de ter alguém por companhia, mesmo que fosse apenas para falar ao telemóvel...

Perdera-se dos anos e os anos haviam se perdido dela. Quando se autorizava a sonhar, acreditava que um dia, alguém viria na sua direcção, uma outra metade de si...confiava cegamente no destino e no seu futuro, apesar deste se lhe apresentar cada vez mais curto.
O que poderia parecer aos olhos de todos estranhos hábitos, eram para ela uma forma de companhia e uma possibilidade de realizar sonhos...
Mas na verdade, a sequência dos acontecimentos indiciava que um dia os telefonemas anónimos iam terminar para tristeza sua...

Um dia, fui surpreendida e ouvi uma voz masculina, dizendo: 
- Eu amo você... Eu amo você...para se calar de seguida.... aquele timbre, não lhe era completamente desconhecido...
Não consegui dizer nada, faltou-me a voz...


9 comentários:

  1. un gusto visitarla. me encanta mucho PINK FLOYD.
    UN ABRAZO

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  2. Era eu um puto e ficáva horas a ouvir Pink Floid...hoje sou um homem e continuo a ter esse previlégio, mas agora com uma amiga que me dá na palavra o preenchimento que a musica não tem!
    Bj com sentido

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  3. Pois…um texto daqueles de nos transportar no tempo…havendo tempo ainda para nos deliciar com os míticos Pink Floyd…maltinha da minha geração, em que os relógios deles, e o meu também, freneticamente não parando ,e não nos poupando, nos põe de cabelos brancos, com muita nostalgia à mistura ;-)…bom gosto o teu!


    Bj*

    Obs-esta tecnologia dos blogues ainda continua a confundir-me...daí o primeiro comentário ter ficado incompleto...modernices estas ;-)

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  4. Sem dúvida que Pink Floid cria ambiente! Que eu estaria horas a ouvi-los, como na minha juventude!
    Mas, a banda que me perdoe, não pude evitar o "trrrinntar" do seu texto com todos os pensamentos que suscita e... me deixa, também, sem palavras!
    Só uma história assim para me fazer esquecer Pink Floid!...
    Beijinho

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  5. Essa música dos Pink Floyd é muito boa, entre outras também excelentes, esta banda é sempre para revisitar.
    Gostei imenso do teu conto, li-o expectante, essa solidão dói, no entanto no fim sorri. Por uma coincidência, há cá um programa na televisão, em que o Milton (apresentador/humorista) telefona para um número qualquer e diz precisamente: eu amo você com sotaque brasileiro!
    Por isso chegada ao fim sorri e pensei foi o Milton!...
    Beijinhos,
    Manú

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  6. olá.. bem avisei o Nilton de que um dia isto ia dar que falar.....
    gostei bastante
    bj.
    teresa infante

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  7. Gostei muito da sua escolha da musica.

    bjs
    Insana

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alfa diz: