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domingo, 31 de janeiro de 2010

Trilogia seguida - Eu nunca gostei do Vermelho!




Aconteceu há alguns anos atrás, quando Alice comprou uma casa nova. E apenas numa parede da sala consentiu que o vermelho se instalasse.

- Até aí, jamais nos meus haveres, dei oportunidade ao vermelho para se juntar às outras cores e colorir, combinar ou enfeitar o quer que fosse que fizesse parte de mim…

....Nas diferentes culturas e na psicologia das cores, o Vermelho sempre foi sinónimo de paixão, força, energia, amor e alegria (China), mas também de liderança, masculinidade, perigo, fogo, raiva e revolução.

Alice sabia, que qualquer cor descendia da existência de luz e que sem ela, tudo seria eternamente negro. Tinha consciência em presença desta Cor, que a temperatura transmitida dependia da iluminação, natural ou artificial, que recebia.

- Quis quebrar todo aquele branco hospitalar e o reflexo causado pelo Sol, quando entrava casa adentro, ofuscava-me e deixava-me cega. O espaço, já de si grande, em branco era maior…

Ela, não sabia descodificar a pormenor o enigma sobre o branco, mas sabia que resultava visualmente para a espécie humana da sobreposição de todas as cores. Sabia também, que no espectro visível, todas as cores estão compreendidas entre o azul o violeta e o vermelho.

Lembrava-se, que algumas vezes olhando para o céu, na presença de luz, emergia o arco-íris… tinha a noção do espaço ocupado por cada cor e do nascimento de outra quando duas se fundiam… sabia, …que as cores expressam sentimentos e sensações e que criam e transformam atmosferas.

- Assim, depois de ser minha, mudei-lhe a cor. Mandei pinta-la, toda de bege e findo o pequeno corredor, aparece a sala com uma enorme parede do lado esquerdo, que escolhi pintar de vermelho. O vermelho que escolhi, não foi um vermelho qualquer. Chama-se, Vermelho Imperial.

- A preocupação principal era tornar a minha casa mais quente e consegui. A minha casa era agora muito mais acolhedora.

… Alice, acolhida por aquelas cores Verões e Invernos seguidos, sentava-se no sofá de pele castanho e através da vidraça da varanda, via um mar azul enorme, contrastante… e perdia-se em pensamentos.

Até aqui, nunca tinha permitido que o vermelho fizesse sequer parte do seu imaginário e por isso nunca lhe tinha dado qualquer oportunidade. Não tinha qualquer fascínio por carros, malas, sapatos ou peças de roupa daquela cor... como a moda exibiu algumas vezes. A sua mãe adorava esta cor...

Durante todos estes anos, Alice aprendeu a conviver com ele. Consignado àquela parede, deixava-o apenas misturar-se em pequenos apontamentos, ao castanho de preferência escuro e ao bege dominante, que contrapunha sempre que ele queria protagonizar qualquer história, qualquer combinação ou qualquer harmonia no espaço.

- Quando o Sol e o calor aparecem, dou-lhe outras oportunidades, é verdade. Visto-o algumas vezes, metamorfoseado em peça de roupa, preferencialmente em vestido… mas sozinho... sem ter a companhia de qualquer outra cor... apenas combinado com a cor da pele.

- Não sei se ele gosta de andar sozinho… mas isso basta-lhe... a ele! … e a mim!

Alice tem por hábito dizer, ainda hoje, apesar de cada vez menos, que jamais será, alguma vez… the woman in red.

Assinado
Alice Blue


quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Trilogia seguida - Laura, em telhado de zinco quente...






 Laura, hoje estava pensativa… Enquanto perdia as horas do dia, recordava o último filme que vira, enroscada nele. Não pretendia fazer nenhuma analogia com a protagonista do filme, até porque para além de "ronronar" muito melhor que ela, não era loira, mas parda.

De pelo brilhante passeava elegantemente por cima de tudo, pelos sofás, no tapete branco felpudo, já para não falar no colo do seu dono.

Aquele homem sem nome, sempre que chegava a casa, a primeira coisa que fazia ao meter a chave à porta era chamar por ela.

- Lauuuuuurrrrrrraaaaaa – melodicamente, entoava o seu nome.

Ela aparecia imediatamente e de forma carinhosa, como era seu hábito, entrelaçava-se nos seus tornozelos num ballet digno de ser visto por uma plateia de aplausos e ficava à espera de ser retribuída pelo calor da sua mão. Aliás, perspicaz como era... momentos antes de lhe sentir o cheiro ao fundo das escadas do prédio, vinha para o hall de entrada e ficava muito atenta a ouvir-lhe os passos, um a um, no último patamar do elevador. Há vários anos que o recebia sempre da mesma maneira e com o mesmo entusiasmo.

Laura não gostava do seu nome, mas fora ele que lho dera no primeiro encontro…
Assim que lhe pegou, numa loja de animais...olhou para ela e disse, entusiasmado com a possibilidade de ter uma companhia no futuro próximo:  -Vou chamar-te, Laura.

Às vezes, ela fazia questão de lhe recordar que preferia outro nome qualquer, e obrigava-o a repetir em vão, sem responder às chamadas. Laura, sabia que apesar de ser ali que existia tudo o que sempre sonhou, naqueles 200m2 de conforto, boa comida e muito carinho... também gostava, de vez em quando fingir ser um pássaro e de vez em quando voar.

O seu dono sem rosto, encontrou-a várias vezes naquela janela das águas furtadas e via-a sair rumo ao telhado de zinco, onde adorava preguiçar nos dias soalheiros em que o Sol fazia o resto... aquecia o telhado. Ora de barriga para cima, ora de barriga para baixo, aproveitava para admirar a paisagem e tudo à sua volta... os carros, as pessoas, … ou então, o rio, o céu, as nuvens e os pássaros.

