Quando nascer de novo...
não vou voltar a ser mulher,
nem homem,
nem pássaro, nem golfinho,
nem Sol, nem mastro,
nem realidade, nem vertigem,
nem dor, nem pesar,
nem mágoa, nem pranto,
nem sombra, nem lágrima,
nem pó, nem grão,
nem Mar, nem chão
nem fado, nem canção
acabei de decidir,
vou ser um livro...
(vou nascer no meio dos livros...)
...No fim do tempo, numa boa hora, as águas vão rebentar e vou brotar de algum ventre materno... vou nascer de novo, mas desta vez numa biblioteca, no meio dos livros...e tornar-me-ei um deles...
vou ter capa, sem que ninguém me acuse
vou ter folhas como as árvores, sem secar
vou ter letras impressas no corpo, sem que ninguém me olhe de lado
vou sobre uns e com outros, sem ser classificada
vou andar de mão em mão, sem ser acusada
vou estar nas montras à venda, sem que seja olhada com luxuria
vou ser de papel...
-----//-----
...o ambiente é de delírio, a emoção prolifera por entre os presentes...vai nascer um livro novo.... é sempre este o ambiente quando está para nascer um livro novo.... em suspense encontram-se inúmeros autores e personagens sonhadas, que assistem aos nascimentos de quem um dia se metamorfoseou...
...clássicos e contemporâneos aguardam ansiosamente o nascimento... Stendhal, Victor Hugo, Miguel de Cervantes, Garbriel Garcia Marquez, Herman Hesse, Dostoiévski, Emile Zola, Emile Bronte, Dante Alighieri, Machado de Assis, José de Alencar, Bocage, Fernando Pessoa e heterónimos, Shakespeare, Homero, Joyce, Kafka, Mário Quintana, Jorge Luis Borges, Melville, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Netzsche, Antoine de Saint-Exupery, Paulo Coelho, Vinicius de Moraes, Clarice Lispector, Orwell, Virginia Woolf, Daniel Defoe, Chuck Palahniuk, Sófocles Jung, Alexandre Dumas, Pablo Neruda, Tolkien, Agustina Bessa Luís, Alberto Braga, Stieg Larsson, Augusto Cury, Bento da Cruz...
viverei numa biblioteca e serei um livro, ...multiplicar-me-ei em histórias de sonho...de guerras...de vidas...de amores...e desamores...de aventuras...
...deixarei de ser quem sou para interiorizar cada história, cada personagem ...vou viajar pelo mundo em páginas e páginas de letra impressa, vou viajar no tempo de páginas amarelecidas pelo pó,... vou sentir a curiosidade e a expectativa inicial de um livro que se começa a ler...vou sentir, ao canto de cada página, a saliva de dedos que me tocam para me desfolhar na curiosidade de ver como acabo, vão-me devorar...
...e vou correr o risco de ser posto de lado antes de terminar, porque não consegui a empatia de quem me acolhe. As folhas e folhas que vou ter, vão ficar embriagadas de tantas letras e vão formar palavras e emocionadas construir frases no empenho de uma história alucinante ...
esquecer-me-ei de mim enquanto Ser...vou ficar calada para sempre, para que me oiçam com atenção... vou ter sempre dentro de mim a enfeitar-me, marcadores coloridos, de papel, de plástico, de metal, de prata, com pedras coloridas ou preciosas...
...esquecer-me-ei de mim e deixarei de falar, de me vestir, de comer, de beber, tarefas cansativas de rotinas urbanas sem precedentes...
e entre livros, grandes e pequenos, fantásticos e didácticos, a cheirar a novo ou antigos, ...deitar-me-ei ao seu lado numa estante ou numa qualquer mesa de cabeceira que me acolherá depois de umas mãos...e feliz, vou aguardar que me voltem a pegar, tantas vezes, quantas o entendam necessário até satisfazer por inteiro a curiosidade ou o momento de alguém...
...transformar-me-ei em múltiplas personagens imaginadas por cada um dos escritores que me escrevem... vou ver rir, vou ver sofrer, chorar, amar, amar sem pensar, naufragar, viajar, prometer, desafiar, não cumprir, imaginar, desmentir, seduzir, permanecer, desencontrar, subestimar, enlouquecer, caracterizar, repetir, sacrificar, analisar, cristalizar, surpreender, acautelar, proporcionar, ...no fundo, quero dizer viver...e amar, amar, amar...
...e assim, serei eterna na minha forma de estar...