Um dia apaixonou-se.

Primeiro foi pelo rio, onde se imaginou a navegar, a nadar, a mergulhar e a contar peixes a dois. Depois apaixonou-se pelo céu que era da cor dos seus olhos, azuis. Mais tarde por uma nuvem, mas concluiu que tinham objectivos de vida diferentes. E, por fim, por um pássaro, que um dia lhe caiu à frente do nariz e que a fez acordar no meio de um sonho.

O sonho estava a ser maravilhoso. Eis senão quando, jaz um pássaro sem bando, caído à sua frente e lhe pediu ajuda, estava ferido. Laura, tinha um coração enorme e um estômago habituado pelo seu dono sem nome, a comer comida de lata.

O que toda a gente esperava, era que ela fizesse jus à sua espécie e se atirasse de cabeça para o comer, mas Laura aprendeu a resistir aos instintos mais primários e não salivava pelos seus antepassados.

A fragilidade em que O encontrou naquele momento, fez com que revelasse a sua complacência e compaixão e mais tarde, os sentimentos mais nobres que uma gata pode sentir por um pássaro. Foram dias perdidos de histórias que ele lhe contava do mundo dos pássaros e histórias que ela lhe contava do mundo dos gatos… no telhado de zinco… sempre quente, pelo Sol.

Dias e noites, após...

Laura, abandonou praticamente o seu dono sem nome. Faltava já muitas vezes à primeira chamada, quando a porta de casa se abria, ao fim da tarde. Não lhe fazia mais falta os seus tornozelos ou o calor da sua mão.

E, um dia, pela última vez respondeu à primeira chamada; - Lauuuuuuuurrrrrrrraaaaaaaa. Dançou, despediu-se daquela mão quente que tantas vezes a afagou, subiu ao telhado e voou com ele.

Hoje, não se chama mais Laura, mas apenas Gata.


segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Viver por metade...!

A maioria de nós … vive por metade…!

A maioria de nós vive tudo por metade e pouco por inteiro!

A maioria de nós, o que não vive por inteiro metamorfoseia em sonho, outros em frustração, outros ainda projectam nos seus filhos o que não conseguiram viver durante a sua conveniente existência. A maioria de nós sonha para os seus descendentes, as conquistas não alcançadas, demandando dar continuidade em duas, três ou mais vidas o legado de quereres que não são deles. Se persistirmos, também eles vão viver por metade a sua Vida.

A maioria de nós…não tira provento dos ensinamento de todos os dias, nem os apreende por inteiro... Obstinadamente, a Vida obriga-nos a viver, repetindo à nossa frente vezes sem conta as mesmas situações noutros tempos, com contextos análogos, com outras personagens, mas com o mesmo “guião”, na esperança de assimilarmos por inteiro alguma coisa;

A maioria de nós sonha por inteiro e vive por metade;
A maioria de nós vive! … Nascendo por inteiro, crescendo por metade e morrendo por inteiro.
Não temos tempo! A correria incessante em que vivemos hoje, não nos deixa espaço, para ouvir, ver e sentir o que quer que seja, do princípio ao fim. Ouvimos, a partir de meio; vimos o início, o meio e o fim e dispersa-mo-nos por entre estes momentos; e por fim… sentimos qualquer coisa.

Não estamos habituados a concentrar-mo-nos; não nos ensinam a treinar essa prática, quando pequenos;
Não queremos perder todas as oportunidades, nem aquelas que não o são;
Não queremos ficar para trás, e perder a corrida que não existe;
Não queremos ficar extemporâneos, mas ficamos;
Não queremos ficar fora de moda, ficando;
….
Só queremos correr, correr desesperadamente, viver muito, em pouco tempo para uns e em muito tempo, para outros. Sem compreender nada, tendo apenas uma pequena ideia de totalidade… é mais que suficiente. Mesmo que daqui resultem equívocos, vidas perdidas, sonhos dilacerados, amores desfeitos, enganos sem solução, acusações imerecidas, gente ferida … perdões por reclamar, escusas por verbalizar, sigilos por patentear … nada disso importa.

Um dia, já perto do fim olhamos para trás e verificamos que apesar de tanta correria, não vivemos nada completamente… e pior não temos tempo para repetir.

Uma minoria de nós vive por inteiro.  A maioria de nós … vive por metade…!

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

continuação comment

Por ser centenária era feita exclusivamente de sabedoria e dotada de um herança que jamais alguém lhe poderia roubar. Por ser centenária a experiência tinha-a feito passar por infindas tentativas infrutuosas de suicídio, a propósito disto e daquilo. A malha do cachecol deu uma ajuda e putrificada que estava pelos anos passados envoltos naquele pescoço, fustigado a cada inverno pelo frio e pelo vento, não escorou o peso do malogrado, deixando-o escorregar devagar até ficar deitado no chão ao lado dela. Ela olhava-o, ele jaz prostrado de olhos fechados entre as últimas folhas de Outono que tinham despido por completo as árvores menores. Ela olhava-o, ele começava agora a respirar devagar e a recuperar o fôlego, julgava-se morto, num outro mundo. Questionava-se se teria ido parar ao céu ou ao inferno.

A centenária olhava-o com ternura e aguardava qualquer palavra vinda das entranhas de um cadáver que nunca chegara a sê-lo.

Por fim, ele disse:
- Onde estou? Porque é que trouxe comigo a árvore?
- Estás ainda aqui na terra, nunca te foste embora. Respondeu ela. A lã do teu cachecol apodrecera com os anos e por isso não cumpriu a tua ordem.
- Mas!..
- Ainda bem malogrado homem, alguém te deu uma nova oportunidade, para encontrares um fim mais feliz para a tua errante vida. Repara, tu não és unicamente seu paciente, és também seu professor, alguém que a caloira arquivará para o resto da vida como a prática mais enriquecedora que teve profissionalmente. Uma incessante partilha de experiências e ensinamentos, a vida também é feita destas realidades. Orgulha-te homem, da importância que tens. Imaginas quantos são aqueles que gostariam de ter como público apenas uma única pessoa, uma única vez na vida e nunca o conseguiram, porque não têm o dom da palavra.


segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O Natal … inspira-(me(-)nos),… inspira uns e outros…

O Natal inspira-me!

… Maria, durante muitos anos foi encantada pelo espírito de Natal, vivia-o com a intensidade e a alegria da maioria de tanta gente. Começava a comprar os presentes com antecedência, outras vezes, ela própria os fazia, comprava os materiais e depositava toda a sua dedicação a construir com as suas próprias mãos; escolhia os papéis de embrulho, embrulhava-os com requinte, todos os anos com uma ideia diferente e todos iguais; arranjava a árvore de Natal com prazer; ornamentava a casa e a mesa como se de uma revista se tratasse; juntava a família em redor da mesa grande, uns anos mais abundante que outros; adorava presentear e ser presenteada.

Maria… amou todos os momentos que dedicou, a esta quadra…

O Natal inspira-nos!

…João, António, Vicente, Ana, Eugénia, Fernando, Carlos, Afonso, Alexandra, Cristina, Teresa, Pedro, Paulo, Carla, empurrados pelo calendário, mais que pelo espírito natalício, compram isto, aquilo, numa correria desgovernada …; comprar, comprar, comprar é o que importa; à pressa porque há pouco tempo; seja o que for; mesmo que não seja para dar júbilo a quem vai receber, mas para ter o sentimento do dever cumprido; comprar qualquer objecto; com amor, com prazer, mas também por obrigação, por educação. Nas filas infindáveis, entre safanões e encontrões, lojas pejadas, gente alienada que abre carteiras com parco dinheiro, mas de onde brotam cartões coloridos de tudo quanto é loja e que nos compram por 5 ou 10% de desconto ou por acervo de pontos…como se fosse no passo fabricado pelo homem, entre a troca de moedas (dinheiro) por um qualquer objecto, que nos conseguissem resgatar dos males maiores e dos menores praticados durante ausências de todo o ano ou de anos de ausências, na noite de 24 para 25 de Dezembro de cada ano.

Com o passar dos anos o João apercebeu-se, que para muita gente o Natal era muito Mais que amor e confraternização entre entes queridos. Na verdade a noite de Natal era praticamente uma competição para ver quem “impressionava” mais os presentes.

O Natal inspira uns e outros,

…O desfile começa… e das caixas ou dos sacos cintilantes, dourados e vermelhos saem os presentes: o mais original, o maior, o mais exuberante, o mais caro, mas sempre com a mesma perspectiva presente pelos seus compradores… quem vai causar mais sensação naquela noite…havia de tudo. Em segredo, na cabeça de cada um, ficaria a expectativa de no Natal seguinte ser presenteado de novo por esta ou por aquela pessoa, que tinha tido a melhor ideia e por sua vez tinha impressionado o maior número de pessoas. Aqueles que nunca ultrapassavam os limites da sua imaginação, do empenho, de tempo ou de dinheiro ficavam-se pelo par de meias e pelas cuecas e corriam o risco de não serem desejados por ninguém, para presentear ninguém no Natal seguinte, afinal já se sabia de antemão a surpresa que nos iria calhar. Excepção aberta, caso as cuecas exibissem algum padrão engraçado ou mordaz; as meias contudo, não apresentavam no mercado qualquer variante para provocar sensação, a não ser que fossem de senhora e originassem algum “fetiche” mais recôndito… mas por regra os seus autores optavam por “slipes” e “peúgas”, vamos lá saber porquê.

…Tita, tem a mesa cheia de gente, mas sente-se só. Cumpre, de forma metódica, todo o ritual do início até ao fim, por sua conta ficam todos os pormenores da organização da ceia de Natal da família Bettencourt, que começa a organizar com pelo menos dois meses de antecedência. A matriarca supervisiona apenas, para verificar se Tita assimilou com afincamento todas as regras de etiqueta e todas as tradições da família ancestral. Os presentes são os mais caros de todos, tanto para os pequenos como para os grandes, os embrulhos são os mais perfeitos. Os perfumes, as jóias, as pratas, ou ouros, os diamantes, saltam das caixas de veludo vermelho e preto mas tristes, porque não vão embelezar ninguém a quem falta a mais simples beleza e felicidade interior. Não há jóia que lhes valha. Tudo não passa de uma grande mentira e de uma feira de vaidades. Á meia-noite vão à missa do Galo, fingir que sentem alguma coisa por alguém. Tita ainda tem coração, por isso sente isto tudo. Sente a falta do âmago, sente a falta dos afectos, sente a falta da verdade.

O Natal inspira menos,

…João, já não acreditava em nada. Comprava menos que meia dúzia de presentes para aqueles que lhe diziam mesmo muito e não se sentia de todo tocado por espírito nenhum, a não ser pelo seu. Para além do amor que sentia realmente por quem amava de verdade, sentia pelo “resto” uma imensa desilusão, mágoa, tristeza, raiva, fúria, descrédito por tudo ou por muita coisa, por acreditar em tudo que afinal não existe e pior, não existe para todos. De facto é verdade, se pensarmos exclusivamente, em termos materiais…


Mas, felizmente que um dia descortinou que os Homens são feitos e alimentam-se de outras coisas para além das questões materiais, deixou de ser tão céptico e resolveu dar outras hipóteses aos outros e a si próprio. Tem descoberto aos poucos que tal como ele e por de trás de toda a raiva existe um coração, o dele, que ainda sente… existem outros que têm coração, outros que ainda nem descobriram que o têm, outros que não sabem para que serve, outros que não sabem usa-lo, outros que sabem dar mas não receber, outros que sabem receber mas não sabem dar e outros que sabem dar e receber e sentir o quanto é fantástico o AMOR, a AMIZADE, a SOLIDARIEDADE, a ALEGRIA, a COMPAIXÃO e partilham estas verdades absolutas com quem os rodeia. Esta é a fórmula para dar sentido à VIDA, seja no Natal ou em qualquer dia do ano. Só ensinando aos mais pequenos a importância destas essências é possível fazer perdurar o espírito e dando, acabamos por receber…

… Não nos encontramos todos no mesmo estado de maturidade emocional, talvez por isso, nos seja tão difícil compreender-mo-nos, uns aos outros... apesar de vivermos os mesmos tempos e partilharmos o mesmo código linguístico…

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A liberdade de ter o céu como tecto e a terra como chão (Fim)


… Voou o mais alto que podia, voou anos sem fim... numa busca ininterrupta de um sítio onde parar ... sem horas, sem regras, sem compromissos nem obrigações.

Durante tão grande viagem, onde conheceu muitas gentes, muitas culturas e muitos países sentiu-se livre e feliz… E numa manhã de Primavera, encontrou uma cidade linda e cheia de luz, em que o sol aquecia os gatos por de trás dos vidros, em que os idosos sentados nos bancos dos jardins lembravam histórias do passado, em que as crianças saiam à rua de manhã para ir à escola e à tarde brincavam horas perdidas nos bairros onde viviam, onde os pombos enchiam as ruas e faziam companhia aos mais solitários, velhos e novos, onde as mães empurrando carinhos de bebé saiam à rua mostrando os rebentos concebidos meses antes, onde as crias aguardavam nos ninhos, famintas a chegada dos pais para lhes saciarem a fome piando incessantemente, onde os jovens trocavam palavras de amor e juras para a vida eterna sentados junto ao rio, onde os cravos eram uma flor importante porque um dia simbolizaram a esperança. Jack renascia agora no coração de uma cidade de ruas estreitas e prédios pombalinos.

Era Lisboa era o Chiado. Trazia com ele a liberdade e a felicidade com que tanto tinha sonhado, era agora um homem maduro.

Não usava relógio, não tinha horas para acordar nem para se deitar, não tinha que vestir o uniforme habitual, não tinha carro para estacionar, não tinha de tomar o seu lugar na fila, não tinha que … nada.

O céu era o seu tecto e todos os dias era diferente. Havia céus de noites estreladas, havia dias de céus límpidos, havia céus de noites parecidas com algodão, havia dias de céus cinzentos, mas todos eram lindos, parecendo quadros de artistas generosos. Jack, adorava ser surpreendido todas as noites, quando se deitava e olhava o céu. Os pés descalços faziam-no sentir a terra como chão. Nunca mais iria precisar voar.

Olhava para si, sempre que se cruzava com um espelho e ficava feliz em notar que se tinha livrado daquele estereótipo engravatado, cinzento e quase sem vida. Robôs de marca, escravos do trabalho e de si próprios, viviam para ganhar e consumir, realizando prazeres efémeros...

Jack, tinha então envelhecido com os anos, mas viveu e ainda vivia feliz e em liberdade. Cabelo e barba branca comprida, rugas vincadas pelo sol de Verão e pelo frio do Inverno, mãos engelhadas e calejadas, a alma repleta de histórias de rua, sem mágoa, de tantos a quem disponibilizou o seu tempo e com quem conversou. Muitos deles da sua idade, com quem se cruzou durante anos, que tinham casa, família e todos os bens materiais, capazes de lhes proporcionar a tranquilidade de uma velhice com êxito, depois de tantos anos no “exército” social, mas que no entanto eram pessoas tristes, magoadas e amarguradas, porque nunca tinham sido realmente livres, nem felizes…nem por um dia. Outros viu-os crescer, casar, serem pais e mães, avós e avôs respeitáveis mas longe de serem felizes.

A cidade onde aterrou era a mesma de onde tinha partido um dia para “passear”, mas Jack, agora via-a de uma outra forma. Depois de se encontrar, via tudo com outros olhos, todas as coisas tinham cor, tinham deixado de ser cinzentas ou azuis escuras.

Nos dias de chuva em que adora subir e descer a Rua do Chiado, sozinho, à chuva imagina que o amor se cruza com ele no sentido inverso e lembra o cabelo apanhado, a figura curvilínea, os olhos amendoados e deixa-se abraçar pelos caracóis louros, às vezes é à noite ao luar. Ela já não veste o “tailleur” cinzento, está envolta num vestido de sonho…

Encontrara há poucos dias um amigo, por quem dava a sua vida e adora privar com ele. Dão-se bem, porque partilham os mesmos valores, a Liberdade e são felizes.




Jack adora deitar-se nos bancos de jardim da cidade e dormir, seja de dia ou de noite. Umas vezes dorme a sesta, outras, dorme a noite toda. Adora sentir o frio das primeiras manhãs de Inverno, tal como o ar soalheiro da Primavera e ser acordado pelos primeiros raios de Sol; espreguiça-se, procura um chafariz próximo, faz a sua higiene, saúda a Vida e põe pés ao caminho. Dedica-se a tempo inteiro a conversar com quem lhe dispensa algum tempo, no entanto, chega quase sempre à mesma conclusão que os que o abordam é que procuram companhia para conversar. É o confidente de muitos que se sentem sós. Ama de forma incondicional tudo e todos. Não se envergonha de pedir, porque ele não mendiga…É um homem livre e feliz … e, aprendeu que tudo tem um preço, mas vale a pena.

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À memória de todos os que vagueiam pelas cidades de todo o Mundo, para quem muitas vezes olhamos de soslaio e julgamos indevidamente pelo seu aspecto, mas que são a integridade em pessoa e verdadeiras lições de vida…- Amo-te, Jack - disse. Sim, sou eu, a rapariga dos olhos amendoados, de estatura média, curvilínea e caracóis louros …com quem, de vez em quando, ainda te cruzas na rua do Chiado…


quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A liberdade de ter o céu como tecto e a terra como chão (2)


Pelo meio da busca incessante que decidiu travar, continuava a cumprir todas as rotinas, que o exército lhe impunha. Restava-lhe sonhar, de olhos abertos ou fechados todos os dias um pouco, com liberdade e com imaginação. Contudo, na manhã seguinte voltava a levantar-se muito cedo, vestir o uniforme e tomar o seu lugar na linha de montagem para regressar a casa à noite, sem uma história bonita ou alegre para contar, sem ter a quem. Os dias sucediam-se desta forma e as horas desenrolavam-se em permanente competição; os soldados tinham que cumprir os objectivos estabelecidos até ao final de cada mês.

Depois de lhes roubarem todas as forças, durante os 365 dias do ano, as patentes militares, achavam-se dotados de uma generosidade inigualável e compensavam os que tinham passado menos tempo no seio da família, entre os amigos e numa ou noutra saída cultural, com um Prémio em dinheiro.


Claro que, tudo, o que os seus pais, avós e as gerações anteriores, tinham vivido ou morrido para conquistar como direitos dos trabalhadores e sindicatos eram vistos com maus olhos, “démodé” e apenas constituídos por moribundos enternecidos com as memórias do passado.

Jack, não dava atenção as estas coisas, o cansaço era tanto de um dia atrás do outro, que mal tinha tempo para pensar ou antes para raciocinar.

Mas um dia... algo de surpreendente aconteceu… tinha encontrado um amor.

Ela também integrava o mesmo exército, vestia uniforme feminino “tailleur” cinzento ou azul-escuro, estatura média, curvilínea e usava o cabelo apanhado. Irradiava uma beleza extraordinária. Quando se cruzava com ela, sonhava o resto do dia e na noite seguinte com os caracóis louros que não se deixavam domar, outras vezes fixava-se nos olhos amendoados, expressivos e carregados de ternura que sabia usar bem, quando passava por ele. Percebeu, com a inocência e a inexperiência do desconhecido, que aquele era um mundo novo e apaixonado, entregou-se, achando que tinha finalmente encontrado a chave para a felicidade e por consequência para a liberdade.

Foram bons demais, os poucos dias que passaram juntos até algum tempo depois de estabelecer o compromisso. Jack voou alto, muito alto mesmo, por várias vezes ao lado daquele amor… mas aos poucos, devagarinho, muito devagarinho e quase contrariando as evidências foi percebendo que ela tinha medo das alturas. No início, não existia a cumplicidade e o conhecimento mútuo para ela lhe confessar os seus receios e ele, por sua vez, não tinha maturidade suficiente para a fazer acreditar que era fantástico voar, … nem tempo para a ensinar. Quanto mais alto ele subia aos céus e procurava a sua companhia ela tremia só de pensar no convite. A distância foi-se tornando cada vez maior entre os dois, ele triste deixou de o fazer, ela triste perdeu-se na terra onde gostava de sentir os pés, assentes no chão.

Jack entristeceu e retomou só, a sua rotina. Mais perdido e inconsolável do que nunca, soube-lhe bem voltar só e apenas ao seu lugar na fila para cumprir de novo o protocolo “militar”. Precisava de algo que o colocasse no caminho de novo e recomeçar do sítio onde tinha desviado o seu rumo. Assim, continuou por alguns anos mais, no entanto não conseguia esconder de si próprio a saudade que sentia daquela sensação de liberdade extenuante que lhe tinha coberto o coração e alimentado realmente a alma.

Anos mais tarde, sem mais nada seu para além dele próprio, tomou consciência que a felicidade e a liberdade não dependia dos outros… e, voou de novo definitivamente …


A liberdade de ter o céu como tecto e a terra como chão

O dia nascia, chovia intensamente, … e ao som da chuva, Jack perdia-se na trama urbana por onde à muito deambulava, numa cidade cheia de luz. Vivia no coração daquela que o acolhera, na sua nova vida.


Habituado ao Sol quente de Verão que sentia na pele, cada vez mais escaldante e por mais meses com o passar dos anos; prognosticado por cientistas e ambientalistas que volta e meia eram entrevistados sobre a matéria; …Jack ia tomando conhecimento de como se encontrava o Planeta, o Mundo, o Continente, o País, a sua nova cidade, sempre que parava nas montras das lojas de electrodomésticos, à hora do telejornal, pelos lcd's expostos e arrumados por tamanhos para venda ao público.

Cada dia a mais, que aquela estação do ano conquistava à anterior, ele sonhava com o tempo fresco. A sua pele já ressequida e queimada em excesso, começava agora a fender, ora as mãos, ora a cara e as restantes partes do corpo que tinha deixado desabrigado, irresponsavelmente, horas intermináveis sem qualquer protecção solar, durante o último Verão.

Nos últimos dias vinha assistindo em primeira mão, à frente fria que se aproximava devagar e que com ela trazia temperaturas mais baixas, apesar de ainda altas para a época - recorda mais uma vez as palavras dos cientistas e meteorologistas de serviço, de novo nos lcd’s; …vento e nuvens negras, densas - constatava com os seus próprios olhos; … sentia-lhe o cheiro e via que cada pedaço de terra, nos canteiros, nos vasos à porta dos habituais moradores ou nos jardins da cidade, aguardavam ansiosamente as primeiras gotas de chuva, tal como ele.


Tinha acabado de acordar e arremessar de cima de si o papelão húmido amontoado em três camadas,  que enquanto dormia, não deixou de “fazer o seu papel” aos transeuntes noctívagos - publicidade aos lcd’s da LG, da Soni e da Samsung, para além de lhe servirem de cobertor, quando o céu num repente desabou.

Só teve tempo para se abrigar no vão de entrada do prédio ao lado, com três degraus retraídos e puxar para si todos os seus haveres, que eram poucos. Um pequeno saco de plástico de uma grande superfície, com alguma roupa gasta pelas histórias dos corpos que tinham vestido, um resto de pão com torresmos que a vizinha do nº21,1º - Dtº. Da Rua Nova do Almada lhe oferecia todas as semanas e que ele trincava uma ou duas vezes, para se animar e  se sentir “rico”, dependia do número de vezes que se sentisse só, …e um amuleto de criança, dado pelo avô paterno. - Sobre o amuleto, poderemos voltar mais tarde ao assunto se o Jack fizer questão, porque “dava pano” para outra história tão grande ou maior que a que vos vou contar.


Imaginou ser o Dilúvio.

Apesar de nunca ter conversado com o “tal” Noé, a quem foi apresentado à alguns anos atrás pela catequista da paróquia onde cresceu e viveu em pequeno, ainda chegou a ver, o retrato/desenho do próprio e da sua Arca. Naquela idade inocente, ficou maravilhado com tanta compaixão e generosidade. A catequista também lhe ensinou, que tinha sido Noé que nos tinha defendido do pior presságio, depois de fazer um pacto com Deus. Deus tinha “mandado” Noé, o homem mais justo ao cima da Terra, construir uma grande Arca, e assim salvava a sua família e um casal de animais de cada espécie, uma vez que tinha decidido destruir o mundo por causa da perversidade humana.

Assim, conseguiria assegurar a diversidade e o desenvolvimento do planeta na dimensão que o conhecemos hoje, pensara Noé… Naturalmente, com a ajuda da aptidão natural e do instinto inato que caracteriza todos os seres vivos, para se multiplicarem com extrema facilidade.

No dia do pretenso dilúvio – escrito, por mim, propositadamente com letra pequena, porque ainda não chegou o dia do “Juízo Final” - Jack, depois de lhe passar o efeito surpresa da intempérie que o cobria da cabeça aos pés, resolveu colocar o saco à tiracolo e rua a baixo desceu o Chiado, feliz e contente. A chuva molhava-o com prazer e ele deixava. Sentia-se feliz, apesar de todo molhado. E, ao contrário dos soldados com se cruzava todos os dias azuis e cinzentos, de onde ele se destacava por andar à paisana, não lhe deixarem espaço para poder passear recebendo encontrões e empurrões constantes, sem a companhia dos devidos pedidos de desculpa, hoje todos se abrigavam nos beirais à esquerda e à direita. Estava espantado, nunca se tinha apercebido que tinham medo da chuva, - medrosos. Nem os que tinham chapéu de chuva se aventuravam, por não se sentirem protegidos.

Chovia com tanta força e em tão grande quantidade que as ruas tinham-se transformado em grandes riachos de pequeno caudal, o bastante para os soldados perderem a compostura e a postura, altiva e arrogante que todos os dias logo de manhã teimavam em trazer para as ruas da cidade.

Quando o Sol raiava noutra época do ano, aquelas ruas não eram suas, mas sim de toda a gente. Sentia-se muitas vezes abandonado no meio da multidão, que todos os dias chegavam cedo à cidade para desaparecerem ao final do dia, e fugirem para o conforto ou desconforto das colmeias de betão. Estava habituado a vê-los durante todo o ano, com excepção de poucos dias, sempre hirtos, luzidios e todos vestidos de igual... fato completo cinzento ou azul-escuro, camisa branca ou azul clara com ou sem riscas ao alto e gravata a condizer. - Quero dizer, nem sempre...

Pareciam verdadeiros exércitos, a entrar na cidade logo pela manhã e tomarem as suas posições em postos estratégicos, para perto da hora de jantar voltar às suas viaturas e desaparecerem.

Jack, também já tinha feito parte um dia, de um exército com estas características; também ele havia tido um fato de uma das duas cores permitidas pelo regulamento, com gravata e tudo. Mas, tinha sido há tanto tempo, que já se tinha esquecido de todas as regras e requisitos para o integrar. Na memória guardava apenas… que não tinha saudades.

Recorda, que quando O integrou pouco tempo depois de se tornar adulto, não fazia ideia, que aquela não era de todo a forma ou a fórmula para atingir a felicidade. No entanto, quando se alistou levado pelos amigos e companheiros, que chegada a idade adulta procuravam a sua independência financeira, Jack já namorava e desejava um dia constituir família. Digamos, que cada etapa do desenvolvimento humano, desde que parte integrante deste ou de outro qualquer exército do género, pressupunha quase sempre por esta ordem, tarefas como o sedentarismo, a fixação num lugar, a aquisição de património imobiliário, a união, a pro-criação, eventualmente a pro-criação de novo, eventualmente o aumento do património de novo... com o elemento competição sempre presente.

Sentia-se a cada dia mais prisioneiro, refém até, de uma sociedade controladora que bitolava tudo e onde meia dúzia de patentes militares deixavam pouco espaço para a imaginação, para o individualismo, para a diferença, para o improviso e para a espontaneidade. Jack começou a sentir-se esmagado, triste, a deixar de sonhar e procurou uma alternativa…

domingo, 22 de novembro de 2009

Brincar com as palavras...cifra de transposição ou anagrama


...e se parássemos um pouco...estou cansado! - Respondia o menino, com a cabeça deitada no antebraço pousado na secretária, sem forças para erguer aquela invenção de outros tempos, a esferográfica. Depois de um dia de escola repleto de letras, números, conceitos, regras e muita brincadeira, a meio de mais uma semana, de um ano lectivo qualquer e perdido entre livros, cadernos e lápis, o João esforçava-se para não desiludir a mãe, que ao seu lado paciente permanecia.

- Por favor, João estuda. Suplicava a mãe, sonhando com um futuro melhor para o seu único filho e por isso a sua única esperança.

- Escreve um título para uma composição, em que utilizes apenas 20 letras, nem mais nem menos. Usa apenas: três E's; quatro S’s; dois P’s; dois A’s; dois M’s; três O’s; dois U’s; um C e um R. É o último T.P.C. que te passo hoje, amanhã continuas... depois, podes brincar com as letras como quiseres.

Ainda mal tinha agarrado na caneta, já as palavras se atropelavam umas às outras e queriam saltar para fora daquele pequeno cérebro, sem que este conseguisse proceder ao seu registo.

Cada uma gritava mais alto que a outra, para se fazer ouvir.

- Eu sou a primeira! Dizia com convicção uma delas, por ser a mais antiga.
- Não, a primeira palavra da primeira frase sou eu, porque sou a mais bonita de todas.
- Ora, ora, replicava outra. - Era o que faltava, eu cheguei primeiro.
E outra, - Pois eu sou a 2ª palavra da 3ª frase, está bem? A confusão continuava...

Ao fundo o João ouvia.
- Não, não e não, eu quero ser a 5ª palavra da 14ª frase, já disse! - Eu tenho mais perfil para ser a 8ª da 10ª frase. - Eu quero ser a última palavra da última frase, para que  todos se lembrem de mim...

…e assim ensurdessivamente???!!!, ou ensurdecivamente, ensurdecessivamente ???!!! Esta, era uma palavra tão nova, tão fresca e acabada de nascer que nem ela própria, ainda sabia como se iria escrever. Os gritos das palavras estonteavam os ouvidos ao João.

Teimosamente, empurravam-se umas às outras sem conseguir formar em fila indiana, para dar início ao exercício, ao desafio invulgar. O cérebro do João, não conseguia sequer a concentração necessária, para enviar uma simples mensagem à sua própria mão. Mão essa, que por sua vez havia de fazer deslizar o bico da caneta sobre o papel.

Interrompidas pelo menino em desespero foram as palavras, que perplexas e assustadas ouviram em tom determinante e decidido!
- Por favor, parem de fazer barulho! Comportem-se! Preciso pensar! Eu, é que vou decidir a ordem porque vão ficar alinhadas, aprumadas na folha. Ouviram?

Abrandando o tom, acrescentou:

- …primeiro, preciso saber, quantas palavras consigo fabricar com aquelas vinte letras; escolher o tema do texto e só depois, dar-vos um sentido, organizar-vos em frases/orações com sujeito, predicado, complemento directo ou indirecto… dar sentido às orações, simples ou complexas; como pretendo que sejam ligadas entre si, por forma da conjunção ou da subordinação; optar por conjunções e locuções conjuncionais coordenativas ou subordinativas, copulativas, adversativas…, condicionais, comparativas, temporais, concessivas ou finais… Mas, para hoje, a minha mãe disse que só teria que criar um título, o resto da composição só irá ser feita amanhã, não há razão para se atropelarem, parecem crianças no recreio.

Fez-se silêncio… a maioria das palavras e das letras perceberam finalmente, que não precisavam correr aos empurrões, talvez só amanhã, caso o João voltasse a estudar.

O silêncio, agora trespassado apenas pela música de fundo proveniente do rádio que tinha no quarto, trazia a quietude perfeita. Meteu mãos à obra, adorava edificar desta forma.

Começou a escrever e a ordenar alfabeticamente todas as palavras que surgiam no espírito, tendo sempre como regra as vinte letras, naquela quantidade determinada, para erigir o título que a mãe lhe pedira, como último esforço para o dia de hoje.

…ama/amara/Amo/amor/asco/cessou/com/comer/compor/comum/copa/couro/era/Era/espasmo/espera/
esperamos/esse/espesso/maus/meus/mouros/museu/opus/ouro/ousar/para/passamos/peou/pouco/peso/
pesar/ramos/rapar/raspo/remos/ria/riamos/rumar/rumo/sapo/sarar/se/separar/ser/seremos/somos/sopro/
soro/sua/supra/uma/usar/…

Depois de inúmeras tentativas e muitas possibilidades sem sentido, chegou à conclusão que tinha descoberto uma, sem querer saber se haveriam outras.

Aproveitou para brincar, agora com a mãe, dizendo que ia apresentar-lhe o título da sua composição em cifra de transposição ou Anagrama.

- O que é isso João? - Deixa-te de brincadeiras, vá lá filho, ainda tens que tomar banho, jantar e dormir, para te levantares cedo de novo e não chegares tarde ao colégio.

-Mãe, vou dar-te uma ou duas pistas, para te ajudar a descobrir. Por exemplo: Elegant mana gentelman, tal como Elvis é um anagrama de lives. Foi a professora de inglês que me ensinou. Funciona do seguinte modo…, as letras de uma mensagem são retiradas da sua ordem original e realinhadas num outro padrão. é um anagrama de

- João, por favor, não tenho tempo para as tuas brincadeiras, amor. Preciso de ir fazer o jantar entre outras rotinas da casa, senão não consigo com que te deites cedo para descansar o suficiente. Mostra lá o título que escolheste e deixa-me contar as letras.

- É este, mãe - ...e, sem poucos amar, peou-se…

A tarefa tinha-se revelado difícil, porque o João tinha apostado em cumprir as regras que a mãe lhe tinha imposto e ainda tentou aplicar a cifra de transposição, apesar de cansado de facto. Foi quando disse …e, se parássemos um pouco…que se lembrou dos jogos que se podem fazer com as palavras e com o mesmo número de letras, na quantidade original, procurar encontrando uma outra frase que faça sentido.

Era um exercício difícil, mas tinha lhe dado um imenso prazer. Tinha feito apenas uma pequena batota, que nunca revelou a ninguém e que arriscava, que o professor da disciplina de Português quando fizesse a correcção do T.P.C., talvez não desse por isso, só com a preocupação de ter que ler em pouco tempo 26 composições, que eram o número total de alunos que compunham a turma do 7ºB, a sua turma. Não utilizou o assento grave (´).

Para o dia seguinte, resolveu deixar o corpo do texto. Contudo, já tinha decidido mesmo antes de arrumar a mochila, que iria utilizar as metáforas de quem tanto gostava, as hipérboles, as personificações e os eufemismos, amigos com que gostava de brincar nos dias de frio e chuva que o privavam de jogar à bola na rua.

Um dia queria ser um grande escritor, mas não tinha pressa, sabia que, tinha ainda muito para aprender.


sábado, 7 de novembro de 2009

O primeiro dia do último inverno...

Fazia frio quando ela saiu de manhã. O vento alvoraçava os fios de cabelo ralo e as madeixas brancas acariciavam com ternura a face e os ombros, cansados pelos anos, pelas responsabilidades que carregou na sua passagem por "tanta gente". Bateu a porta atrás de si e saiu.

Sem perder tempo apertou o sobretudo verde até ao último botão e enroscou o cachecol das riscas ao pescoço, com duas voltas para que não fugisse. Uma ponta, acabou aninhada debaixo do braço e a outra baloiçava ora para um lado, ora para o outro, sem saber onde queria ficar, virada para trás.

As faces, foram ficando cada vez mais rosadas à medida que o vento batia contra ela, os lábios finos começavam a ficar secos e cortados pelo frio. Procurou o bâton do cieiro no bolso direito...e enquanto a mão direita tinha uma tarefa e um objectivo a cumprir, a sua mão fria, a esquerda, procurava a alça da mala para se apoiar e não ficar à solta, perdida e ao "Deus dará". Como se de uma dura promessa se tratasse, teimava transportar ao ombro a mala que tinha tudo, tudo o que entendia precisar mesmo que não precisasse. A agenda do ano, a carteira, os óculos, as pinturas, a sebenta e a caneta com que gosta de escrever. De entre todos os haveres, o mais pesado era a sebenta. Cada página, carregava histórias contadas com emoção, frases soltas, palavras com e sem sentido e uma enorme quantidade de letras e tinta impressa onde expressou, o que de vez em quando lhe ia na alma.

Quando finalmente encontrou o bâton, sentiu-se feliz. Ia agora poder aliviar o ardor que sentia nos lábios, enquanto percorria o quarteirão a passos largos. O vento continuava forte e contra ela. Lembrava com saudade, todas as sensações dos anos anteriores, sempre no primeiro dia de Inverno. Muitas vezes saiu sozinha para lhe dar as boas vindas, outras acompanhada, mas nunca deixou de o fazer.

Foi o primeiro dia daquele último inverno, que o sobretudo verde e o cachecol de riscas viram a luminosidade daquela cidade, Paris. E, foi também, a última vez que A viram, porque nunca mais saíram do armário.

Ela, viu pela última vez o seu sobretudo verde e o cachecol de riscas, amigos verdadeiros com quem partilhou sensações inesquecíveis de frio e de verdadeira magia.


Ao amigo...

Ele partiu a semana passada. Estava cansado e tinha tomado a decisão de se ir embora, sem o nosso consentimento... o dos amigos. Teimosamente e com todo o carinho do mundo, procuramos o tempo todo amparar as suas já visíveis dificuldades e contrariar aquele destino injusto. Sempre que não queria comer, alguém trazia um "tupperwer" com fruta apetitosa, ora uvas, ora papaia, frutos secos, bolachas, bolinhos caseiros... aquele "armário público" tinha sido transformado numa pequena mercearia com as prateleiras carregadas de amor e compaixão, para que nada lhe faltasse quando tivesse uma vontade súbita de alguma coisa.

Sempre que subia as escadas, alguém subia com ele dois degraus de cada vez e fazia uma pausa para descansar, como se tudo fosse normal. Sempre que a "ansiedade" não o largava ao nosso cuidado, nós não "O" largavamos ao cuidado dela.

Na sua presença, era ele quem marcava o nosso ritmo e foi assim até ao fim. Não tinha pressa de se ir embora, apesar de cansado e visivelmente abatido, permaneceu de pé até ao fim.
Deixou-nos, dormitando com a cabeça no ombro do seu pai... (deve ter sido fantástico). Que mais cada um de nós, deseja senão um "terminar" assim, entre o amor daqueles que nos querem bem, que nos amam de forma incondicional e que nos pegam ao colo, de cada vez que nos sentimos de novo crianças desamparadas.

Estejas onde estiveres, lembra-te como foi divertido viver, entre amigos. Em meu nome e em nome de todos eles, lembra-te do Natal anterior, de chupa-chupa na boca, barrete vermelho na cabeça chamando um a um, ríamos repetindo volta e meia o mesmo número, havendo sempre um ou outro distraído que respondia: Esse já chamaram...

Um beijo grande, de saudade.


A vida para além da morte....

...prefiro acreditar de existe...

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

DNA

Genéticamente, o nosso DNA muda com as frequências produzidas pelos nossos sentimentos.Por sua vez, as frequências mais altas que conseguimos são as do Amor e que produzem impacto e alterações no ambiente que nos rodeia...

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Confissões de uma liberal!

Nasceu um novo blogue de "gelo"que irá derreter à mesma velocidade que as calotes polares, através das emoções que todos os dias sente...